Você já teve um ET em casa?

Eu já. Aliás, aprendi a conviver com ele. Ou melhor, tento. Diariamente. Há anos.

Em 2017 conheci uma pessoa incrível. Não lembro do nome dela, nem da sua fisionomia. Era uma mulher entre 45 e 50 anos, em fase terminal de câncer. Suas palavras, seu projeto e sua postura frente ao desfecho final da vida me marcaram profundamente.

Nos encontramos num jantar harmonizado, na extinta loja de vinhos Carvalho Francês, do ladinho de Santo Antônio de Lisboa, em Florianópolis. Sentamo-nos lado a lado, numa mesa retangular para 10 pessoas, e logo fomos conversando sobre tudo. De onde éramos, o que fazíamos, trabalho, moradia, família, momento de vida … Ela era jornalista e me falou do seu câncer. Estava no lucro há mais de 3 anos. O prognóstico inicial era de uma sobrevida de 6 meses. “E você?”

Contei da casa nova e do marido recém aposentado em casa. Ao que ela replicou: o ET baixou em casa e ninguém sabe como agir com ele? 

Arregalei os olhos e ela completou:

“Sei como é isso! De repente, aquele que sempre saía de manhã e só voltava à noite, passou a ocupar todo espaço da casa o dia todo; você e seus filhos, acostumados a almoçar o trivial básico, de repente, tem de atender aos pedidos de uma mesa posta, suco natural, salada e três tipos diferentes de comida, tudo servido em travessa,  na copa ou na sala de jantar. Adeus pizza de almoço em frente à TV. Tudo o que sempre aconteceu e deu certo, começa a ser questionado, quando não, sumariamente modificado. Os filhos ficam mais tempo fora de casa, a empregada se esgueira pelos cantos, tentando não ser notada, e, sobra pra você, a esposa, a tarefa de adaptar o ET aos hábitos e costumes da casa. Costumes esses, existentes desde que vc se conhece como gente. O difícil é quando o ET insiste em não se adaptar. O alienígena quer implantar um novo mundo, um novo jeito de existir naquela casa – a sua casa. Sabe o que acontece, né? Às vezes, só um advogado na causa, pois a guerra inter-mundos pode ser bem complicada, e podem precisar de um mediador.”

Enquanto aquela sábia e irreverente senhora careca de peruca estranha, sorria com o canto dos lábios, olhei para meu marido, e identifiquei o ET, ali, do meu ladinho, rindo, bebendo e se divertindo com os outros possíveis ETs daquela mesa.

Depois de trinta anos trabalhando longe de casa, da cidade, do estado e até do país, a aposentadoria parecia algo merecidíssimo (e é). Morar à beira mar era projeto antigo. Meu marido se preparou para este momento da vida. Eu, pelo visto, não. De repente, alguém acostumado a liderar milhares de funcionários nas mais diferentes obras de engenharia pesada, alguém ocupadíssimo que só aparecia ou à noite, ou nos finais de semana, aterrissou em casa e encontrou apenas duas pessoas para comandar. Eu e a empregada. Os filhos foram lançados ao mundo naquela outra fase: o famigerado Ninho Vazio. É, a vida anda a galope e passos largos na direção contrária de onde tudo começou. 

Meu companheiro de uma vida inteira, queria mudanças e não media esforços para implantá-las. A casa entrou em choque. Eu também. A empregada sabia quem pagava seu salário e foi logo se adaptando. Traíra. 

Já eu, tinha um território a preservar, uma vida estruturada para manter. A barricada foi armada. Os dias começaram a ser de nuvens e chuvas torrenciais, rajadas de vento, raios e trovões. O caos foi se instalando.

No Japão, após longa pesquisa, foi confirmado o aumento da depressão entre as esposas de companheiros recém aposentados. A teoria sistêmica já identificava, há décadas, pontos de tensão e possibilidade de stress em vários momentos do Ciclo Vital Humano. A aposentadoria é um deles.

Passados alguns anos daquele jantar, a harmonização doméstica continua sendo um desafio constante. Como em toda guerra, ganha-se algumas batalhas, perde-se outras. Tem dia que dá vontade de chutar o pau da barraca e entornar o balde, mas então, lembro daquele antigo e sábio provérbio popular “do limão, uma limonada”. 

Abri mão da cozinha e das compras de supermercado, mercado público e açougue. Perfeito. Também abri mão de questões burocráticas e desgastantes com a empregada, pagamentos e toda a burocracia que o viver agrega. Graças a Deus. Coloco em prática diariamente as máximas “nada vai fugir”, “não existe nada que não possa piorar”, “a gente aprende errando”, “Fulano é quem decide, isso não é comigo”. Aleluia. Aprendi a delegar e pouco me importar. Não gostei? Sigo em frente. Como bem dizia minha sogra “Você tem dois ouvidos: um pra deixar entrar, outro pra deixar sair.” lálálálálá

Se consegui domesticar meu ET? Não. 

O ET conseguiu implantar todas as mudanças que queria? Também não. 

Às vezes, o campo está minado. 

Conhecemos a artilharia e as barricadas um do outro. Aprendemos a respeitar o território alheio e quais batalhas valem a pena lutar. Nem tudo merece nossa energia, sossego e bem estar.

Assim, de pouco em pouco, conseguimos vislumbrar o céu de brigadeiro. É quando entendemos o valor do bom combate.  Aquele que vale a pena o esforço.

Identificou o ET na sua vida?

Você tem lutado o bom combate?

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