Perdi meu pai em agosto de 2009. Após 17 anos convivendo com o Mal de Parkinson, e nos últimos anos também com o Mal de Alzheimer, meu pai repousou aos 73 anos de vida. Sua morte foi um descanso e um alívio para todos. Não apenas para ele, mas para toda nossa família. Nos últimos 18 meses de vida, ele ficou acamado, 100% dependente dos cuidados da família e enfermeiros. Viveu um período com sonda nasal, urinária e com fralda. A maior parte dos dias ele não sabia quem era, onde estava e quem éramos nós. Por isso, sempre digo que fui perdendo meu pai aos poucos. Ao longo de 17 anos. A morte do corpo foi apenas a última etapa. O Parkinson foi tirando as manifestações e expressões voluntárias de afeto, o andar junto, o sorriso no momento oportuno, o olhar radiante e vibrante, os abraços fortes e as palavras sábias e interessadas. O Mal de Alzheimer foi tirando as lembranças, a fala, a memória, o reconhecimento de tudo. O resto que ainda existia. Todo este processo foi lento e doloroso. Havia os dias bons e os dias ruins. Os dias melhores e os dias piores. Até que sobraram apenas os dias e as noites. Quando os dias e as noites se confundiram decidimos que chegara a hora de colocarmos nosso pai numa casa de repouso. Não havia mais mãos, braços, colunas ou emoções para suportar o peso de sua doença. Esta foi uma decisão difícil, porém necessária. Muitas famílias ainda relutam frente a idéia de deixar seu familiar idoso aos cuidados de uma instituição geriátrica. Sabíamos que este dia chegaria, e por isso fomos nos preparando para quando chegasse a hora. O que determinaria o momento certo seria sua lucidez. Quando ele passou a maior parte dos dias delirando, chamando pelos mortos, dizendo que queria ir para casa e não nos reconhecendo mais, a hora havia chegado. No início foi doloroso, mas com o passar dos dias e semanas, entendemos que fizemos a coisa certa. Colocamos nosso pai querido num lugar escolhido à dedo, aos cuidados de gente competente e carinhosa. Meu pai estava cercado de pessoas, que assim como ele, haviam cumprido suas missões em vida e aguardavam a morte chegar. Era assim que eu via. Falar sobre a internação e sobre a doença sempre é difícil, mas são circunstâncias da vida. Resta-nos apenas fazer o que pensamos ser o melhor. Destas decisões e destas vivências não saímos ilesos. Além do sofrimento, da insegurança e da dor, aprendemos muitas coisas. Desde o cuidado com o enfermo, a paciência e o carinho renovados, o perdão, a aceitação até a resignação frente à velhice e a morte. Aos poucos entregamos nosso ente querido ao divino, ao desconhecido. Permitimos que ele parta, nos deixe e nos abandone. Nos resignamos e aceitamos este período moribundo, a ante-sala da morte. E cada um, do jeito que pode, presta suas últimas homenagens e solidariedade ao enfermo e sua família: vem acarinhar, ajudar, consolar, bisbilhotar. Vem ver a morte chegar. Acho que lido bem com a morte. Acredito que ela seja uma transição, uma passagem. Não sei para onde vamos, nem o que acontece depois. Respeito todas as religiões e suas crenças sobre vida depois da morte. Mas ainda não cheguei a uma conclusão ou posição definitiva. Sei apenas que rezo para meus avós e agora para meu pai falecido, como se fossem meus anjos da guarda, e peço a eles que me iluminem, me acompanhem, me ajudem sempre que necessário. E sei que posso contar com a ajuda celestial deles. Sinto-me acolhida e atendida em meus pedidos e lamentos. Por isso acredito que a morte não seja o fim, apenas uma passagem.
Acompanhando a deterioração, decadência e morte de meu pai, e sabendo do componente genético para as doenças que o destruíram, fui buscar orientação e conhecimento para ver o que fazer para não ter o triste fim que ele teve. Querendo ou não, é nisto que pensávamos ao vê-lo sendo aniquilado pelos genes perversos de família. Meu avô, pai do meu pai, também morreu deste jeito. Olhávamos e pensávamos silenciosamente: Quem de nós herdou o maldito gene? Fui buscar respostas para minhas apreensões. O que fazer para evitar que o Parkinson ou o Alzheimer me dominem e consumam minha vida? A primeira coisa é não pensar que vou ter o mesmo fim. Mesmo tendo herdado o gene maldito, isso não quer dizer que vou desenvolvê-lo. Muitas coisas erradas têm que acontecer para que esta “sina” (era assim que meu pai se referia a sua doença) se repita. Lendo o livro “Fique de bem com o seu cérebro” aprendi que podemos fazer muitas coisas para manter nossos cérebros ágeis e saudáveis durante toda a vida. E não são coisas caras ou difíceis de fazer: atividades físicas regulares, alimentação saudável, ter um hobbie, amigos ou um animal de estimação, vida social ativa, ler, jogar baralho, escrever, ir ao cinema e ao teatro, viajar, conhecer coisas, pessoas e lugares novos, aprender um novo idioma, um instrumento musical, etc., etc., etc. Ou seja, levar uma vida saudável, nos manter sempre ocupados e em constante processo de aprendizado são a melhor forma de prevenir – não apenas doenças como o Mal de Parkinson ou de Alzheimer – mas qualquer doença. Por isso, não sossego nunca!!!! Coitadinha da minha massa cinzenta. Está mais sarada que meu corpo. Resolvi reaprender a fazer tricô. Mas (sempre os mas), caso eu seja agraciada com a maldita doença, vou lutar bravamente. Vou fazer como Michael J. Fox. Em seu livro “Um otimista incorrigível” ele relata como tem levado a vida com a doença que manifestou os primeiros sinais aos 29 anos de idade. Mesmo com a doença ele teve mais três filhos, criou uma fundação, e luta com todas suas forças e sintomas para encontrar a cura para o Mal de Parkinson. Um exemplo de determinação.
Lajeado, 09 de março de 2010.
Um abraço, Suzete.