Frases e Pessoas

Algumas frases e pessoas marcam profundamente. Não são frases de pessoas famosas, prêmios nobeis, estudiosos ou filósofos influentes. Não que não existam. Muito pelo contrário, existe uma infinidade de frases, pensamentos e ideias maravilhosas que servem de guias e alentos para a vida. Quando psicoterapeuta usava frases de impacto, metáforas e ditados populares em minhas intervenções. Elas ensinam e mostram verdades universais. Assim também, muitas pessoas servem de inspiração e modelo. Pessoas admiráveis pelos seus feitos, suas ideias, sua bravura, determinação, ousadia, seu jeito de ser. Pessoas famosas, inteligentes, bonitas. Mas são determinadas frases e pessoas comuns do meu dia-a-dia que de maneira intensa e constante me fazem pensar e repensar a vida que quero ter. Pessoas e frases que se gravaram a ferro e fogo em minha história e em minha memória. Servem – ainda hoje – de estrelas guias. Todos têm estas estrelas guias. Todos cruzaram com pessoas e frases marcantes. Talvez estejam perdidas na memória ou história. Mas estão lá. Estarei sendo injusta com várias pessoas que deixaram e continuam deixando suas marcas, mas existem certas experiências de vida, frases e pessoas que se mantêm presentes e atuais.

Quando menininha, entre 10/11 anos, morava numa pequena cidade do interior do RS onde tudo era calmo e tranquilo, assim como eu. Criei-me solta, brincando nos potreiros, nos chiqueiros e estábulos, nos porões e sótãos de casas velhas, nos matinhos, nas árvores, na rua. Brincávamos nos dias ensolarados e nas noites parcamente iluminadas. Os maiores perigos eram as cobras e o rio que banha minha cidade natal, e que era a maior tentação nos dias de calor insuportável. Muitas vezes desci suas corredeiras dentro de câmaras de pneu de caminhão, ou balançava nos cipós das árvores até cair nas águas profundas do “buraco” (lugar profundo do rio, onde não havia rochas, pedras ou galhos). Somente anos mais tarde meus pais souberam destas escapadas perigosas. Cresci numa casa antiga, com pé direito alto, com cisterna e porão enormes – construída pelo meu tataravô – junto com meus pais, irmão, avós, bisavós e uma tia-avó. Rodeada por gatos e horrorosos sapos. Tenho lembranças muito vívidas da minha infância, e sei que é nela que está a base para a personalidade que acabei desenvolvendo.

Maria, minha tia-avó foi uma das pessoas que me marcaram. Não pelo que fez, mas pelo que não fez e não foi. Lembro-me dela sentada na mesma cadeira, tamborilando os dedos vendo a vida passar pela porta da casa comercial que funcionava em nossa casa. Sempre com o mesmo tipo de vestido, com o mesmo coque, com o mesmo olhar. Não casou, não teve filhos, não lia, nunca a vi com amigas que não fossem as pessoas da casa, nunca viajou nem demonstrou interesse por nada. Soube que ela sentou naquela cadeira quando completou 56 anos, dizendo estar velha, sem nada mais a fazer. O que ela fez nesta vida foi ajudar a criar os filhos de suas irmãs. Ela nunca lutou para ter sua própria família. Nos últimos anos dos seus 84 anos, mal saía de dentro de casa. Sempre levo flores à sua sepultura e agradeço a lição de vida que ela me deu. Naquele tempo adorava passar minhas férias em Porto Alegre na casa de umas primas. Também elas adoravam passar suas férias no interior, assim como meu primo, agitado e cheio de tiques, iniciando-se na carreira de cabeleireiro, vinha nos visitar. Gostava muito dele, pois era especial. Usava roupas exóticas, corte de cabelo exclusivo, falava e caminhava de um jeito diferenciado, pouco se importando com a opinião dos outros.

Foi assim que o conheci, e assim como minha tia-avó, já morreu. Foi dele a frase que marcaria minha vida, em uma de suas visitas: “Como você é calma, mansa demais. Te mexe que o mundo é muito mais do que isto aqui.” Quando morreu, ele preferiu ser cremado e jogado no mar. Na época, algo totalmente incomum. Toda vez que vou à praia onde sei que ele quis repousar, agradeço suas palavras. Estas duas pessoas – uma pela forma como não viveu a vida, e a outra, pela forma como viveu e pelo que disse – imprimiram uma marca indefectível em meus momentos de escolhas: Vou ficar parada, sentada vendo a vida passar diante dos meus olhos, como minha tia-avó Maria? Ou vou me mexer, afinal o mundo e a vida são muito mais do que isto aqui?

Duas posturas distintas, diametralmente opostas. Minha tia-avó viveu 84 anos, meu primo 33. Viveram de formas totalmente diferentes. Um a pleno vapor, outro em câmara lenta com o freio de mão puxado. Procuro encontrar um equilíbrio entre estas duas formas de viver. Tem o tempo de correr. Tem o tempo de sentar e apreciar a vida. A dosagem precisa ser constantemente reavaliada. O equilíbrio entre estes opostos permite uma vida dinâmica e harmoniosa.

Recentemente, outra frase balançou com minhas estruturas.  Meu ano sabático mostrou que havia cometido erros e acertos. Estava naquele momento em que meu corpo já sinalizava o que queria, mas minha cabeça insistia em não atender seus desejos e decisões. Conversando com uma grande amiga – médica reconhecida nacional e internacionalmente, congressista requisitada em vários congressos – esta me falava da sua dificuldade em conciliar vida profissional e pessoal. A alegria estampada em seu rosto e em seus olhos brilhantes eram testemunhas de que também era vitoriosa nesta tarefa. Ao nos despedir ela me presenteou com uma pérola rara: “Esta é a vida que pedi a Deus”.

     Sua frase ecoa ainda hoje por todo meu ser. Qual a vida que eu pediria a Deus? Diariamente faço minhas escolhas e tomo minhas decisões pautadas nesta frase que passou a ser meu mantra. Afinal, existe coisa mais básica e coerente do que viver ou buscar a vida que se pediu a Deus?

                                                                    Lajeado, 2007 e 2009.

Um comentário sobre “Frases e Pessoas

  1. Fe

    Otimo texto mae!

    Tem uma frase que VOCE me disse ha alguns anos atras e que agora, quando comeco a flertear com a ideia da maternidade me lembro constantemente. “As emocoes mais intensas que voce ira sentir como ser humano, sejam boas ou ruins, serao relacionadas aos seus filhos.” Talvez nao foram extamente essas palavras usadas na epoca, mas esse e o sentido, e tenho certeza que ainda lembrarei muito disso num futuro proximo, afinal ao contrario da “velha Mari” quero muito viver a minha vida plenamente.

    Bj
    Fe

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