Os primeiros “bolws” de torno

Retomei as aulas de cerâmica em 2023, basicamente para aprender a trabalhar no torno elétrico. Domino bem a técnica do acordelado (que gosto), das placas (ambivalência total – amo e odeio) e a cerâmica orgânica (adoro). Tenho interesse em aprender a trabalhar com o torno elétrico e, em algum tempo, mergulhar na cerâmica artística. Por ora, estou apanhando no torno elétrico.

Na última aula, foi um desastre: sem o olhar e a ajuda persistente da professora, todas as peças desandaram. Aproveitei a liberdade para errar e brincar com o torno para sentir a argila, seus calombos, bolhas, espessura, formatos, imperfeições, e tudo que uma peça condenada antecipadamente, permite. Pra não dizer que a aula foi um desastre total, finalizei 2 peças. E assim, em 3 aulas (nove horas), preparei 8 bowls (6 prontos para a primeira queima).

Um começo. E, nada mais.

a chuva e o arco íris

Depois da chuvarada 

uma caminhada pela praia.

A mansidão das ondas e a timidez do sol 

lembraram a vida e a morte.

Aquela manhã, recém superada e vencida.

Ultrapassada.

A morte, percebo cada vez mais, 

Imita uma visita aguardada e desejada:

um, parte de forma melancólica, acanhada e tímida.

outro, encerra sua jornada heroica, acabado e agitado,

outros, aparecem de quando em quando.

Entre lágrimas que caem, vários sentimentos.

Conflitos. Hipocrisia. Maledicências.

Me retirei.

Não suportei.

Engatei a vida e segui.  

Retornei à ilha da magia.

O caminho é longo e cheio de surpresas.

O céu faz uma pagelança de sol e chuva, 

nuvens carregadas e passeadeiras.

Quando chove feito a dor que sinto,

reduzo a marcha, agarro o manche, 

levo o nariz e o olhar ao para-brisa.

Preciso ver, cheirar e sentir aquela enxurrada 

e redescobrir o caminho. A estrada.

Depois da chuva torrencial, da escuridão fenomenal,

nuvens brancas sorriem e se engraçam a frente,

revelam vários arco íris: 

completos, duplos, vistosos e discretos.

E lá vinha o negror, a chuva torrencial,

a marcha reduzida, o nariz no para-brisa. De novo e de novo.

A vida se mostrando, a morte rondando.

Num vai e vem constante. Aflitivo e reflexivo.

Próximo ao destino

uma lua cheia, imensa, amarela, pintada de sol

desponta no horizonte e guia o caminho. 

Depois da chuva e do arco-íris, vem o sol.

Na estrada e na vida.

Agora, cato conchas na areia,

me refresco nas águas mornas do mar.

Lembro dos livros que chegaram.

Vou ler Verônica e os pinguins.

Acho. 

A caixa de encomendas veio recheada e diversificada.

A vida também.

A maltrapilha

Enfim, a maltrapilha sobrevivente terá seus dias de Cinderela. Tempo, inspiração e fé. É preciso acreditar na ideia pra que ela aconteça.

Não sei quantas vezes esta cadeira antiga (de vinte anos atrás?) já esteve na fila, na porta da garagem, para ser sucateada. Sempre aparecia uma mão e a carregava de volta ao depósito. “Talvez eu possa usá-la quando for mexer com os caixilhos de cera das caixas de abelhas”. E assim, a maltrapilha foi sobrevivendo.

Dias atrás, reorganizando o ateliê depois do Natal, senti falta de uma poltrona para aqueles momentos de esticar a coluna, espichar as ideias e dar asas à imaginação. Percorri a casa em busca de alguma cadeira/poltrona e não encontrei nada que atendesse minha vontade, até que abri a porta do depósito. E quem eu encontro? A maltrapilha.

Levei-a rodando pro sol, virei de ponta cabeça pra ver o estado dela em termos de estrutura: impecável. Nenhuma pinta de ferrugem, rodas saudáveis … tecidos e couro deploráveis. Pedi que Sabrina lavasse com mangueira, esponja, bombril, sabão em pó, água sanitária. Enfim, a parafernália toda. Depois a maltrapilha tomou banho de sol e ficou feito esfinge na sala de casa. O tamanho dela é perfeito para o pequeno canto do ateliê, e o encosto deitado dará vertigens e se houvesse alguma chance, eu veria a lua e as estrelas do subsolo de casa.

