Livro comprado de balaio em promoção Black Friday. O título me fisgou. Cansaço, foi a palavra chave. Na primeira tentativa de ler, abandonei o livro na terceira página. Filosófico demais. Dias atrás, vi no Facebook, o comentário de uma amiga – colega de Escrita Criativa, dos tempos de São Paulo – que o livro era “um soco no estômago”. Busquei o livro na prateleira. Fui ler. Um cruzado de direita. Esquerda, talvez. Ou no centro: estilo soco na boca do estômago. Como o livro Amor Líquido de Zygmunt Bauman, vou ter de reler. O texto é denso e complexo. Repetitivo em alguns momentos – possivelmente pra frisar e gravar a essência do todo: na sociedade de desempenho em que vivemos, somos ao mesmo tempo o explorador e o explorado; o algoz e a vítima; o senhor e o escravo. Sobre a depressão, uma perspectiva atual, distante do olhar freudiano.
“Freud concebe a melancolia como uma relação destrutiva com aquele outro, que foi internalizada como parte de si-mesmo. Com isso, os conflitos originários com o outro são internalizados e transformados num autorrelacionamento conflitivo que levaria ao empobrecimento do eu à autoagressividade. Mas não há nenhuma relação conflitiva, ambivalente com o outro, que tenha se perdido, que preceda a enfermidade depressiva do sujeito de desempenho atual. Ali não há qualquer participação da dimensão do outro. O responsável pela depressão, na qual acaba desembocando o “burnout” é antes de mais nada a autorrelação sobre-exaltada, sobremodulada, narcisista, que acaba adotando traços depressivos.
O sujeito de desempenho esgotado, depressivo está, de certo modo, desgastado consigo mesmo. Está cansado, esgotado de si mesmo, de lutar consigo mesmo. Totalmente incapaz de sair de si, estar lá fora, de confiar no outro, no mundo, fica se remoendo, o que paradoxalmente acaba levando a autoerosão e ao esvaziamento. Desgasta-se correndo numa roda de hamster que gira cada vez mais rápida ao redor de si mesma. Também os novos meios de comunicação e as técnicas de comunicação estão destruindo cada vez mais a relação com o outro. O mundo digital é pobre em alteridade e em sua resistência. Nos círculos virtuais, o eu pode mover-se praticamente desprovido do “princípio de realidade”, que seria um princípio do outro e da resistência. Ali, o eu narcísico encontra-se sobretudo consigo mesmo. A virtualização e a digitalização estão levando cada vez mais ao desaparecimento da realidade que nos oferece resistência.
O sujeito do desempenho pós-moderno, que dispões de uma quantidade exagerada de opções, não é capaz de estabelecer ligações intensas. Na depressão todas as ligações e relacionamentos se rompem, também a ligação para consigo mesmo.”
(Sociedade do Cansaço – Byung-Chul Han, p.90-92)