Fiquei meio assim, dias atrás, com o comentário que um marceneiro fez a respeito de móveis antigos. Disse-me ele, que médiuns experientes conseguem ver seus antigos donos usarem seus pertences. Do tipo, minha sogra escovando cabelos em sua penteadeira ou costurando na sua máquina de costura;
Ou talvez, meu bisavô usando seus centenários móveis Thonart, a avó do meu marido colocando coisas em seu baú. Enfim, se o que ele afirma é verdadeiro, minha casa está mais ocupada e assombrada do que ouso imaginar.
Sempre gostei de móveis antigos, e segundo a filosofia do Feng Shui , tê-los em casa é sim, trazer a historia e a energia dos nossos antepassados. Nada de assombrações e visões do além.
Sem contar que misturar elementos antigos com móveis modernos e contemporâneos fica maravilhoso. Reciclar e modernizar os clássicos (e não tão clássicos) dá um charme único ao ambiente e `a própria antiguidade .
De todos os móveis antigos que tenho distribuídos em casa, apenas uma mesa de centro (uma mesa de jantar, que virou uma irresistível mesa de centro, com as pernas cortadas) pertenceu `a mãe de uma vizinha da minha mãe, e minha amiga de infância.
Todos os outros, são móveis de antepassados meus ou do meu marido.
Costumo dizer, que se meus filhos não quiserem herdar estas relíquias, elas devem ser devolvidas a outros descendentes da família de origem do móvel. Acho a coisa certa a fazer.
Na minha ultima temporada no Rio Grande do Sul, fui resgatar o armário antigo da vó Angelina. Avó do meu marido. Não a conheci em vida, mas pelos relatos, foi uma pessoa amável e querida. Acho que foi o móvel mais detonado e estragado de todos que mandei restaurar.
Queria um armário antigo para o quarto da minha filha em Jurerê. Quase todos os aposentos da minha casa exibem alguma antiguidade. Alguns móveis ainda não encontraram seu lugar. Sei que é apenas uma questão de tempo e experimentação.
Descobri o armário da vó Angelina num paiol de uma conhecida em Colinas. Assim que soube da minha procura, disse-me ela que o armário era meu, era da familia, só precisava retirá-lo do buraco onde estava e restaurá-lo. Só que no buraco onde ele estava não havia luz, e tudo o que vi, foi muito pouco. Mesmo assim, fui atrás de um restaurador para que ele fizesse uma avaliação. Chegando lá, ele iluminou o móvel com uma lanterna, e como todo bom comerciante, falou da raridade do móvel, da qualidade da madeira, e sim, daria para restaurar. E me passou o preço. Minha mãe – que tem fama de negociante – estava lá apenas para regatear o valor do serviço, quase caiu de costas. Como eu já havia feito um levantamento de preços em uma loja de antiguidades da região, achei que o armário sairia por menos de 1/3 do valor de mercado, e fechei a restauração com ele. Sem contar sua procedencia.
“Vamos fazer. O senhor consegue tirar o armário do lugar?”
“Se entrou tem que sair”.
Chamou seus dois ajudantes pra – literalmente – resgatar o centenário guarda-roupas de duas portas e duas gavetas do mais puro cedro da antiguidade. Foi começar a desmontar o armário, tirar portas, gavetas e prateleiras, que uma família de ratos se viu desalojada. Três ratos adultos saíram em disparada e quatro filhotes foram eliminados sem um pingo de misericórdia. Tenho de admitir que este processo foi de uma sonoridade digna de uma ópera. Infelizmente, ratos e sapos me enojam. A coisa é mais forte que eu. Gritar e correr era o mínimo que eu podia fazer pra lidar com aquela situação. Guarda-roupa retirado, ratos exterminados, eis que todos podemos ver o real estado do armário da vó Angelina. Prefiro nem imaginar o que se passou pela cabeça do restaurador, pois o preço já estava fechado. Na minha cabeça, via apenas uma possibilidade: fogueira.
“ O senhor tem certeza que dá pra restaurar?”
“ Já vi moveis piores … a gente lava com lava jato, troca a madeira onde está muito danificado …blablabla….”
E eu sentindo aquele cheiro de rato.
“ O senhor tem certeza? “
Com a certeza absoluta do restaurador, vi o guarda-roupa ser carregado até o caminhão, ser levado embora, e um prazo de trinta dias pra retirá-lo. Agora é esperar pra ver o que acontece. Sinceramente, uma incógnita. Mas acredito que a gente só consegue o que quer quando acredita que é possível. Estou apostando nisso.
(PS: ainda faltam quinze dias para o prazo de entrega. Tenho de admitir que estou aflita com o resultado. Ao mesmo tempo, imagino os puxadores da Le Lis Blanc nas portas e gavetas, caixas de acrílico e aramados de inox no interior do móvel. Vejo até as bonecas e bichos de pelúcia no topo do armário, e ele, majestoso, dividindo espaço com uma moderna cabeceira de MDF de ultima geração.)
Se realmente nossos entes queridos mantém alguma ligação com seus pertences, vovó Angelina deve estar muito ocupada. Um chazinho deve nos acalmar.