Como psicóloga, aprendi, durante minha formação, a teoria dos desejos edípicos, criada por Freud, que via as experiências sexuais na infância como desejos ou fantasias infantis (e não, como uma realidade) configurando aquilo que chamamos de Complexo de Édipo. Ainda hoje, muitos psicólogos tratam abusos concretos como fantasias ou desejos edípicos. Aliás, esta atitude frente à violência física e sexual com crianças e adolescentes, não é privilégio nem falha, unicamente de psicólogos.
Observa-se um despreparo generalizado que envolve tanto o pessoal da área da saúde, educadores e juristas, bem como instituições escolares, hospitalares e jurídicas, em manejar adequadamente casos em que existe abuso sexual. Felizmente, percebemos o surgimento de uma nova visão e uma nova forma de trabalhar a questão. Não que o abuso sexual seja sempre a realidade – ele pode ser sim, fantasia – por isso a importância de uma rigorosa investigação.
- O tabu do incesto, segundo alguns especialistas, existe para organizar as relações sociais. Mas, o que vem a ser tabu?
- Alguns pensam que o tabu do incesto seja instintivo, mas se analisarmos culturas e períodos históricos diferentes, veremos que nem sempre o incesto causava espanto e repulsa. Por exemplo, Cleópatra tinha um marido que era ao mesmo tempo seu tio e irmão. Na África Oriental, entre os membros do povo Taita, os homens, muitas vezes, se casam com suas irmãs ou mães, por razões financeiras. Fora da família, as esposas precisam ser compradas.
- Abuso define maus tratos com crianças e adolescentes, com violência física e/ou psicológica associada, geralmente repetitivo e intencional, praticado por familiares e/ou responsáveis;
- Abuso sexual é todo envolvimento de crianças ou adolescentes dependentes e imaturos, em atividades sexuais não compreendidas, em que não há consentimento, e que viola tabus sociais dos papeis familiares, objetivando a satisfação sexual do abusador. Abuso sexual não é relação sexual. Olhar os órgãos sexuais de uma criança por um adulto para excitação, é uma forma de abuso;
- Incesto é qualquer contato abertamente sexual entre pessoas que tenham algum grau de parentesco, ou que acreditem tê-lo, em que a confiança especial que existe entre a criança e o parente é rompida. O incesto é a forma de violência sexual mais devastadora porque ocorre no seio da família. Não há um estranho de quem se possa fugir, não há uma casa para onde se possa escapar, não há segurança nem na própria cama. A vítima é obrigada a conviver com o incesto, o que abala a totalidade do mundo da criança;
- Alguns números sobre o abuso sexual:
- 85 % a 90% dos casos de abuso sexual referem-se a meninas. Poderia ser uma questão de gênero?
- 75% a 80% é cometido por familiar ou conhecido da criança, sendo que 50% é cometido pelo pai, 25% pelo padrasto, 25% por avós, irmãos, tios, mães, vizinhos;
- Uma ampla gama de fatores de personalidade (onde o abusador normalmente é pedófilo e sexualmente atraído por crianças, mesmo sendo casado) e diferentes experiências de vida dos pais (onde eles mesmo foram abusados, negligenciados e desprotegidos na infância), além de uma grande variedade de circunstâncias em que a unidade familiar se estabeleceu, agem como fatores etiológicos e precipitantes na formação da família incestogênica;
- Alguns especialistas apontam semelhanças muito grandes entre o abuso sexual e outras formas de adição. A excitação e o subsequente alívio sexual criam dependência psicológica e a negação desta dependência, trazendo problemas específicos no manejo geral do abuso sexual da criança e na terapia dos perpetradores. Estes especialistas acreditam que as pessoas que abusam não ficam curadas, mesmo depois de tratamentos bem sucedidos, pois em situações de stress e de oportunidade, os abusadores correm o risco de abusar novamente. A “droga” é uma criança estruturalmente dependente;
- A experiência clínica mostra que a criança que denuncia o abuso sexual, geralmente não mente. No entanto, há três situações que exigem avaliação mais minuciosa:
- a) crianças mais velhas em lares de crianças, numa tentativa de chamar a atenção para si;
- b) adolescentes em famílias recentemente constituídas, numa tentativa de afastar o recém-chegado;
- c) crianças em famílias com separação e divórcio, em que a mãe denuncia o pai para afastá-lo dos filhos.
É importante que se diferencie mentira e negação, pois o abuso sexual pode ser negado psicologicamente como expressão de evitação da realidade. Tanto a criança abusada como o abusador podem fazer uso da negação;
- A revelação do segredo do incesto não é simples e nem sempre promove a cura;
- A excitação fisiológica, a gratificação secundária (subornos e recompensas) e o vínculo sexualizado contém elementos de experiência positiva no abuso sexual. A vítima pode assumir o papel de pseudo parceira, que ela pode querer manter, mesmo que isto cause confusão e perturbação emocional, pois às vezes, este relacionamento abusivo é a única forma de atenção e cuidado parental que ela recebe:
- Assim, em meio à necessidade de amor, atenção e carinho, o envolvimento aparentemente voluntário, o possível prazer que sente, e a cumplicidade em acobertar o incesto, a vítima sai do incesto com sentimentos esmagadores de responsabilidade e culpa;
- À medida que as vítimas crescem, a culpa as transforma em pessoas autodestrutivas (alcoolismo, drogas, prostituição), com baixa autoestima e falta de autoconfiança, não se sentindo merecedoras de satisfação emocional, física e material;
- Nas famílias em que ocorre o abuso sexual infantil, as fronteiras inter-geracionais foram rompidas em certas áreas de funcionamento familiar e permanecem intactas em outras. Podemos identificar as famílias como organizadas e desorganizadas, e o abuso pode acontecer em ambas, mas com função distinta: como evitador ou mantenedor do conflito familiar;
- Sinais de atenção para a possibilidade de estar ocorrendo abuso sexual:
1. Pais alcoolistas, presença forte em famílias incestogênicas;
2. Pai violento, com história de abusos físicos na família de origem;
3. Pai desconfiado, autoritário, puritano ou violento;
4. Mãe passiva, ausente, distante, incapaz de impor-se ao pai quando necessário;
5. Filha desempenhando o papel da mãe;
6. Filha pseudomadura;
7. Pais com relacionamento sexual perturbado ou inexistente;
8. Famílias onde o padrasto substitui o pai;
9. Situações onde o pai fica muito tempo a sós com as crianças no papel de mãe;
10. Filha que foge de casa, promíscua, autodestrutiva, ou usuária de drogas:
11. Crianças ou adolescentes que se isolam, não tem amigos, nem vínculo próximo com ninguém. A crianças vítimas de abuso não compreendem, nem toleram um proximidade autêntica com outra pessoa, porque associam a proximidade com o abuso;
12. Comportamento sexual impróprio ou precoce para a idade;
13. Atitude hostil ou paranoica da família ante estranhos;
14. Pai que se opõe a autorizar entrevista de profissionais a sós com a criança;
15. Pai, mãe, ou ambos, abusados sexualmente na infância;
16. Pais que provém de famílias onde eles mesmo foram negligenciados ou desprotegidos;
17. Ciúmes exagerado do pai em relação à filha adolescente, quando esta começa a demonstrar interesse por rapazes.
Uau, muita coisa para pensar, de coisas que tendemos a camuflar. Como você é uma profissional da área sugiro para que divida o assunto em tópicos para nós leigos, a fim de que possamos entender melhor. Até 🙋🏽♀️
Vou tentar … mas o tema é muito complexo. Conforme a perspectiva que vc observa surgem outros questionamentos e percepções. Abraço