Pois hoje é um daqueles dias que eu gostaria de riscar do mapa, da agenda, da memória. Não que seja único ou totalmente inédito. Tenho de admitir que volta e meia tenho dias assim. Quem cumpre agenda, talvez nem os perceba. Quem tem a sorte de não ter agenda (?) os percebe tão logo o dia amanhece. Faça chuva ou faça sol, o dia está nublado, cinza, triste. São dias em que a energia propulsora – e não uma mera agenda – não tem força pra zarpar, está em baixa. Chateada, frustrada, desanimada. Cansada. Quem se importa com a cama desfeita, a pilha de louça suja na pia, montanhas de roupa no tanque? Tanto faz quem se importa. Importa o breu da vontade pra levantar um mísero cisco. Dia de televisão, leitura, comilança, sumiço virtual. Só precisa passar o dia. E esperar que o amanhã venha com mais cor e vigor. Quase sempre é assim. Mas, nem sempre. Tem dias e semanas tristes, apreensivas, preocupadas e ansiosas. Nada de depressões maiores, talvez uma insuspeita ciclotimia.
A vida.
Li em algum lugar, que vivemos uma busca frenética pela felicidade. Verdade? Não foi sempre assim? Talvez a felicidade antes, fosse ter o que comer, beber, vestir ou morar. Esta era A Felicidade. E, ainda é. Mas em tempos cibernéticos ter tudo isso é praticamente um trivial básico. Buscamos mais. Precisamos (?) mais. Ser feliz hoje é ter sucesso, status, dinheiro, beleza … aparência. Antes, ser feliz representava a sobrevivência e estar vivo. Nessa nossa grande aldeia global, este tipo de sobrevivente é quase sempre invisível e marginal, pendurando-se a agarrando-se nas bordas e cascas da dita civilização contemporânea. Sua miséria nos incomoda. Incomoda não terem sido capazes de provar a superioridade da raça humana. Muitos vivem como animais, sobrevivendo com toda espécie de restos e sobras. Tudo o que fazem e importa é sobreviver. E nós, com toda a fartura e opulência, ficamos tristes por motivos – aparentemente – tolos. Por mais agradecidos que possamos ser por ser o espermatozóide vencedor, termos casa, comida, carro, etcetal. Soa mal reclamarmos dos nossos pequenos infortúnios. Afinal, não somos os felizardos humanos com todas as necessidade básicas atendidas? Lembro das aulas de Psicologia Social e da Pirâmide das Necessidades de Maslov. Segundo Maslov, a gente só evolui e atinge o topo da pirâmide – a espiritualidade – na medida em que satisfazemos todas as necessidades anteriores, a começar pelas necessidades básicas (comida, água, sono, etcetcetc). Fica complicado pensar em satisfação quando lembro das noites de insônia, nas eternas e massacrantes dietas, na busca implacável por segurança, reconhecimento .. necessidades estas, de base da pirâmide, miseravelmente satisfeitas. Ao que parece estamos numa luta ferrenha (?) pra chegar ao topo – entre arrancadas, deslizes e quedas – oscilando e nos perdendo o tempo todo entre as camadas da dita cuja – a pirâmide.
No fundo, somos todos sobreviventes em busca de realização e satisfação de infinitas necessidades, tidas como impermanentes e instáveis. Nosso conceito sobre praticamente tudo é mutável e oscilante. Variável. O que sabemos sobre espiritualidade? Ainda importa chegar lá?
Seria a Pirâmide de Maslov uma referência teórica compatível com a modernidade e a ambivalência do século XXI? Estaria a pirâmide invertida? Será que um retângulo, um lozango ou um quadrado não expressariam melhor nossa contemporaneidade?