O que fazer e pra que fazer

Estava eu sentada na sala de atendimento numa clínica psicológica. Eu, um sofá de 2 lugares, mais uma poltrona (igual à minha) e 2 cadeiras sobressalentes (à espera, talvez pudessem ser necessárias). Duas cômodas com gavetas, material de papelaria, jogos, canetas, bonecos. Um abajour. No chão um maravilhoso tapete persa com motivos tribais. Na parede, apenas duas figuras insossas. Fiquei sentada, olhando à minha volta. Na entrada da clínica, algumas cadeiras de plástico verdes, bem estilosas, uma bancada com um jarro de água e um pote com balas. No corredor, dois toaletes minúsculos. Seria um para Eles e outro para Elas, ou, seria um para os Pacientes e outro para os Profissionais? Uma dúvida a ser esclarecida. Ao lado, uma pequena cozinha. Minúscula, pra ser sincera. Dois consultórios montados, e um terceiro, usado como depósito de material de limpeza, sofás, poltronas, mesas, ar condicionado, caixas, cadeiras. A ideia é transformá-lo num espaço terapêutico alternativo. Espero. Cheguei no horário. O terapeuta jamais deve se atrasar. É a regra. Me sentei e fiquei aguardando. Olhei à minha volta, depois para a porta de vidro parcialmente jateado: pessoas e carros circulavam livremente do lado de fora, e eu, sozinha naquela sala estranha, fria e vazia. Aguardando. Circulei pelos ambientes tentando me apropriar daqueles espaços. É assim que falamos. Fiquei alguns minutos e saí. Apesar do sol radiante, das paredes cálidas e da decoração de muito bom gosto, a sensação foi de desamparo. Eu estava só, mais uma vez, recomeçando.

Houve outros recomeços. Vários. Quando a carreira, o casamento e a família competem entre si, nós mulheres, na grande maioria, optamos por deixar a carreira aguardando. Não sou exceção. Filhos criados e encaminhados, um casamento feliz de 35 anos e uma carreira profissional, em retalhos. Retalhos exuberantes, tenho de admitir. Sempre fui bem conceituada e reconhecida. Mas, de tempos em tempos, fora do mercado.

Saí da clínica e pensei que um pote de sorvete de creme e chocolate me fariam muito bem. A companhia perfeita para aquele momento down. Mas, só de pensar em rodar várias quadras, estacionar o carro, subir as escadas, atravessar o supermercado, pegar e pagar o sorvete … já cansei. Desanimei. Decidi ir direto pra casa. Lembrei de outros recomeços e outras desistências. Lembrei dos anos ativos, de um consultório bem freqüentado e sucedido, de agenda cheia. Fui dormir. Eram apenas 11h da manhã. Eu sabia que aquele cansaço não era só de desânimo. Era também o cansaço dos últimos anos, dos meses de trabalho duro de construir nossa casa, restaurar móveis, pintar telas, limpar, aguardar profissionais, limpar, limpar, organizar, descartar, desapegar, limpar … e principalmente, por saber de tudo que viria pela frente, do trabalho insano que é se fazer conhecer, divulgar o consultório e começar verdadeiramente a clinicar. São meses, quem sabe anos de dedicação e persistência.

Daí veio aquele questionamento. Pra que?

Pensei em todos os livros que quero ler, reler e escrever; nas viagens que quero fazer; no curso de ikebana e comida vegetariana que há anos não cabem na minha agenda; na mãe, filho e amigos que reclamam que nunca vou visitá-los; na academia sumariamente decapitada por falta de “tempo”; … nas caminhadas na praia, e pensei, como nunca havia pensado antes. Pra que? Não preciso provar nada pra ninguém, nem me reafirmar; o dinheiro que vou ganhar jamais compensará todo o esforço e sacrifício; independente ao consultório, minha vida é bastante produtiva … então, pra que?

Lembrei de uma tia, que aos 50 anos, fez vestibular pra medicina, estudou, se formou e aos 70 anos era uma ginecologista respeitada em Porto Alegre. Também lembrei de amigas que não trabalham e apenas curtem a vida. Me parece, todas estão felizes e satisfeitas com suas escolhas. Imagino que todas, em algum momento, tiveram de decidir. Escolher a vida e o dia a dia que queriam ter. Será que sofreram, se angustiaram e devoraram potes de sorvete e taças de vinho vagabundo, nesse processo de reconhecimento de si mesmas e de seu momento na vida e no mundo?

Só sei que, neste momento e de repente, me vejo intrincada num grande nó. Num grande dilema. A grande questão não é hamletiana “ser ou não ser”. Todos somos. Sei que sou. Neste momento, um ser em transformação. A grande questão suzeteana é “o que fazer e pra que fazer”.

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