Às vésperas de fazer 40 anos, estava muito ocupada. Com o consultório, filhos, a casa, minha especialização, meu casamento. Costumava dizer que meus dias eram muito curtos. Faltavam horas nos meus dias e dias em minha semana! Sentia necessidade de produzir, render o máximo, ser eficiente e competente. Talvez uma característica feminina de provar capacidade, competência e autossuficiência. Numa sociedade cada vez mais gerida por mulheres – as chamadas famílias mono parentais – este padrão de exigência tem sido quase uma norma. E mesmo naquelas em que homem e mulher dividem o dia a dia familiar, este padrão é recorrente entre as mulheres. Ou seja, continuamos buscando aprovação e reconhecimento. Como estava entrando na década dos “enta” lembro-me de estar dividida entre fazer uma festa ou não. Aparentemente, nenhum conflito. E como estava ocupada demais, organizar uma festa não estava cabendo na minha agenda. Decidi não fazer, mas para não deixar a data passar em brancas nuvens, dei-me de presente um lindo par de brincos: Uma linda água marinha. Fiquei feliz com a decisão, e durante muito tempo, desfilei meu brinco de 40 anos. Mas começava a avaliar a necessidade de investir e melhorar o corpo, colocando ou não uma prótese mamária. O pouco tempo disponível e o medo do bisturi colocaram esta ideia no fundo do baú. Na verdade eu estava fazendo 40 anos e não sabia como fazer 40 anos! Estava apenas ludibriando a chegada da idade e o tempo com racionalizações e decisões bobas. Afinal, tem como esta data passar desapercebida? O que representa na vida de uma mulher fazer 40 anos? Algumas estão tão anestesiadas que nem sentem; outras estão tão ocupadas que não tem tempo pra sentir; outras dão graças a Deus que o tempo está passando e junto com ele os problemas; outras negam a idade e se comportam como se fossem adolescentes; outras vivem de forma tão perigosa e inconseqüente como se estivessem numa contagem regressiva. São tantas as formas de enfrentar a chegada da idade que decididamente prefiro não opinar. É assunto particular. Mas chega o momento em que todos estes subterfúgios falham e nos deparamos com os 30, 40, 50, 60, 70, 80. Basta um olhar um pouco mais atento, e – por mais caprichosas e vaidosas que somos, por mais cremes antirrugas que usamos, por mais caminhadas e horas de natação ou ginástica que fazemos, por mais descoladas e informadas quanto à moda e cortes de cabelo rejuvenecedores usamos – chega a hora em que percebemos a passagem do tempo. Muitas dizem que podem estar velhas de corpo, mas que a cabeça está mais jovem que nunca. É verdade, em parte. Porque ser jovem de corpo é diferente de ser jovem de espírito. A juventude do espírito depende do nosso querer, do nosso fazer. Depende apenas da nossa permissão para ousar, não ter medo ou vergonha de dizer e fazer o que quer. Ser jovem de corpo independe do nosso querer! É a lei da natureza. Nosso corpo, nossas células, nossos órgãos e sistemas orgânicos estão programados para funcionar de certa forma conforme o tempo de vida que tem. Assim como carro novo ou usado, ou máquina de lavar roupa: quanto mais tempo de uso, mais problemas aparecem. É triste a comparação, mas ela reflete como as coisas funcionam, o que inclui o nosso corpo, a máquina mais perfeita que existe. Aos 40, teoricamente na metade da jornada, temos o corpo com as marcas da vida que levamos. Cada ruga, marca de expressão, mancha, cicatriz, gordura ou magreza, cabelos brancos, hábitos e doenças sinalizam como vivemos. Podemos descontar desta matemática nossa genética e hereditariedade. Generosa ou cruel. Quando jovens, dispensamos poucos cuidados com o corpo e a mente. Somos jovens demais! Temos todo o tempo do mundo! Aos 40, mesmo com a mente jovem, o corpo sinaliza a passagem do tempo e nos sinaliza o futuro que ainda podemos/queremos ter, fazer e viver. Tem sido fácil enganar a idade, com plásticas cada vez mais seguras e resultados cada vez mais fantásticos, cremes milagrosos, personal trainer, musculação e exercícios físicos, vestuário rejuvenescedor, divórcios e recasamentos com parceiros jovens, medicamentos potentes…. A lista é extensa para a criatividade e necessidade humana na busca da eterna juventude, da negação da velhice e da morte. Mas, mesmo com todos estes recursos é inevitável a percepção do envelhecimento. Basta olhar no espelho. Basta olhar nossos filhos crescendo e vivendo sua própria vida. Basta olhar nossos pais cada vez mais dependentes de nós, mais desinvestidos de energia, saúde e reflexos. Olhando nossos filhos identificamos nossa juventude vivida e perdida no passado, enquanto nossos pais projetam nosso futuro. É amedrontador, real e verdadeiro. Ainda bem que dispomos dos tais recursos para “negacear” a chegada da idade. Não podemos nos enganar e não nos preparar para esta etapa da vida. Um dia perguntei à minha mãe se ela tinha medo da velhice. Ela tinha então 64 anos, uma saúde de ferro e disposição de menininha. Me disse que não. No ano seguinte, sua melhor amiga e também segunda mãe, desenvolveu o Mal de Alzheimer. Minha mãe acompanhou de perto a decadência e o desmantelamento daquela vida, como uma filha acompanha sua própria mãe. Ficou chocada e deprimida com a perda daquela pessoa tão querida. E então, pela primeira vez na vida, começou a temer a velhice e a morte. Através da amiga ela entrou em contato consigo mesma. Assim como todos faremos um dia. Felizmente minha mãe continua com saúde de ferro e disposição de menininha, mesmo com 70 anos! Mas sempre que olho para ela, vejo com alegria, que posso envelhecer bem. Serei minhas escolhas.
Los Canales, setembro de 2006.