
O passeio, assim de última hora, foi descoberto aos poucos. Depois do vinho, da paca assada no forno, do churrasco de picanha, a noite se estendeu e comeu parte da manhã, na casa de amigos, em São José dos Campos. “Campos do Jordão é muito longe e já está muito tarde pra viajar.” Ok. Já são dez horas da manhã de domingo. Pra onde vamos então? Muitas ideias, roteiros e cidades vizinhas. “Vamos pra Lobato”. Sugere nosso amigo. Onde fica? “Aqui pertinho”. O que tem lá? “É uma cidade histórica, de serra.” Nenhuma grande explicação. Então vamos. De moto. A placa sinalizando o nome da rodovia deu a primeira pista. “Rodovia SP 050 Monteiro Lobato. Será que Lobato é a cidade de Monteiro Lobato?” Pergunto ao meu marido pelo intercomunicador de capacetes. Pode ser, me responde ele, deliciando-se com as curvas sinuosas da rodovia e o ar refrescante dos túneis verdes das taquareiras. Depois de 27 Km – tombando de um lado a outro – entramos na pequena cidade.
Na primeira curva, uma placa sinalizando o caminho para o Sítio do Pica Pau Amarelo. “Sim, aqui é a cidade de Monteiro Lobato”. A placa confirma minhas suspeitas. Logo adiante, lojinhas de artesanato com simplórias Emílias e o busto em bronze de Monteiro Lobato, sacramenta a certeza.
“Que maravilha, vamos conhecer o Sítio?” Fomos. Oito quilômetros afastado da pacata Monteiro Lobato, no meio de um grotão, surge o casarão antigo engolido por mangueiras, goiabeiras, acerolas, figos, laranjeiras, uma infinidade de frutíferas, alguns lagos artificiais, galos, galinhas, patos, patinhos, gansos, bois, vacas, bezerros, cabritos.
Somos recebidos por um rapaz humilde que nos dá as boas vindas e nos comunica que o sítio é propriedade particular e o custo para a visitação é de cinco reais por pessoa. Pede para seguirmos até a entrada principal, e lá encontramos a senhora pata e seus treze patinhos. Nenhum sinal de Dona Benta, Narizinho ou Pedrinho.
Uma das salas.
A sensação é única. O lugar, comum. Lembrei de Ernest Hemingway e tantos outros escritores que buscaram lugares e experiências luminosas e fulgurosas para se inspirar. Nada ainda de Emília, Cuca ou Visconde de Sabugoza. O sítio se mostra por inteiro com o verde, os grasnados, os cheiros.
Monteiro Lobato herdou a casa de seu avô, o Visconde de Tremembé. Nasceu lá, se mudou para Taubaté, e voltou, já adulto, com dois filhos e passou 6 anos por lá. Teve mais dois filhos e escreveu o Sítio do Pica Pau Amarelo, entre outras obras. Cadê o Boitatá e a Mula sem Cabeça?
A simplicidade do lugar e das pessoas que ainda lá transitam não dá a dimensão do artista. A casa, infelizmente, preserva poucos móveis da época de Monteiro Lobato. Hoje, a proprietária mantém o lugar e um programa de atividades literárias, por amor à vida e obra do autor. Contato: marialucia.picapauamarelo@gmail.com e http://www.overdadeirositiodopicapau.com.br
Tia Nastácia e Tio Barnabé devem estar brincando de esconde-esconde debaixo de tantas camas e mesas.
Acabo encontrando-os nos livros que descubro numa estante, no lugar onde – segundo nosso guia – Monteiro Lobato escrevinhava suas histórias.
Linhas e cores descrevem aquilo que minha imaginação busca. Enxergo ali, o tempo todo, um lugar. Também nasci e cresci assim, em meio à natureza.
O artista e sua obra se revelam na natureza caipira e exuberante que circunda o sítio, mas nem sinal do Lobisomem, do Saci e do Curupira. Mais adiante, descobrimos a cascata, musa do Reino das Águas Claras.
Saio de lá feliz pois carrego comigo a grandeza do lugar que inspirou o artista e sua obra.