A arte que nos cerca

“Em 2006, enquanto tecia uma trama em metal e vidro no atelier, uma aranha apropriou-se dos fios que a prendiam no espaço e iniciou sua própria construção: uma teia que contornou o trabalho por inteiro. Pensei em expulsá-la quando notei que sua trama era semelhante à minha. Durante um mês, trabalhamos simultaneamente na mesma hora. A iluminação que entrou pelas telhas de vidro projetou uma sombra da parede ao chão do ateliê e evidenciou ainda mais a semelhança entre as duas urdiduras. livro Lume_Clara FernandesAtravés deste véu de sombras, percebi uma possibilidade de trabalhar não apenas com o palpável e visível que caracteriza a obra em termos formais, como também com seu entorno.” (Clara Fernandes, LUME, pg 06) Com estas palavras, a artista e tecelã Clara Nunes, inicia o relato do que foi tecer e montar sua exposição chamada LUME. De mesmo nome, o pequeno e belo livro de capa dura, com fotos das esculturas ambientadas tanto em São Paulo como em Florianópolis, explora a intenção e a percepção da artista com relação a sua obra. “LUME não é, por assim dizer, somente o objeto-obra, mas também o que existe em seu entorno – de onde ela parte e para onde converge.” (pg 17)

lume na praia

A obra tem um diálogo próprio e impressiona de formas diferentes quando presa no concreto da metrópole, ou, livre e solta nas areias da praia. Esta percepção remete a questões de tempo e espaço, estar dentro e fora. Conforme a posição a obra transmite um ritmo, uma imagem, uma impressão. Uma nova perspectiva.

Já no ateliê da artista, a sensação é de envolvimento. As obras desfilam no entorno e disputam espaço com teares, tapetes despretensiosos, materiais orgânicos, lãs naturais, fibras, linhas, uma rígida saleta de estar, um piano. Ah, este piano! Imaginei qual o pensamento da artista, ao sentar na banqueta e sovar a melodia nas teclas. Talvez busque o sossego e o descanso das mãos e das ideias. Talvez, encontre o desespero nas notas desafinadas o desatino da incompreensão do que está por vir, da obra incompleta que se apresenta desconjuntada e fragmentada. 
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Mesmo assim, adoro o ambiente bagunçado e multifuncional dos ateliers. Os cheiros que impregnam o ar, a mistura de cores, texturas e possibilidades. Existe algo de sagrado nestes espaços de criação e inspiração. Nada de regras e limites, apenas a liberdade para criar e perceber a versatilidade dos elementos, toques, recortes, pinceladas …

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Aprendi com a artista Clara Fernandes que existe uma infinidade de recursos disponíveis à nossa volta. A natureza é generosa e extremamente engenhosa. Alguém já imaginou trançar, galhos, sementes, barba de pau, lã e arame?

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Um vestido no cabide! Como se fosse uma tela ou um biombo! Diáfano e leve como o vento, foi uma peça encomendada para um evento artístico (filme, peça de teatro). O fio leve da seda tecido com toda a imperfeição e genialidade humana .

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Galhos se inserem no arame e na partitura. Assim, fica esquisito. No todo, algo se apresenta. É arte sem explicação. Apenas, sensação. Ou, como já ouvi dizer: o artista cria um conceito, uma idéa, desta idéia, surgem outras. O certo e o errado, não existem. Existe sim, a complexidade e a singularidade do sentimento e sensibilidade humana. E cada um é senhor/a destas emoções.

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Afinal, nem toda obra dialoga com a gente. Tem obra sem sentido e vazia, muda e surda, que não nos diz nada.

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Um vestido rendado. Imperfeito, esguio e selvagem. Olhei pra ele e me vi correndo numa praia deserta. Me afoguei na sensualidade e na sensação de liberdade. Óbvio, que um vestido destes fica perfeito como obra. No armário, nem pensar.

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De palha, arame, barro, cipó. Casulos. Ninhos. Prisões. Ou apenas, um ventre gerador de vida. Questão de perspectiva.

trama Clara Fernandes

Em meio a tanta divagação e criatividade, eis que surge uma centenária e singela roca de tear. Vinda direta dos contos de fadas,  a roca tem sua função na construção e confecção de muitos teares e peças artísticas.

rocaOu seja, o próprio ateliiê cria uma certa dicotomia entre tempo e espaço, dentro e fora, subjetivo e objetivo. Exatamente do jeito que a artista sugere em seu livro LUME.

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