Os dias foram passando e fui imaginando o que poderia ser feito para transformar a dita cuja. Fui pesquisar no Pinterest. É lá que um mundo de ideias desfila sem cerimônia nem preconceito. Num vapt vupt, visualizei a cadeira giratória adequada ao meu ateliê. Escolhi sobras dos fios de malha azul marinho e roxo para o apoio dos braços. O trabalho é simples. Nada além de enrolar os apoios detonados, cuidando apenas para que os fios seguissem lado a lado, de ponta à ponta. Tanto pra iniciar como para finalizar, deixe uns 10 cm de fio por baixo da trama que seguirá por cima, mantendo todos os fios firmes.

Depois foi a vez do encosto. Lembrei do trabalho inacabável e juntei as bolachas circulares de crochê com alfinetes, depois costurei com agulha de tapeçaria e fio preto, frente e verso. Imprescindível fazer bom acabamento na parte de baixo da cadeira, onde costurei as bolachas de crochê da frente com as de trás. É importante fazer no local da aplicação, pois o trabalho fica firme e bem encaixado.

Foi trabalhoso? Foi. Mas adorei o resultado.

Por último, o assento.

Escolhi um fio de lycra preto (comprado para fazer bolsas e biquinis) e comecei a crochetar com agulha de 9 mm. Desmanchei 3 vezes até ficar na largura certa, no ponto certo, sem deformações. Depois foi fazer os acabamentos finais e “voialá”!!!!!

A maltrapilha reina majestosa no ateliê.

Florianópolis – no miolo da ilha

Nem só de praias vive Florianópolis. Ontem foi dia de aula de cerâmica. O ateliê que voltei a frequentar fica no miolo da ilha entre as montanhas, matas, flores, beija-flores, jacus e outros pássaros, gatos, cachorros, vacas, e pasmem … ontem fui recepcionada por um macaco bugio. Ao abrir o portão, vi o danadinho bem serelepe entre as árvores. Ao me ver, adentrou a mata e sumiu. É impressionante o que o interior da ilha tem a oferecer. 

É no meio desta floresta nativa e pujante que fica o ateliê da ceramista Vania Bueno, no Muquén, entre a Praia dos Ingleses e o Rio Vermelho. Se quiser chegar, cruzando a montanha, vá pela Vargem Grande e se delicie com as curvas e a vegetação exuberante que delineia a estrada asfaltada até outro ponto do Rio Vermelho, e de lá, vá ao Muquén.  No instagran procure por @ceramicavaniabueno e descubra a verdadeira arte cerâmica.

Anos atrás fui conhecer uma mestra no tear e seu ateliê, em Ratones. Outro paraíso no miolo de Floripa. 

Quem sabe, neste ano – 2023 – me anime a descobrir e visitar artistas e ateliês por toda Ilha de Santa Catarina. Tenho certeza de que vou me surpreender.

Você já teve um ET em casa?

Eu já. Aliás, aprendi a conviver com ele. Ou melhor, tento. Diariamente. Há anos.

Em 2017 conheci uma pessoa incrível. Não lembro do nome dela, nem da sua fisionomia. Era uma mulher entre 45 e 50 anos, em fase terminal de câncer. Suas palavras, seu projeto e sua postura frente ao desfecho final da vida me marcaram profundamente.

Nos encontramos num jantar harmonizado, na extinta loja de vinhos Carvalho Francês, do ladinho de Santo Antônio de Lisboa, em Florianópolis. Sentamo-nos lado a lado, numa mesa retangular para 10 pessoas, e logo fomos conversando sobre tudo. De onde éramos, o que fazíamos, trabalho, moradia, família, momento de vida … Ela era jornalista e me falou do seu câncer. Estava no lucro há mais de 3 anos. O prognóstico inicial era de uma sobrevida de 6 meses. “E você?”

Contei da casa nova e do marido recém aposentado em casa. Ao que ela replicou: o ET baixou em casa e ninguém sabe como agir com ele? 

