Gatos

Após anos e anos falando que gostaria de ter um gato – e sempre com um cachorro no pátio – eis que ganho de presente, do meu filho, um gato vira-lata preto e branco, com mais ou menos três meses de vida. O presente foi inesperado. Afinal, dizer que eu gostaria de ter e ter um gato, são coisas muito diferentes. Meu presente felino veio inclusive com manual do proprietário – Instruções e Conselhos para solução dos problemas e manutenção permanente, do Dr. David Brunner e Sam Stall. Como o presente foi surpresa, minha reação também foi. Depois de dois anos convivendo com um monstrinho chamado Aisha, que destruiu o jardim e qualquer tentativa de ficar sossegada nos fundos de casa, e ter – depois de muito relutar com a ideia – passado adiante o estorvo, que foi no que ela se transformou, a chegada de uma nova criatura de quatro patas em nossa casa, deixou-nos – todos – de cabelos em pé.

Sobre a Aisha. Passei ela adiante, sim! Podem dizer o que quiserem, mas na hora de optar entre o porcelanato claro ao redor da piscina, a grama esmeralda novinha em folha, ou ela – e sua lambeção, trilhas, buracos e montanhas de adubo ao redor da casa e o piso de pedra São Tomé encardido e permanentemente carimbado pelas patas sujas de barro – optei pela primeira opção. Quem fez a proposta indecente foi meu maridão, que não suportava vê-la ao meu redor, lambendo meus pés, e se metendo onde não devia. Ela está bem. Achei para ela uma família adotiva e um sítio enorme para ela explorar e dar seu toque animal.

Passado o primeiro impacto da novidade, a constatação de que o gato já estava educado e disciplinado nas questões de higiene. Alívio geral. Nos primeiros dias ele se comportou como um ET, se esgueirando pelos cantos e por detrás dos móveis, evitando qualquer contato.  A maior curtição era a “caça ao gato”, quando nos tornávamos uma equipe e encurralávamos o pobre coitado, “com cérebro de pitanga” e o dominávamos por algum tempo. Aos poucos ele entendeu a brincadeira e até hoje, quando ele está a fim, a festa está feita dentro de casa. Nosso recém chegado veio com manual, mas sem nome. Como era meu, a tarefa de batizá-lo também era minha. Sempre pensei em Paco, mas ele não tinha cara de Paco. Durante vários dias, cada um o chamava de um jeito: Negão (foi a primeira opção, mas não aprovou, afinal ele era branco também), Gato, Meu Gatinho.  Vieram sugestões como Frajola, Fígaro e Félix. Meu gato vira-lata não combinava com desenhos animados de Walt Dysney, até que vi, do meu lado, um carro chamado Logan, e Eureca, era o nome que eu procurava. A associação com o personagem Volverine, de Xman foi imediata. As unhas em prontidão são a defesa da criaturinha quando todos querem pegá-lo, mas ele prefere ficar quieto no canto dele. Limpo, brincalhão, carinhoso, atencioso. Ele é também o exterminador de insetos de nossa casa. Ai das baratas, formigas, grilos, moscas, percevejos que cruzam com ele! Ele é eficiente e determinado nesta tarefa, em que mistura comida e brincadeira. Ele adora brincar com sua caça, e é quando ele nos parece perverso e animal. Passados dois meses ele já se tornou o queridinho da casa, mas como todo gato que se preza, ele tem uma personalidade forte. Quando ele não quer colo ou brincadeira, ele se faz entender rapidamente. Seu vocabulário é muito divertido e variável, em tom e volume, além das unhas e dos dentinhos pontiagudos que ele não poupa em usar para deixar sua marca e vontade. Mas somos mais rápidos e maiores, por isso ainda levamos vantagem sobre ele. Adoro vê-lo espreguiçar-se adotando posturas míticas, de alongamento de academia, que procuro imitar. Durante o dia, ele passeia pelo gramado novo da casa, saltitante e pipocante pelo tapete verde. Ele ainda respeita a cerca da casa, e fica sentadinho observando tudo o que acontece do lado de fora do gradil. De vez em quando ele recebe a visita de um gato cor de laranja, que apelidamos de Ferrugem, mas que poderia ser Garfield. É com ele que Logan está aprendendo a sinfonia dos gatos, o horror das madrugadas.  Sempre ralhamos com ele, pois ainda é muito novinho para participar deste tipo de celebração gatuna. E o Ferrugem não tem cara nem jeito de ser o melhor professor para ele. Sai sempre em disparada quando buscamos nosso queridinho para a segurança da casa e da família. Sinal suspeito de más intenções! Sempre que pensava no gato que queria ter, imaginava um gato como nos meus tempos de menina. Leve, livre e solto. Queria que ele pudesse conhecer e passear pela vizinhança e voltar sempre que sentisse vontade. Mas consultando o manual do proprietário, cheguei à conclusão de que esta decisão pode diminuir a expectativa de vida do meu bichano. Gatos criados dentro de casa – os castrados – podem viver até 20 anos, enquanto que os gatos criados soltos, fora de casa, – os não castrados – têm expectativa de vida muito menor, em torno de 10 anos.  Estão mais expostos aos perigos. Acho que vou apelar e ser egoísta. Só quem tem, sabe a dor que é perder um animal de estimação, e por querer bem demais ao nosso bichano, todos concordamos que vale a crueldade. Alguma associação com homens solteiros e casados? Muitos homens casados reclamam que suas esposas os podam, castram e limitam seu espaço e suas escolhas. Sentem-se com a corda no pescoço quando “são decididos” a casar. Mas todas as pesquisas mostram que homem casado vive mais e melhor. Assim como gatos de quatro patas livres, leves e soltos correm maiores riscos e vivem menos, também os gatos de duas patas, livres, leves e soltos, parecem ir pelo mesmo caminho. Nem todas as mulheres gostam de gatos de quatro patas como eu, mas a maioria gosta de gatos de duas patas, em casa. Mas sem nenhuma crueldade.

                                                                         Lajeado, fevereiro de 2010.

 PS: Meu Lolinho desapareceu 11 meses após ter escrito esta crônica e ter sido castrado. Acredito que foram as más companhias.

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