Sempre gostei de ficar sozinha, de momentos a sós comigo mesma. Sem pai, sem mãe, sem filhos, sem amigos, sem marido ou namorado. Egoisticamente só. Solamente sola. Muitos não entendem este gosto pelo ensimesmamento, pela solidão. Lendo, vendo televisão, olhando revistas, jogando jogos de computador, cozinhando, arrumando armários, gavetas ou no jardim podando plantas, caminhando pelo bairro, perambulando pela casa. Sozinha sem conversar e em silêncio. Até mesmo o som do rádio ou da música tornam-se invasivos. Por mais que entenda e respeite esta necessidade, muitas vezes pensei nesta estranheza. Talvez fosse da minha natureza introvertida, da minha timidez. Talvez uma fuga da minha atividade diária de estar sempre com e de ouvir muitas pessoas. Lendo o excelente livro da analista junguiana Clarissa Pinkola Estes “Mulheres que correm com lobos” encontrei um sentido ancestral, selvagem e muito natural para esta necessidade. Aliás, uma explicação muito sensata e coerente com a qual me identifiquei plenamente. Segundo ela, a palavra “alone” (só em inglês) antigamente era escrita em duas palavras “all one”, ou seja, estar inteiramente em si, em sua unidade. Este seria o objetivo da solidão: estar inteiramente em si. Diferentemente do que muitos pensam, a solidão voluntária não é ausência de energia ou de ação. Estar só é uma forma preventiva e paliativa que ajuda a curar a fadiga e previne o cansaço. Além de permitir ouvir nossas necessidades interiores, buscando orientação e conselhos dentro de nós mesmas, coisas que dificilmente conseguimos em meio a tantos estímulos, responsabilidades, atividades, compromissos e burburinhos do nosso dia-a-dia. A partir de então, consegui entender porque quando caminho costumo falar comigo mesma. Possivelmente quem vê, imagina que eu não deva bater bem. Afinal caminhar sozinha, falar e gesticular para ninguém parecem coisa de maluco. Sempre volto das minhas caminhadas mais leve, mais tranquila, mais energizada deixando pelo caminho a raiva, os problemas, dúvidas, mágoas e ressentimentos. Volto com planos, projetos e soluções. É isso que importa. E não é só na caminhada que encontro tudo isto, mas em muitos momentos a sós comigo mesma. Esta é uma sabedoria instintiva, intuitiva e ancestral. Nasce conosco. Não se aprende em universidade ou curso. Está dentro de nós. Mas, como vivemos numa sociedade globalizada e muito dinâmica, nos convenceram de que este saber não serve mais, está ultrapassado. Aprendemos que solidão é doença, que ser calma e tranqüila é obsoleto e antiquado. Que devemos ser dinâmicas, antenadas e fazer 10 coisas ao mesmo tempo. Sinônimo de mulher moderna. Aprendemos a desconfiar da nossa intuição feminina e dos nossos instintos. Afinal, que cientificidade existe em algo que não pode ser medido nem comprovado? E assim muitas de nós esqueceram este saber feminino. Aos 40 anos aprendi a duras penas a dar valor e a respeitar coisas da época da minha avó, além dos seus móveis (que eu adoro), dos chás, do fogão a lenha e do livro de receitas!!! A calma e a tranquilidade – o estar “zen” como costumamos dizer – está sempre na ordem do dia em todas as revistas femininas e em livros de autoajuda, mas sempre aparece como um oásis. Um estado de graça, distante e difícil de ser conquistado. No entanto, este estado de graça está permanentemente em nós. Só precisamos de mais tempo. Precisamos nos permitir a solidão, o silêncio e o contato com nós mesmas. Precisamos aprender a dizer não ao que nos cerca, dizer sim a nós mesmas. Sem culpa. Sem dúvidas e incertezas. Precisamos nos deixar vir à tona.
Los Canales, setembro de 2006.