Bom chegar em casa. E casa, para quem ainda não me conhece, é minha casa antiga, encalacrada no interior do RS.
Depois de 40 dias em Floripa, retornei ontem. Uma passada rápida de 3 horas na casa de minha mãe e depois, o mergulho no meu xangrilá gaúcho. Quem me aguardava era um gato laranja garfinkeliano, postado feito esfinge sobre o portal de entrada da garagem. Não poderia haver melhor recepção. A casa que me acolhe há mais de 25 anos me inunda de paz, boas vibrações e muita energia. Nela encontro minha alma e quem verdadeiramente sou. Meu Santo Graal. É por isso que sempre retorno. Os próximos 7 dias serão de idas e vindas à casa de minha mãe, compras de Natal (reduzidas por conta da COVID19) e de nutrição uterina. Saio renascida daqui para qualquer canto, desencanto ou desafio.
Há meses que escrevo pouco, mesmo surgindo temas e insights incríveis. Outros compromissos e interesses roubam minha atenção, os assuntos voam com o vento e se perdem nos dias atribulados e desassossegados. Até minhas leituras pontuais se perderam no decorrer do ano. O sono, as preocupações e a desatenção cobraram seu preço. A sutileza literária deixou suas marcas na lista dos livros lidos em 2020. Meu consolo é que li verdadeiros tijolões, livros recomendados da Oficina Literária e muita alta literatura. Pouca poesia, poucos best sellers e nenhum livro de beira da piscina. Minha erudição literária foi uma seriedade só. Tenho de melhorar isso. Pra 2021 tenho algumas ideias de leitura sérias – Proust, Virginia Woolf e Freud – e muito livro leve e muita poesia e muita receita de comida e muito assunto divertido e enxabido.
O ano, de fato, foi de organização, faxina e arrumação. Interna e externa. Exterior e interior. Iniciei pelo ap de Felipe em SP, em janeiro. Veio a exposição dos “Diálogos do Inconsciente” no CIC, em Florianópolis, também em janeiro. Depois, veio a crise e a COVID19. Em março me mudei de mala e cuia pra fazer um período sabático no RS. Além da psicoterapia individual, usei o trabalho e a criatividade como terapias alternativas.
Tem épocas na vida, em que a gente precisa de um tempo pra reavaliar a jornada, definir ou confirmar os rumos da vida, pra depois seguir em frente, retroceder ou mudar de direção. Fazer arrumações, reciclagem e arte são uma excelente ferramenta para superar crises, deixar a poeira baixar e recomeçar … A vida precisa destas paradas e avaliações. Por isso, me embrenhei na casa de Lajeado, na casa de minha mãe em Colinas, no jardim da casa dela. E agora, pra finalizar, a casa de Floripa.
Tenho de admitir que estou exausta de combater cupins, mofos e móveis ressecados e descoloridos; restaurar e sucatear móveis, lavar lustres, tapetes, cortinas, colchas e almofadas; selecionar louças, panelas e todo arsenal doméstico embutidos numa casa. Meus artelhos e unhas não suportam mais a química que desentoca a sujeira impregnada; minhas pernas andam bambas e desanimadas dos “steps” forçados pelo sobe-desce de escadas e escadarias. Cheguei à conclusão que para uma boa dona de casa sou uma excelente psicóloga. Desencavo até parafuso, ferrugem ou ponto de mofo. A ideia, tanto na psicologia como na arrumação das casas é livrar-se de tudo que não mais agrega nem faz bem.
Recentemente baixei toda minha biblioteca e revisei um por um, cada livro, em busca de poeira, traças e mofos – aproveitei e reli lombadas e contra-capas, e céus, se somar todos os livros não lidos que redescobri nas prateleiras, posso ficar sem comprar pelos próximos 10 anos. Aproveitei também e fiz uma contagem parcial, depois de ler que Susan Sontag vendeu sua biblioteca de 20 000 livros por 1 milhão de dólares. Faltando alguns nichos e prateleiras, cheguei a 780 livros. Devo me aproximar dos 1 000 livros. Pelos meus cálculos, sou a feliz proprietária de 50 mil dólares em livros. Óbvio que em terras tupiniquins, ninguém pagaria uma soma exorbitante destas. Pouco importa. Meus livros são companheiros, amigos para todas as horas. E estes, definitivamente não tem preço.
Lá fora agora, ouço o barulho irritante do cortador de grama e do podador das unhas de gato que recobrem os muros da casa. Coincidiu também da PML fazer a limpeza das ruas para o Natal. O barulho é infernal. Mal ouço o CD de Rimsky – Korsakov que toca no aparelho de som. Quem me acalma são os incensos de Alecrim que me cercam. E sei, reconheço e quero que o jardim tenha seus cuidados: gramas desinçadas e aparadas, galhos podados, plantas tratadas. O verão com o sol escaldante, temperaturas exorbitantes e chuvas torrenciais (assim espero) acenam para os próximos dois meses.
Enquanto isso, olho à minha volta.
Muito ainda por fazer e providenciar. Devo ter comentado, senão, comento agora: Tenho trazido para meu Xangrilá móveis e utensílios antigos, gastos e estropiados. A ideia é comprar o mínimo de coisas novas e reciclar, reavivar a história de toda a vida que faz parte deste lugar. Tem coisas para sucatear. O tampo de mosaico aguarda finalização. Algumas telas precisam vir para cá. Aqui é o lugar delas. Também aqui é o meu lugar. Como também é o lugar de muitas novas histórias que estão por vir.