Recebi uma carta da Oliveta me convidando pra assistir o eclipse do alto da montanha onde ela vive. Quem ainda, em pleno século vinte e um, manda cartas? Só ela mesmo. Deve estar sozinha e sem internet. Vou telefonar e avisar que passarei alguns dias com ela. Assim dá tempo dela organizar o sofá ou a cama.
Ao ler a carta bateu saudades da minha amiga bicho grilo, que escolheu viver nas montanhas, entre as bananeiras e a Lagoa de Itapeva. Escolhas que a gente faz quando se é jovem, inexperiente e sonhador. De qualquer forma, Oliveta parece ser feliz assim. Pra quem não conhece minha amiga, ela é a cara da Abigail, a atriz que interpreta a personagem no seriado da Netflix, Maria Magdalena. Tenho preferido assistir filmes e seriados inspirados em passagens da bíblia nestas noites de frio, chuva e neblina. Nada de romances xexelentos, nem filmes de ação ou super heróis.
Ando precisando relaxar. Botar o pé no chão. Colher flores e frutos do próprio pé. Oliveta deve ter mantido o canteiro de copos de leite e o abacateiro. O melhor abacate é aquele colhido do pé, amadurecido embrulhado em jornal. Fica docinho e cremoso, comido da própria casca, a polpa esmagada com garfo, uma colherada de açúcar e uma pitada generosa de canela.
Não posso esquecer de levar os chinelos de pelo e o cobertor. Os textos pra ler e papeis pra escrever. Oliveta é espartana demais em questões de conforto e papelaria. Me admira que ela ainda compre livros de papel. Virou uma defensora ferrenha das árvores. Será que ela já cortou aquele pinheiro torto, acho que é um kaizuca velho e podre, perigosamente inclinado sobre a casa dela? Vai saber. Espero ao menos, que ela tenha mantido a trilha ao redor do lago para correr, caminhar e tirar fotos. A vista que se tem das montanhas, daquele ângulo, quando o sol se põe é digno de um Sony World Photography Awards. Também não posso esquecer de colocar na mala a máquina fotográfica e o tripé. E um tapete. Não sei como Oliveta consegue viver sem um tapete do lado da cama. E uma luminária se quiser ler à noite. É desumano a forma como minha amiga vive naquele fim de mundo. Pelo menos tem asfalto até quase chegar lá. Precisa sair na última saída antes de entrar na Free Way. Senão, tem de seguir até Santo Antônio da Patrulha e retornar.
Onde anotei o telefone da Oliveta? Deve estar na agenda. Nada. Numa agenda antiga? Nada. Será que Oliveta não tem telefone em casa? Parece impossível, sabendo que até os massais, no interior do interior da África tem, mas com Oliveta, tudo é possível. O jeito é ir sem avisar. Sem remetente. Aparecer do nada, afinal fui convidada. Espero ao menos que quando chegar naquele estrupício de lugar, tenha fogo na lareira, estoque de nó de pinho e muito vinho. Porque ver o eclipse daquele lugar, só com muita reza. Será que Oliveta tem Netflix? Óbvio que não. Um televisor? Energia elétrica?