Arregalei os olhos e ela completou:

“Sei como é isso! De repente, aquele que sempre saía de manhã e só voltava à noite, passou a ocupar todo espaço da casa o dia todo; você e seus filhos, acostumados a almoçar o trivial básico, de repente, tem de atender aos pedidos de uma mesa posta, suco natural, salada e três tipos diferentes de comida, tudo servido em travessa,  na copa ou na sala de jantar. Adeus pizza de almoço em frente à TV. Tudo o que sempre aconteceu e deu certo, começa a ser questionado, quando não, sumariamente modificado. Os filhos ficam mais tempo fora de casa, a empregada se esgueira pelos cantos, tentando não ser notada, e, sobra pra você, a esposa, a tarefa de adaptar o ET aos hábitos e costumes da casa. Costumes esses, existentes desde que vc se conhece como gente. O difícil é quando o ET insiste em não se adaptar. O alienígena quer implantar um novo mundo, um novo jeito de existir naquela casa – a sua casa. Sabe o que acontece, né? Às vezes, só um advogado na causa, pois a guerra inter-mundos pode ser bem complicada, e podem precisar de um mediador.”

Enquanto aquela sábia e irreverente senhora careca de peruca estranha, sorria com o canto dos lábios, olhei para meu marido, e identifiquei o ET, ali, do meu ladinho, rindo, bebendo e se divertindo com os outros possíveis ETs daquela mesa.

Depois de trinta anos trabalhando longe de casa, da cidade, do estado e até do país, a aposentadoria parecia algo merecidíssimo (e é). Morar à beira mar era projeto antigo. Meu marido se preparou para este momento da vida. Eu, pelo visto, não. De repente, alguém acostumado a liderar milhares de funcionários nas mais diferentes obras de engenharia pesada, alguém ocupadíssimo que só aparecia ou à noite, ou nos finais de semana, aterrissou em casa e encontrou apenas duas pessoas para comandar. Eu e a empregada. Os filhos foram lançados ao mundo naquela outra fase: o famigerado Ninho Vazio. É, a vida anda a galope e passos largos na direção contrária de onde tudo começou. 

Meu companheiro de uma vida inteira, queria mudanças e não media esforços para implantá-las. A casa entrou em choque. Eu também. A empregada sabia quem pagava seu salário e foi logo se adaptando. Traíra. 

Já eu, tinha um território a preservar, uma vida estruturada para manter. A barricada foi armada. Os dias começaram a ser de nuvens e chuvas torrenciais, rajadas de vento, raios e trovões. O caos foi se instalando.

No Japão, após longa pesquisa, foi confirmado o aumento da depressão entre as esposas de companheiros recém aposentados. A teoria sistêmica já identificava, há décadas, pontos de tensão e possibilidade de stress em vários momentos do Ciclo Vital Humano. A aposentadoria é um deles.

Passados alguns anos daquele jantar, a harmonização doméstica continua sendo um desafio constante. Como em toda guerra, ganha-se algumas batalhas, perde-se outras. Tem dia que dá vontade de chutar o pau da barraca e entornar o balde, mas então, lembro daquele antigo e sábio provérbio popular “do limão, uma limonada”. 

Abri mão da cozinha e das compras de supermercado, mercado público e açougue. Perfeito. Também abri mão de questões burocráticas e desgastantes com a empregada, pagamentos e toda a burocracia que o viver agrega. Graças a Deus. Coloco em prática diariamente as máximas “nada vai fugir”, “não existe nada que não possa piorar”, “a gente aprende errando”, “Fulano é quem decide, isso não é comigo”. Aleluia. Aprendi a delegar e pouco me importar. Não gostei? Sigo em frente. Como bem dizia minha sogra “Você tem dois ouvidos: um pra deixar entrar, outro pra deixar sair.” lálálálálá

Se consegui domesticar meu ET? Não. 

O ET conseguiu implantar todas as mudanças que queria? Também não. 

Às vezes, o campo está minado. 

Conhecemos a artilharia e as barricadas um do outro. Aprendemos a respeitar o território alheio e quais batalhas valem a pena lutar. Nem tudo merece nossa energia, sossego e bem estar.

Assim, de pouco em pouco, conseguimos vislumbrar o céu de brigadeiro. É quando entendemos o valor do bom combate.  Aquele que vale a pena o esforço.

