Vinte e quatro horas de safari

Era o vigésimo dia de viagem.

Uma segunda feira fria e chuvosa em Lake Maniara, na Tanzânia. Da pousada até Ngorongoro, trinta quilômetros e a mais densa neblina. Depois de pagar o impublicável, rodamos na borda da cratera do vulcão extinto à procura da descida. Cruzamos com grupos de búfalos e massais, meros vultos esfumaçados naquela manhã nebulosa até encontrarmos a simplória entrada e a confirmação do ranger de que o tempo estaria aberto no interior da cratera. À medida que descíamos, a cratera se revelou por completo. Cinquenta quilômetros quadrados de manadas de gnus, zebras, elefantes e búfalos, hienas, girafas, javalis, rinocerontes, gazelas e leões, flamingos e hipopótamos e toda sorte da fauna africana desfilando por savanas, campos, florestas e lagos. Enquanto eu dirigia o 4X4, com direção à direita, meu marido tirava fotos. Era um pára, volta um pouco, mais pra frente, troca de lente. Fileiras de 4X4 com turistas do mundo todo e suas poderosas objetivas apontando em todas as direções, um vai e vem constante, todos determinados a encontrar os big five. Até as treze horas, era o horário estipulado para sairmos da cratera, rodar outros 50 quilômetros em estrada de terra e chegar ao Serengeti National Park, onde dormiríamos naquela noite.

Ao entrar no parque mais famoso da África, e possivelmente do mundo, avistamos uma alcatéia de leões – machos, fêmeas, filhotes, adolescentes e adultos, num total de 10/12 leões – posicionados estrategicamente sobre uma rocha de dez metros de altura, entre a estrada e uma gigantesca manada de gnus e zebras. Nos distraímos.

Perdemos a hora e o sinal de internet. Começou a chover. E nenhuma placa sinalizando o Ole Serai Luxury Camps, nosso hotel.

Estávamos perdidos. E eu, levemente – e assustadoramente – preocupada.

Andando a esmo, nos deparamos com uma hipopótamo fêmea recém saída do rio, com cara de quem foi pega pelada. Freei secamente e a hipopótama saiu em disparada. Comecei a rir de nervoso. Aquilo não podia ter acontecido. O combinado era que depois das três da tarde deveríamos ir direto para o hotel. Já eram cinco horas e não tínhamos ideia da direção a seguir.

Acabamos por conseguir sinal de internet na minúscula cidade de Seronera. Apenas um pin marcando o hotel e uma bolinha que mal se movia. A bolinha éramos nós. À frente, noventa minutos em estrada de carroça, buracos, chuva e poças d’água. Um cavalo de pau inesperado e um buzinaço no meio de uma manada de elefantes irritados e parados no meio estrada, atrapalharam tanto quanto a noite e a chuva. Mal víamos as indicações dos hotéis. O que víamos era a bolinha chegar cada vez mais perto do pin. Enfim, a primeira placa do Ole.

Em trinta minutos éramos recepcionados por dois masais saltitantes e um esfuziante káribu (bem vindos no dialeto suaíli), enormes guarda chuvas, toalhinhas aquecidas e perfumadas, braceletes de boas vindas e muitas mãos para carregar nossas malas. O Ole Serai Luxury Camps é um resort esparramado entre a savana e a mata. Ao todo são vinte e seis tendas decoradas com requinte e conforto. Ao pisar no tapete persa e sentir o frescor e a maciez do lençol branco acetinado da cama king size percebi que estava, enfim, segura.

Depois do jantar e do vinho sul-africano, desmaiamos no aconchego do lugar. Durante a noite, a cantiga de ninar foram os rugidos dos leões, que demarcavam o território, nas imediações do Ole. A sensação foi de plenitude e encantamento.

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