O rio transbordou, bradam todos. Irados, tensos e nervosos.
Sim, o rio transbordou como sempre transbordou,
desde que me conheço como gente, desde que o mundo é mundo.
De tempos em tempos, ele vem mostrar sua força, atender suas e também as nossas necessidades.
É por ele que as cidades do vale vingaram, cresceram e se transformaram em pequenas e vibrantes colônias de gente.
Elas sabem, fingem não saber, mas, maior poder é o dele:
do impressionante Rio Taquari,
que quase some entre os cascalhos, pra ressurgir glorioso e truculento, arrastando árvores, casas, gente. O lixo humano. A vaidade humana. O descaso.
Ele é o que é.
Normalmente calmo, segue ele, dia a dia, encaixadinho na trilha, feito um bonde comportado.
Daí, depois de dias, dias e mais dias e noites, noites e manhãs e tardes e mais noites
açoitado por águas, raios e trovões,
vira um bicho nervoso, tenso e irado, feito nós.
Vira uma locomotiva desgovernada, estridente e alucinada.
Arrasta tudo que cruza seu caminho, sua trilha, seu destino, sua meta.
Senhor de si, ele passa.
Vai-se embora até se reinstalar sossegado e satisfeito. Ele não olha para trás. Não se arrepende.
Apenas responde atavicamente à sua natureza.
Penso em nós.
Em nossa insignificância e onipotência.
Poderíamos aprender com o rio, deixando o rio em paz.
Também nós temos um caminho a seguir. Um destino a cumprir.
Inspiremo-nos no rio.