De várias coisas tenho sentido falta neste momento de minha vida. Num período muito curto tenho procurado me adaptar à parada temporária de minha atividade profissional, a adaptação a uma nova cultura, nova casa, novos móveis, novo idioma, o distanciamento de filhos e demais familiares. É uma lista enorme de mudanças que viraram minha vida e minha rotina de pernas para o ar. Estou sobrevivente, e procuro me adaptar a esta nova fase, ou seria melhor dizer, a este novo papel. Mas o que tem me deixado um tanto aborrecida, tem sido a hora do almoço. Após uma vida acompanhada neste momento do dia, primeiro na casa de minha família com pai, mãe, irmão, avô, avó, bisavô e tia-avó, sempre com comidinhas caseiras feitas com todo o amor e dengo de avó; depois, recém casada, às voltas com panelas, receitas e falta total de experiência na cozinha, mas com todo amor e colaboração do maridinho; passei para os memoráveis almoços com filhos que brincavam com a comida, não gostavam de cebola, alho, verduras, feijão e de mais uma lista enorme de não gosto, aviõezinhos, sermões e chantagens. Evoluí para o papo-cabeça adolescente, das notas boas e das explicações para as notas não tão boas, insinuações quanto a namoros e baladas, agora já acompanhadas com a comida gloriosa de minha assistente doméstica. De repente os filhos saíram de casa, cada um no seu tempo e sobramos apenas eu e minha fiel escudeira. O primeiro golpe foi nas compras de supermercado, quando a melhor parte (mas não tão saudável) foi cortada. Ou seja, tudo que os adolescentes e jovens adultos magros podem comer sem moderação: guloseimas, biscoitos recheados, salgadinhos, chocolates, sucrilhos, danones, etc, foram banidos a favor da balança e de um corpo mais esguio e mais saudável. As quantidades também foram reduzidas, bem como as receitas adaptadas às novas moradoras da casa. Isso sem mencionar a falta do que oferecer quando surgem visitas inesperadas. Nestas semanas já experimentei diferentes modalidades: comida requentada do jantar, comidas rápidas para uma só pessoa, ou então um lanche substancial. Todos com suas vantagens e desvantagens: comida requentada no almoço sugere jantar fresquinho, noite mal dormida e calorias além do esperado; fazer comida para apenas uma pessoa requer panelas pequenas, pratos únicos, saladas, grelhados, muita sujeira na cozinha para pouca comida, acaba ficando sem graça; lanches no almoço levam o corpo a pedir comida o resto do dia, o que leva a muitos lanchinhos e a um enorme jantar. Dia após dia tenho experimentado diferentes maneiras para almoçar. Passei a invejar minha mãe e minha sogra que já fazem isso há anos e não parecem se importar, ou é assim que penso. Aliás, pessoas ao redor do planeta fazem isso sem maiores problemas. Fui me dando conta de que talvez seja na hora do almoço o melhor momento (ou o pior) do dia para perceber meu “ninho vazio”, as mudanças da rotina e da vida, do novo. Aos poucos, tenho almoçado com a televisão, com livros e revistas ao meu lado, com o computador, com as palavras cruzadas em espanhol, com os pensamentos divagando por sobre a vista fantástica da minha varanda. Percebo que o problema não é a comida: é a companhia. É da vida em movimento que desfilava durante as refeições, e que agora está por minha conta. Este tem sido meu desafio diário. Entrar num acordo entre a fome do corpo e a fome do coração. O problema é aplacar a fome do coração com a comida do corpo. Percebo cada vez mais, pessoas sozinhas. Comendo sozinhas. E cada um encontra a melhor forma para isso. Aos poucos começo a me familiarizar com meus novos companheiros de almoço( TV, livros, micro, som, etc.). Quanto ao jantar? Volta pro começo. Jantar à luz de velas, vinho, música romântica, muita conversa com o maridinho 100% meu (sem filhos, sem empregada, sem mãe, sem sogra, sem preocupação, sem….) A vida não é absurdamente bela?!!!!
Los Canales, setembro de 2006.