Ansiedade não tem idade

Semana de apresentação de texto na oficina literária. Depois de ser tripudiada com “Lola”, passo uma semana tensa. Na quarta à noite coloco um ponto final na minha agitação. Encaminho o texto “Júlia” pra apreciação – via email –, imprimo minha cópia e de manhã cedinho, faço 15 xerox. A tarde passou como brisa. Na sexta acordo cedo e me preparo para o fogo cruzado: unhas vermelhas, cabelo escovado, roupa e calçado adequados: um scarpin de bico fino e salto alto. Frente ao temido, a segurança de uma bela armadura. Só esqueci um detalhe: vou de ônibus e metrô. Saio do apartamento, caminho as duas quadras até a parada, sentindo a panturrilha arder e uma microcâimbra no pé esquerdo (minha massagista diria que é o lado do coração, das emoções, e sim, minha base está sofrendo). Entro no primeiro ônibus. Sento. Me distraio. A morena apresenta “essa tranqueira” para alguém do fundo. No banco invertido, a cinco metros, vejo uma asiática mirando o pequeno espelho e retocando a sombra dos olhos, com o ônibus em movimento. Do outro lado, o rapaz de boca bonita, olhos grandes e olheiras maiores ainda, está atento ao trânsito lá fora. À minha volta, uma multidão de celulares e smartfones, mensagens e alôs. O ônibus continua andando e vejo, agoniada, a asiática passando rímel nos olhos. Lembro da tortura dos 7 cm de salto. Outra moça olha pra mim e vai descer na próxima parada. Retiro meus brincos e guardo-os disfarçadamente na bolsa. A asiática-nissei-sansei-nãosei terminou a  maquiagem e guardou rímel, batom, sombra e pó na necessárie. Em seu lugar surge “Cinquenta tons de cinza”. Agora entendi a maquiagem! Passo pela Rua Suzano, lembro da facada do Olegário: um salário mínimo e meio por quatro horas de salão. Lá fora o dia está ensolarado e ameno. Os carros e as motos deslizam. Nem parece sexta-feira em São Paulo. O trânsito está escorregadio. Desse jeito vou ser a primeira a chegar. Três passageiros já se alternaram no assento a meu lado. Localizo o prédio da Nove de Julho revestido com mosaico de tijolos. Entramos no túnel. Não consigo abrir a janela e está o calor do Saara dentro do ônibus. 9:10h. Vou ser a primeira a chegar. Só se torcer o pé com meu maldito lindo scarpin. Avisto a parada final em frente. Cinquenta tons de cinza continua concentrada e lindamente maquiada. Desço do ônibus e pego o metrô. No trajeto entre os dois, uso as escadas rolantes e me abstenho de fazer meu step semanal. Meu scarpin de 7 cm. Reparo nos pés que vem e vão em busca de outras desmioladas de salto alto. Localizo um salto roxo mais alto que o meu. Mais desmiolada que eu. 9:20h e ainda não inverteram as escadas rolantes. Todas sobem e tenho de mergulhar na estação, descendo lances de escadas. Toc toc toc toc. Na vinda, é Palmeiras-verde-liberdade. Na volta, é Corinthians-preto-morte. Associações me ajudam a não inverter as direções. Elas seguem minhas emoções. Chego junto com o trem. Espero a tropa sair e entro. Primeiro trem, primeiro vagão. Vagão de deficiente. Uma deficiente literária. Desce comigo um cego. Mais lento e acompanhado. Um dia poderia ser voluntária e ajudar cegos nas plataformas do metrô. Ele cutuca meus pés com sua bengala. Deixo que passe e siga. À minha volta, olhos me observam. Coloco meu óculos Jaqueline Onassis e saio em frente ao Terraço Itália. Deslizo flutuante com meu scrapin como um cisne indo pro abate. Cisnes vão pro abate? Acho que exagerei na armadura. Sinto-me observada. Paranóica. “Vigésimo sétimo andar?” A ascensorista só pode ter deduzido pra onde vou. Será que ela lembra de mim? Das outras sextas-feiras? Ou minha expressão indica meu destino final? Sou a primeira a chegar. Chegam outros, o entorno da mesa se completa e, já que comer o jiló é inevitável, me prontifico. Melhor acabar logo com ele e distribuo os 15 xerox. Alguém lê. Faço anotações ….jogar os clichês no lixo….. a pobreza literária está na boca do personagem …o narrador precisa sair do lugar comum … aumentar os pejorativos: preguiçosa, relaxada, perua, interesseira … aspas sujam graficamente … Minha colega dá um chilique. Um texto pedante? … narrador onisciente … discurso indireto livre … pule duas linhas quando mudar o focalizador, é um truque que dá certo. Entendeu? Tomo café, água, barrinha de cereal. Meu colega teve insônia. Os livros da Editora 34 chegam na próxima semana. Hora de fazer o caminho de volta. Metrô e ônibus. Não observo nada. A serenidade é branca e silenciosa. O jiló não foi tão amargo. Meus pés saem do transe e doem. Ansiedade não tem idade. Depois passa e dá a maior canseira. Me jogo no sofá e durmo. 15:00h.

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