Que foi que eu fiz?

desenho Nina 4

Está tudo muito confuso na minha cabecinha. Quis aproveitar a janela aberta e respirar o ar puro e o sossego da noite, dar minha passeadinha diária e voltar antes que alguém reparasse minha ausência. Gosto de estar em casa quando a turma chega. Sempre ganho um colinho, um carinho na cabeça, palavras que não entendo mas entendo de algum jeito e que me fazem um bem danado, fico feliz e vou junto pro quarto. Pulo na cama e me acomodo. Espero que cheguem, se enrosquem e durmam. Durmo junto. Mas, como na frente da casa onde estou tem muito carro indo e vindo, alguns mais apressados que outros, prefiro passar o dia em casa dormindo, me espreguiçando, grunhindo com os outros gatos que vivem comigo, fazendo e dando chamego. De noite, tudo é mais calmo e como felina que sou, se encontrar alguma fresta ou réstia de abertura, eu saio. Mas não vou longe. Tenho meus medos e minhas cautelas.  Pra quem não sabe, sou um animal de hábitos noturnos. Gosto da noite apenas porque sou o que sou. Não andei muito, acho. Tem coisas que são diferentes para gatos, cachorros e gente. Igual é que somos todos curiosos e, não sei bem como, nem onde aconteceu. Mas algo aconteceu. Comi uma coisinha perdida – ou jogada – não sei, só sei que coloquei na boca e engoli e a coisa toda começou. Corri pra casa. Ou melhor, me arrastei pra casa. Quis encontrar ou esperar a turma na cama, mas não consegui subir aqueles míseros degraus, que todos os dias eu subia e descia incontáveis vezes. Sempre tinha alguém com quem eu queria estar e, ou estavam lá em cima, ou, lá embaixo. Então subir e descer aqueles degraus era mamão com açúcar. Uma moleza! Mas uma dor lancinante, um enjoo, um mal estar não me deixou subir mais que três ou quatro degraus. Senti que minhas pernas – sempre tão ágeis e fortes – não aguentavam mais meu peso. “Três quilos! Ela é grandinha pra idade dela” foi o que disse a médica da última vez em que estive com ela. Desabei no piso frio do degrau e comecei a vomitar. Meu corpo começou a tremer. Ele sabia que tinha que colocar pra fora aquilo que estava me apertando e sufocando. Comecei a sentir uma ardência, um fogo me queimando por dentro, e quanto mais eu vomitava, pior, mais fraca eu ficava. Meu pessoal chegou, viu a gosma branca que deixei esparramada por toda escada e começaram a gritar desesperados. Será que estão bravos comigo? Desculpa pessoal, eu juro que eu não queria fazer tanta sujeira!  Já vomitei tudo que podia, a escada está coberta de uma espuma em forma de baba, uma gosma branca e sinto fiapos de sangue escorrendo da minha boca. Me sinto como uma Maria Mole, escuto tudo ao longe, não tenho mais força sequer para abrir os olhos. De vez em quando meu corpo endurece e minhas pernas e patas ficam rijas. Escuto gritos. Acho que estão chamando alguém para me socorrer. Estão todos desesperados. Sinto meu corpo se contorcer de novo, ninguém atende aos chamados desesperados, começo a me esvair, nenhum amigão, amiguinho, médico ou veterinário a me socorrer, apenas abraços, beijos e pedidos de “Nina, aguenta firme garota, nós vamos encontrar alguém, aguenta firme gatinha”. Meus três quilos estremecem de novo. Estou convulsionando mais uma vez. Perdi a conta de quantas vezes foram. Tudo se espicha dentro e fora de mim, sinto que estou arrebentando toda. Desculpa pessoal, estou sumindo e indo. Não aguento mais.

desenho Nina6

A dor passou, meu corpo relaxou, não respiro nem sinto mais nada. De onde estou, confusa ainda, ouço o choro, sinto lágrimas e mãos afagando meu corpo sem vida. Ficamos horas assim. Acho. Queria saber o que foi que eu fiz e entender porque fizeram o que fizeram comigo. Eu só dei minha passeadinha diária.

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