Identificou o ET na sua vida?

Você tem lutado o bom combate?

sou destas

sou daquelas xaropentas quanto ao toque, beijo, abraço.

aos próximos, muito. não tudo.

contenção e respeito.

aos distantes, estranhos e estrangeiros

um aperto de mão, um sorriso.

cada um no seu espaço 

físico e emocional.

a invasão agride. ameaça.

ultrapassa limites invisíveis

em estrutura de muralha.

sou daquelas enxeridas

que cai de boca, rasga, arranha, arranca,

mergulha fundo,

corta em pedaços, pica, amassa,

congela, atiça,

fica na cola, no cangote, no rastro,

não perdoa,

come pelas bordas,

mirando o centro, o núcleo,

o trauma.

o ponto de fixação.

me lambuzo e mastigo

sentimentos e emoções,

afetos e palavras,

conflitos e desajustes … 

a mais pura desarmonia.

sou assim.

perdoe-me e me dê licença para avançar

sempre e cada vez mais.

vivo disso

você na sua poltrona.

eu na minha.

nada de toques e salamaleques.

entre nós, um mundo.

O Universo do SELF. Do Eu.

Prazer. Sabes quem sou?

Aquela caneca com asinha estranha

Quem não conhece a expressão “Não tem bitu, vai tu mesmo?”

Adoro a caneca trazida do Santuário dos Elefantes, na África do Sul. Uso-a diariamente e ela foi inspiração para uma caneca feita em 2017. Como não conseguia encontrar quem fizesse uma alça diferenciada, a caneca de argila cor de porcelanato, serviu como porta-canetas por muito tempo.

Até que surgiu um arame.

A inspiração viu.

E agora, tenho uma versão pessoal daquela caneca africana no meu ateliê.

Retornando às aulas de cerâmica

Retorno às aulas é tudo igual. Não importa idade, não importa curso, nem série nem ano. Importa ir com material em ordem: comprado, arrumado ou lavado. Lancheira, caixa de ferramentas/apetrechos e uniformes seguem na mesma toada. Tudo a postos.

E lá vou eu.

Depois de 5 anos, decidi retomar minhas aulas com a ceramista Vânia Bueno. Apesar dos pesares, nestes anos todos, entre desistências e recomeços, entre aulas experimentais, cursos ocasionais, professoras indicadas e trabalhos autorais, meu retorno ao ateliê da ceramista era uma questão de voltar a fazer trabalhos com estilo e técnica. 

Combinamos de fazer aulas quinzenais, ou, duas aulas por mês. Começando com aulas de torno elétrico. Uma falha gritante na minha formação até este momento. E a primeira aula me remeteu à primeira de todas as aulas: uma sensação de total estranheza e uma certa insegurança quanto ao fazer cerâmico.

Lembro que saí daquela fatídica aula sem saber se retornaria. Possivelmente só retornei porque odeio deixar trabalhos inacabados. De pouco em pouco, a estranheza foi diminuindo e os resultados, aparecendo. É esta sensação que me dominou neste novo recomeço.

O que dizer do trabalho no torno elétrico?

Nada que um vídeo não esclareça com todas as letras, sons, atrapalhações e muuuuuuita sujeira. Se eu soubesse como postar.

Mas, como dizem, a prática leva à perfeição; estou contando com isso.

Tanto para o uso do torno, como para fazer e postar vídeos

Aquele armário antigo mudou de novo

Mais uma vez mudei o armário antigo da vó Angelina. Depois de resgatado de um galinheiro, gastei uma pequena fortuna para restaurá-lo. O restaurador garantiu que valeria a pena. Não valeu. Mal acomodei o móvel, o cheiro de rato e os farelos de cupim impregnaram o ambiente, e me obriguei a ser radical. Muita tinta foi usada e desperdiçada para amenizar o odor. Gimo cupim também. Ficou um horror.

Deixei o tempo passar e levei o horror para a garagem de casa. Usei produto extraforte, um removedor de tinta esmalte, e deixei a peça livre para qualquer ideia/inspiração que surgisse. Fui de provençal. Arranquei e joguei as portas tomadas pelos cupins no lixo, mandei fazer prateleiras de fórmica e adaptei o armário para o ateliê. Ele seria o depósito de materiais de arte. Num primeiro momento agradou. Mas, com o passar do tempo, o branco provençal começou a manchar e escurecer.

