Conversa de salão

Tô eu no cabeleireiro fazendo o trivial básico – tintura, escova, manicure, pedicure e depilação – quando uma mulher com voz grossa elogia meus olhos. “Que olhos lindos você tem. Adoro olhos azuis. Sou fissurada neles.” Agradeço e me observo no espelho. Reparo os cabelos brancos, o olhar cansado, as olheiras, a pele pálida e ressecada pelo frio e falta de cuidados … “Sabe, os homens tem medo de mim. Acho que é minha postura.” Reparo enfim, na pessoa que acabou de elogiar meus olhos e continua querendo conversar comigo. Sério, eu só queria duas horinhas de sossego e descanso. Mas, vamos lá. “Deve ser por causa da sua voz”. “Minha voz? Você está sendo delicada. É classuda, a gente nota, e a senhora não quer me ofender”. Olho melhor para a pessoa que desfila na minha frente, e então percebo. Santa ingenuidade! Abre parênteses: Sou muito desligada com estas coisas e raramente presto atenção quando o assunto é homossexualidade ou transsexualismo. Já me senti muito tapada em outras ocasiões, quando fui a última a reparar. Hoje, sei que minha reação é de aceitação e total falta de estranheza. Não me incomoda o outro ser do jeito que é. E, se não me incomoda, dificilmente reparo de imediato. Depois, componho o quadro e me situo. Fecha parênteses. “Homem tem medo de mulher com pau”. Só então, lerdinha, confirmo minhas suspeitas. Aquela mulher não é exatamente uma mulher. “Sou lá da Paraíba, minha mãe soube que eu era diferente quando eu tinha dois anos, eu notei com cinco. Minha cabeça era feminina, mas meu corpo tinha um pau”. Paraíba masculina mulher macho sim senhor me vem à cabeça. Me deparo com a própria inspiração de Luiz Gonzaga. Além de nós duas, estão a manicure e a cabeleireira. As duas riem e acham graça das expressões da, vou chamar de Lili, figura conhecida no salão. Resolvo dar trela e conhecê-la melhor. “Sou uma mulher de pau e muito bem resolvida”, que já foi casada três vezes mas nenhum dos maridos viu seu pênis dobrado pra trás. “Você acha que um pau de 18 cm é grande?” Porque, é o tamanho do seu pau? Quero saber. “É sim.” Responde-me ela com o sorriso dividindo o rosto. Pego a trena na bolsa (lembre-se que estou às voltas com uma casa em construção e contratando móveis sob medida) e espicho a fita até chegar aos 18 centímetros. Pra mim é grande, mas nunca medi um antes. A gargalhada é geral. E Lili continua expondo suas excentricidades. “Não gosto da fruta, da ostra. Mulher não me atrai.” Então você gosta de homem? “Gosto, mas nada de enfiar o pau no redondo. Não gosto de ser passiva. Do que eu gosto mesmo …”e vou cortar por aqui a mais estranha conversa que alguém poderia ter num salão de beleza. Depois que Lili descobre que sou psicóloga, o pau pega pra capá mesmo. Enquanto mostra as bolsas de grife que revende, ela se despe por inteiro. Falar sobre sexo, tesão, permissão, homens, prazer e culpa suaviza sua voz e sua expressão. Respeito e entendo a dor de ser dividida: a cabeça quer ser mulher, o corpo urra e quer ser homem. O conflito namora a loucura, a cisão estrangula o ego. Tudo isso eu entendo. O que eu não entendo é como a Lili dobra pra trás uma ferramenta daquele tamanho. Alguém pode me explicar?

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