O sábado amanheceu ensolarado, pedindo novas lentes e uma senhora caminhada. Verão após verão sobram óculos de sol esquecidos por amigos, conhecidos e conhecidos de amigos. Além dos familiares. Ficam como agradecimento dos dias à beira-mar entre nós. Uma doação muito bem-vinda a tantos outros amigos, conhecidos, conhecidos de amigos e familiares que chegam desprevenidos para os dias luminosos do verão. Existe um óculos de sol com uma lente que além de proteger os olhos, clareia e dá cor e vida a absolutamente tudo: à vida em si, as plantas, ao céu, ao mar. O mar de Jurerê fica mais verde, a areia mais clara … as pessoas mais alegres, as conchas mais exuberantes … a vida mais bela.
Quando posso – e tenho vontade – inverno ou verão – caminho com pés descalços na orla – onde o mar visita a terra e se recolhe em si mesmo.
Hoje, ao avistar o mar, passeando pelo deck por sobre a vegetação nativa de Jurerê – observo a maré alta no mar verde-água num movimento que, ora avançava sobre os banhistas e caminhantes, ora se recolhia expondo conchas e pedras. A orla umedecida, de tempos em tempos, apresentava conchas dos mais diversos tamanhos e cores. Perdi algumas conchas vistosas e oferecidas neste descompasso do ir e vir das ondas. Enquanto isso, no colarinho da maré alta, uma miríade de pequenas conchas pedia uma vassoura e uma pá. Ah, se eu pudesse ….
Desde que ancorei em Jurerê, as conchas me encantam. Desde sempre, existe da minha parte, uma certa reverência ao sagrado que é a casa marinha de tantos seres e frutos do mar. A maioria das pessoas mal percebe o presente que nos é ofertado, diariamente, pela natureza. Quando vejo alguém pisando e quebrando conchas, ouço o crac-crac-crac de uma casa despedaçada. Oh céus, oh mares … me transformo numa perdigueira implacável. Vou catando o quanto consigo carregar e me submeto. Me reclino perante o olhar dos outros. O ato de me curvar para recolher conchas tem algo de divino e, ao mesmo tempo, constrangedor. Que o diga minha lombar. A maioria vê no gesto, apenas a pobreza daquele souvenir. Vejo simplicidade e agradecimento. E a sofisticação da casa à beira mar.
A coleta do dia rendeu duas mãos cheias. Elas vão iluminar a noite.
Depois de lavadas na água corrente, um molho perfumado de água sanitária e elas estão prontas para adornar a casa inteira.