Quando reformei meu ateliê, voltei a trabalhar no dito cujo armário da Vó Angelina. A ideia era ousar nas cores e usá-lo para acomodar o material de Scrapbooking.

O restante dos materiais seria armazenado nas prateleiras recém compradas na Leroy Merlin.

Por ora, a quarta mexida no armário foi a que mais me agradou.

Vida longa ao velho armário da vó Angelina. 

Incensando

a vida inspira a arte. a natureza também.

tempo de deixar a argila descansar, repousar e secar.

hora de repousar também.

iniciei a contagem regressiva para o fim do verão.

o limite me avizinha.

ando sonhando com o frescor das manhãs de outono.

sonhando com o cheiro de mato orvalhado.

incensando aromas de musgo, árvores e folhas.

oh outono!!!! cadê tu?

chegue logo. chegue.

Um trabalho inacabável

Não lembro quando iniciei esta manta feita de círculos de crochê. No mínimo, 4 anos. Entra ano, sai ano, e lá vou eu futricar na dita cuja. Que anda a passos de tartaruga.

Dias atrás, finalizei todas as rodelas com a borda preta. Próximo passo é costurar uma a uma até que a manta/colcha seja finalizada. Ou seja, a parte de crochê está pronta. Acho. 

Se bem que, pensando bem, como vai ser, quando todas as rodelinhas estiverem costuradas? A borda vai ficar toda ondulada!! Vou arrematar com crochê ou com franjas?

Tictac tictac tictac …

Vou lá: tem muuuuuuita rodelinha pra costurar.

Onde eu estava com a cabeça quando iniciei esta manta tão trabalhosa? Delirando, no mínimo.

Continuo delirando, pensando possibilidades … manta? Xale? Colcha? Roupa pra árvore? Pq não? Me embrenhei neste pântano e preciso encontrar alguma saída que me satisfaça.

Quando estiver 100% pronto o que eu for decidir fazer com todo este material, vou postar por aqui.

A única recomendação garantida: espere sentado ou deitado. Pq vai demorar.

Cerâmicas orgânicas

A produção 2021, absolutamente autodidata, foi presenteada em 2022. Filhos e amigos, penso eu, agradecem. 

Aos poucos, 2023 vai se mostrando. 

Mexe daqui, mexe dali, eis que encontro mais restolhos de argila. São restos e peças quebradas (não queimadas) que foram deixadas numa caixa e sumiram nos fundos da prateleira do ateliê. Quando as descobri, logo me animei. As últimas peças foram finalizadas em 2021, e no Natal de 2022, fizeram a alegria de filhos e amigos. Me desfiz de algumas peças próprias, com a certeza de que faria novas. 

E assim será.

Hoje me animei e fiz, nada mais nada menos, oito peças. Terracota, preta e porcelanato. Oito peças orgânicas, feitas enquanto as aulas de cerâmica não recomeçam. Adoro estas cerâmicas que nascem do improviso e do simples amassar do barro. Neste ano pretendo caprichar mais na parte final de todo o processo: tanto a esmaltação como a última queima ficarão aos cuidados da minha primeira professora, a ceramista Vânia Bueno, com quem pretendo retomar aulas quinzenais já na próxima semana. 

Novos tempos ou um novo lugar?

Desde que comecei a atender em Jurerê – Florianópolis/SC, tenho observado algumas mudanças significativas na forma como os atendimentos evoluem. Isso desde o primeiro paciente, entre 2016/17. Um ou outro se tornaram exceção.

Quando iniciei meus atendimentos presenciais, o maior desafio era criar uma clientela, ser conhecida e reconhecida. Não lembro mais quem foi meu primeiro paciente. Possivelmente porque ele veio apenas uma vez e nunca mais retornou nem o contato nem ao consultório. De lá para cá, com a chegada da COVID19 e o início dos atendimentos online, pouca coisa mudou.

Faz muito tempo que não trabalho mais com a ajuda de uma secretária. Bons tempos aqueles. Toda parte burocrática ficava com ela, enquanto eu apenas atendia e me preocupava com os conflitos e evolução dos meus pacientes. 

