Conheci a Venezuela do presidente Hugo Chavez, em 2006, quando vivi alguns meses, em Los Canales. Na época, alguns amigos diziam que o país era uma Ferrari dirigida por um bêbado. A opinião deles continua a mesma. O texto abaixo, dados e informações, são daquele período.
Com certeza conheci pouco deste país tropical, jovem e de poucos modos, com área de 912.050km² e 25,7 milhões de habitantes que fala um espanhol ligeiro. O bolívar é a moeda corrente e equivale a um milésimo do real brasileiro. Sua maior riqueza mineral: o petróleo. Vi muita pobreza, lixo, bagunça, criança pequena, desorganização e barulho. Um povo prestativo, alegre, barulhento e folgado (como eles mesmos dizem). Conheci algumas praias, como Lecheria, Aperito, Colorado, Los Canales, Rio Chico, Puerto Francês, Coralitos, Higuerote, Isla Margarita, Los Roques. Muita salsa, merengue e reguetón. Muita pirataria e comércio informal: vendedores ambulantes vendem desde óculos de sol até o famoso afrodisíaco “rompe colchón”, uma conserva de frutos do mar. Muita “farofada” e lixo nas praias. Muitas “bucetas” (ônibus) trazendo gente de todo o país para um fim de semana na praia, programa social de Hugo Chavez. Pão e circo à moda venezuelana!!! As mais exuberantes e intocadas ficam em Los Roques, um pequeno atol a 30 minutos de avião. Mar azul caribe ideal para mergulho. Privilégio de poucos!!! O paraíso! Isla Margarita é a praia mais famosa, e só isso. Decaiu como toda a Venezuela. Os carros são um capítulo à parte. Existem carros bons, de todas as marcas, modelos e anos. Mas os que roubam a cena não são os mais possantes, modernos ou bonitos. São aqueles, que apesar das condições, ainda conseguem rodar: vi carro rodando sem porta, sem para-brisa, com tamanhos de rodas diferentes, carros 50% (ou mais) podres, com cadeado fechando as portas, janelas ou porta-malas, usando peças de carros diferentes. Vi o que se pode imaginar (e até o inimaginável) de carroças motorizadas, andando livremente pelas “carreteras” (rodovias) esburacadas do país. Os táxis funcionam de forma “distinta”. Em Caracas, se paga pela corrida, já que os carros não dispõem de taxímetro. O preço deve ser previamente combinado, para não se correr o risco de pagar por aquilo que o taxista pensa que você é. Em Los Canales, o serviço de táxi lembra mais o de um micro-ônibus, já que ele vai recolhendo as pessoas durante o trajeto. Os pratos típicos da Venezuela são a arepa, os tostones, o chicharón, a cachapa, o pabellón, a hallaca. Tudo servido com salsa (molho) e outros acompanhamentos, de preferência picantes. A comida típica tem como base a farinha de milho, herança cultural dos índios da região. A Solera é a cerveja mais consumida no país, custando o equivalente a R$ 0,50 e encontrada em garrafas de vidro de 220ml e vendida em qualquer esquina e boteco, atirada nas praias e margens das estradas. Homens e mulheres, de todas as idades, bebem sem culpa e sem moderação. Crianças brincam com as famosas garrafinhas verdes ou azuis, usando-as como base para as goleiras da “pelada”, enfiadas de ponta cabeça na areia da praia. Pela quantidade de “licorerias” existentes em qualquer grotão do país, diria que é um país que consome muito álcool. Segundo as más línguas é o maior consumidor de wisky de toda América do Sul, apesar do calor. Bebe-se muito rum também. É o país do combustível mais barato que conheci. Para se ter uma ideia, paguei por uma colher de pau quase o equivalente a um tanque de 50 litros de gasolina. Ou seja, a colher de pau custou Bs. 5.000,00 enquanto que cada tanque do nosso Terius custava Bs. 4.000,00. Algo como R$ 4,00 o tanque. Guarda-se as moedas para abastecer o tanque do carro! O pedágio também é irrisório. O mais caro que pagamos foi de Bs. 300,00, ou R$ 0,30. O mais barato foi de Bs. 50,00, ou seja, R$ 0,05. Isto quando não é dado de “regalo”. Perfeitamente compreensível. O comprovante deve custar mais que o próprio pedágio. O preço dos estacionamentos, quando cobrado, também assusta: Bs. 300,00, ou, R$ 0,30. Mas o preço do estacionamento do aeroporto é exceção, e segue o padrão internacional. Caro. De modo geral, tudo que é derivado de petróleo é quase de graça. Energia elétrica também é barata. Serviços públicos são baratos. O que é caro é a comida. O dobro do Brasil, na média. Encontram-se todos os gêneros alimentícios que nós brasileiros conhecemos – são marcas brasileiras conhecidas (exceção para os produtos regionais, que quando encontrados custam até 10 vezes mais, como é o caso da erva mate para o chimarrão gaúcho). Soube por minha “maestra” (professora de espanhol) que quando alguém tenta o suicídio e não morre, vai para a cadeia. Entende-se o suicídio como um atentado à vida, e por isso é punido. E sobra muita incomodação para os familiares, quando a pessoa é eficiente e consegue morrer. Quando acontece algum acidente automobilístico, e dá sangue, independentemente de quem seja o culpado, alguém vai preso, até que seja esclarecido o fato. Nas minhas andanças pelo país vi poucos acidentes, apesar do estado lastimável das estradas e da frota de carros, da