Lá fora o calor está infernal, o sol cega e torra os desprevenidos e desajuizados. Hoje é dia de faxina e por algum motivo, a faxineira não apareceu de novo. Começo a procurar nova faxineira e arregaço as mangas. Vai que não consigo outra! Recolho a roupa do varal, estendo a que estava lavada na máquina e preparo a roupa clara para o próximo programa. Arrumo cama, quarto, banheiro. Organizo uma toalha de mesa com projetos da nossa casa em construção. Lavo a pirâmide de louça jogada na pia, recolho e seco a que estava no escorredor de pratos e preparo meu almoço à base de proteínas puras. Antes de tomar um banho pra refrescar meu corpo suado e fedido, decido levar rapidinho o lixo na lixeira do subsolo do prédio. Descabelada, fedida, suada e muito mal vestida entro no único elevador, munida de quatro sacos de lixo. Torço para não encontrar ninguém no elevador, nem no subsolo. E o elevador para, no meio do caminho. Apenas eu e quatro sacos fedidos de lixo em um metro quadrado, a meia luz. Aperto nos botões, ou para subir, ou para descer e nada. Cai a ficha: estou trancada no elevador. Aciono o alarme torcendo para que alguém me escute. O cheiro, o bafo quente e fedido no espaço claustrofóbico começa a me fazer mal. Lembro que estou trancada. Meu mal-estar aumenta. Ouço vozes do lado de fora, mas ninguém responde. Talvez pensem que são as crianças brincando no elevador. Continuo apertando o botão amarelo do alarme e começo a gritar tem alguém aí, estou trancada no elevador. Começo a ficar tonta. Alguém responde se acalma, já vou buscar a chave, acabou a luz. Estou calma, vai demorar? Espero que não, diz a voz que me socorre. Tento me acalmar, mas o cheiro de lixo no espaço quente e confinado, começa a se impregnar no nariz e na pele. Lá fora, escuto mais vozes e passos se aproximando. A chave é colocada na sua ranhura e revirada. Sérgio, o síndico, abre a porta do elevador e me estende a mão. Fico feliz ao vê-lo e constrangida por ele me ver naquele estado deplorável. Pego meus quatro sacos de lixo e meu Eu fedido e saio pelo vão reduzido da porta do elevador emperrado. Vários vizinhos aguardam do lado de fora. E eu, que torcia pra não encontrar ninguém pelo caminho, encontro o prédio inteiro aguardando meu resgate. Oi, oi, estou bem, não foi nada, e desço rapidinho a escadaria e jogo meus lixos nos latões do subsolo. No meu retorno, reencontro vários curiosos e vizinhos, descendo as escadas estreitas. Quase me colo nas paredes, com medo de estar cheirando e exalando cheiro de lixo a 40 graus. Chego no apartamento, vou direto ao chuveiro. Deixo tudo aberto, inclusive a porta do box. Perco a noção do tempo, demãos de sabonete, óleo de banho, bucha natural. Por fim, um banho de perfume. A nhaca de lixo tirou suas garras de mim e sumiu pelo ralo ensaboado. Preciso urgentemente de uma diarista assídua, ou, no mínimo, andar sempre arrumada. Basta sair esculhambada, pra encontrar quem não poderia nos ver esculhambada. Isso sempre acontece. Parece que isso inclui, inclusive, o dia da faxina.