Hoje, desde o primeiro contato, tudo é combinado e acertado entre mim (a terapeuta) e o paciente: horários, valores, pagamentos, faltas, remarcação de horário, enfim, o dia a dia de um relacionamento profissional, onde o terapeuta planeja e organiza tudo o que acontece, ou não acontece, no consultório ou atendimento online. Com o passar dos anos, a experiência e a evolução tecnológica, tenho dado conta de atender a todas as demandas: minhas e dos meus pacientes. Assim penso eu.

Um dos motivos, possivelmente, tem a ver com a clientela reduzida, desde sempre. A questão não é marcar a primeira consulta. Pesquisas no Google batem recorde e contatos via Whatsapp, idem. A questão é o envolvimento e a permanência em atendimento por um longo período. Uma raridade.

Uma ou duas sessões. Um mês. E o paciente começa a desmarcar sessões até, finalmente, decidir que não precisa mais de atendimento. Ele se sente bem e seguirá em frente sozinho. Obrigada. Se precisar, volto a te procurar, ok?

Ok.

Todos os entendimentos psicanalíticos para o corte abrupto e a finalização do acompanhamento psicoterapêutico de forma tão precoce, num primeiro momento, abalaram minha confiança. Segui em frente, sempre analisando o que ocorria. 

Com o passar do tempo, e discutindo com colegas que atendem no mesmo bairro, percebi que elas sofriam do mesmo problema. A baixa adesão era uma característica local. Um ou outro permaneciam mais tempo: 6 meses, 1 ano. 2 anos. Meu recorde. A maioria era turista no consultório. Vinham como quem vinha por temporada. Ou seja, num balneário recheado de turistas e gente de fora que se apaixona por Floripa, em algum momento  desistem e vão embora. Abandonam casa, amigos, planos, empregos, sonhos e, a psicoterapia. Além desta categoria, outra muito comum é aquela de quem tem pressa e vem em busca de conselho, resultados e soluções imediatas. Senão, byby. Outros vem apagar o fogo, o incêndio de suas vidas. Sempre que a operação rescaldo falha, eles somem e voltam uma ou outra vez. Até sumirem de vista, definitivamente.

A ideia de continuidade e profundidade no atendimento psicoterápico, cada dia se distancia mais na realidade de hoje. 

Lembrei de um antigo livro de Zigmund Bauman – Amor Líquido (depois vieram o Sociedade Líquida, o Medo Líquido, e tantos outros Líquidos) e entendi que o processo que estamos vivendo, pouco tem a ver comigo ou com o formato da Psicoterapia. O que estamos vivendo é uma verdadeira e profunda revolução de costumes e valores, onde a profundidade das relações não combina com a superficialidade da sociedade fast food em que vivemos. 

A maioria das relações se tornaram líquidas, passageiras e superficiais. Inclusive a relação psicoterapêutica. Tudo precisa ser rápido e superficial. Tempo é dinheiro e relacionamentos são descartáveis. 

Como dizem, “A fila anda”.

Inclusive entre os psicoterapeutas. São poucos os pacientes que aguentam ouvir o que não querem, sem sumir a perder-se de vista (a realidade dói, machuca, assusta) em busca de outro veredicto, e assim, até chegar o dia em que as coisas são como são e ponto final. Vou constelar, seguir um guru, terapias alternativas, grupos de apoio do serviço público, etcetcetc.

Aquele trabalho árduo de associação livre, sonhos, sinais e insights talvez esteja irremediavelmente perdido no passado. 

Consola saber que existem alguns que ainda buscam o autoconhecimento e não soluções a jato. São raros, mas, habitam este Novo Mundo.

Como tudo nesta vida, para sobreviver é preciso se adaptar. E cada vez mais ouço sobre “pacotes de atendimento”. Tipo: leve 5 sessões pelo preço de quatro. A velha e boa Psicoterapia Breve (com mais ou menos 3 meses de duração e foco definido) precisa  se adequar num pacote promocional.

Tenho uma colega que trabalha assim. Dias atrás me disse que cobra antecipado por 5 sessões. É tempo suficiente pra quem quer de fato resolver suas questões.

OooooooKkkkkkkkkkk.

Será?