sinalização de trânsito precária e insistentemente desrespeitada. Aliás, o jeito venezuelano de dirigir é “algo”! Não sei como eles se entendem, mas eles se entendem, e não é pela sinalização. É o país da “cola”, ou seja, dos congestionamentos. A explicação é a falta de infraestrutura viária. A religião oficial é a católica, e assim como no Brasil, outras religiões começam a abocanhar seu quinhão. O índice de infidelidade e de divórcios é alto na Venezuela, e segundo minha maestra, homens e mulheres venezuelanos não gostam do casamento oficial. Gostam de juntar os trapos e se não dá certo, tentam outro relacionamento. Assim como no Brasil, as leis que regem o casamento e o divórcio são pesadas. Só casam os que tem realmente certeza da escolha, principalmente após anos de vida em comum ou para legalizar a situação, por causa dos filhos. Os bancos têm horário de funcionamento bastante variável, conforme localização, podendo abrir aos sábados e domingos, das 8:00h às 20:00h. São comuns os feriados bancários em plena segunda-feira. O presidente Hugo Chaves instituiu um curso de medicina com duração de apenas dois anos, inspirado no modelo adotado por Fidel Castro, em Cuba, o que levou muitos profissionais da área buscarem alternativas fora da Venezuela. Nas tardes de domingo, o presidente conduz o programa de televisão “Alô Presidente” – um mix de horário político e programa de auditório, com duração de 5 a 8 horas. Em seu território, muito mais famoso por suas praias, encontram-se diferentes paisagens, com distâncias muito menores que no Brasil. Pode-se conhecer além de praia, a Cordilheira dos Andes, onde se encontra neve eterna; o cerrado – que atravessa o país de ocidente (oeste) a oriente (leste) – está bem representado pela Gran Sabana; o pantanal pode ser visitado nos Lhanos; os arquipélagos, em Los Roques. Um país rico também em belezas naturais. De forma geral a Venezuela é muito parecida com o interior do norte e nordeste brasileiros. São cada vez mais comuns os “barrios”, favelas venezuelanas que bem poderiam ser brasileiras, tamanha a semelhança. Caracas está rodeada por vários “barrios.” A violência tem se acentuado, principalmente em Caracas, onde fui desestimulada pelos próprios caraquenhos e orientada a não visitar o centro histórico, nem os poucos museus existentes na cidade. As atrações turísticas de Caracas incluem os centros comerciais e os shoppings centers. Segundo eles, o Shopping Sanbil é o maior da América Latina. Não sei se pelo tamanho ou pela distribuição das lojas e corredores, mas é fácil se perder lá dentro. Pela quantidade de “peluquerias” (salões de beleza) diria que é um povo vaidoso. Só no Shopping Sanbil, são em média cinco peluquerias por andar. Apesar das constantes intrigas do presidente Hugo Chaves com os USA, a cultura venezuelana é fortemente influenciada pela cultura americana. Poderia dizer que a cultura venezuelana é americana. É possível e comum encontrar gêneros alimentícios, carros, eletrônicos e eletrodomésticos de qualquer região do planeta. Cerca de 85% de tudo que é consumido no país é importado. Com o salário mínimo de cerca de US$ 300 o poder de compra do povo venezuelano é relativamente baixo e a pirataria rola solta. Nunca havia visto tantos CDs, livros e roupas de grifes famosas e piratas, sendo livremente comercializadas na Sabana Grande, no centro de Caracas. Para se ter uma idéia, cada CD é vendido por Bs. 2.000,00, ou R$ 2,00. O valor do CD original varia de Bs. 30.000,00 a Bs. 40.000,00, ou R$ 30,00 a R$ 40,00. Compra-se vinte CDs piratas pelo preço de um original. Os sindicatos do país são bastante ativos e apelam para a violência, quando julgam pertinente. A corrupção, por incrível que pareça, é maior lá do que no Brasil. Afinal, o montante arrecadado pelo petróleo, cujo valor de mercado é variável, é resultante da extração diária de 2,5 milhões de barris. Além do petróleo, o cacau é referência mundial em qualidade. A conscientização ecológica praticamente inexiste, assim como a noção de tempo. Pode-se ficar esperando horas por uma reunião agendada, que pode nem acontecer, mesmo sem ser desmarcada. O venezuelano adora uma fila. Parece não se importar em perder tempo esperando e podem ser bem tolerantes se você furar a fila, na maior cara de pau. Como em todo mundo, o uso do celular é amplamente difundido em todas as classes sociais. E por incrível que pareça, a captação do sinal é muito boa na maior parte do país. No país das misses, os homens adoram uma paquera. Diria que é a marca cultural do homem venezuelano. Durante minhas caminhadas diárias, além de alongar e exercitar o corpo aproveitava para massagear o ego. Apesar de ousados, nunca foram inconvenientes, muito menos perigosos. Los Canales,novembro de 2006.
De uma maneira geral adorei o período em que vivi na Venezuela. Imagino que o texto continue atual, pior até, pelos comentários de amigos que ainda vivem por lá. Gostaria de ter ficado mais tempo para conviver mais com o povo venezuelano, conhecer seu dia-a-dia, hábitos e costumes. Gostei do que vi e vivi na Venezuela Saudita.