Organizando livros

“Aproveitem o espaço, 

este sol maravilhoso,

jájá voltam todos para a biblioteca”

– escura, empoeirada e apertada –

“Gostaram dos companheiros da noitada?

Sinto dizer, mas a maioria volta pro mesmo lugar,

com o mesmo companheiro do último ano.”

Minha empregada ri.

“Tá rindo do que?”

“Da senhora falando com seus livros.”

Dou-me conta de que ando falando com gente esquisita:

plantas, animais, livros, a casa que me cerca, o mar, o sol, a lua, as estrelas, as conchas…

isso quando não estou falando comigo mesma.

De qualquer forma, amo estes monólogos imateriais.

Coisa de gente louca, para alguns

Coisa de gente sozinha, para outros.

Tá tão complicado dialogar com as pessoas!!!!!

É quando organizo meus livros que fico mais preocupada:

Sei que os li – a grande maioria – mas não lembro de tê-los lido.

Nada que leio me soa familiar.

A genética familiar para Alzheimer me assombra.

Ao manusear o livro “Para sempre Alice” de Lisa Genova sinto calafrios.

Não sei se por ter assistido ao filme e lido o livro, mas

lembro de detalhes da história que aborda a doença degenerativa de uma profissional jovem e dinâmica.

Em parte, leio muito, pois sei que a leitura é um dos melhores exercícios para ativar a memória.

Mesmo assim, esqueço.

Penso em reler alguns títulos. Desisto.

Minha amiga Mônica, enfática, dizia:

“Tem livro bom demais para ler. 

Pra que perder tempo com livros ruins?”

Parafraseando minha amiga:

Pra que perder tempo com livros que não deixaram nenhuma marca? Nenhuma pista?

Melhor ler os novos.

E o que fazer com as revistas?

A coleção de revistas Cláudia e Viagem – de quem fui assinante por anos – foi doada. Várias revistas, livros escolares, de publicidade e de leituras obrigatórias também. Presídios, escolas e creches certamente aproveitaram as caixas recheadas. Mantenho minhas revistas Casa Vogue.Não consigo me desfazer delas. De tempos em tempos, distribuo alguns exemplares pela casa:

A decoração é atemporal. A Casa Vogue também. Os olhos se enchem e a casa se enche de novas e antigas imagens e ideias. É esta a ideia de decoração vibrante e atemporal que me formou decoradora. Reviso meus conteúdos de x em quando. De olho nas antigas Casa Vogue. Será que ainda são publicadas?

Livros de poesia. Adoro. Pra ler num vapt vupt.

Tem poesia que precisa ser relida: 

uma, duas, três, tantas vezes forem necessárias.

Decidi esparramar poesia, arte e decoração por toda casa.

Livros, livros, livros e mais livros.

Uma poesia por dia? E pq não?

São tantos livros …

Quem sabe o desafio tome jeito. Vou tentar.

Assim deixo esta turminha respirando por mais tempo.

Vou poetizar.

Terceiro dia entre os livros: Cansei.

Olho na mesa ao lado: continua empilhada de livros.

O escritório/biblioteca continua um caos. 

Sabe quando bate aquela apreensão?

Me informaram que amanhã chega visita. Sinto muito,

vou logo avisando. Vão ter de conviver com meus amigos desencarcerados e esparramados pela casa.

Meu marido diz que não dá. Nem ele consegue conviver com esta desarrumação.

Problema dele.

Se é pra juntar amigos, que todos se respeitem.

Posso garantir espaço nas poltronas. 

As mesas já estão ocupadas.

É nesse ponto que me perco. 

Nas últimas prateleiras. Nos últimos livros:

tem indiano, sueco, alemão, sul-africano, sudanês.

Tem tudo e todos.

Tudo vira uma grande salada de estilos.

Tem livros bons, livros da adolescência, da época da universidade, tem livro que nunca li nem vou ler, livros abacaxis, tem pra todos os gostos e maus gostos também…

Como ajeitar todo este povo?

Assim como gente, 

tem livro que não se adapta, nem se encaixa.

São únicos. Excepcionais?

Não necessariamente geniais.

O fim de semana foi de caminhada, conversa com os amigos, pizza, descanso.

A biblioteca está hibernando. 

Alguns livros continuam nas mesas respirando e aguardando.

E eu me calibrando. Tem muito ainda a fazer.

“Poemas” de T.S. Eliot tem me acompanhado.

Ando boiando nas poesias de 1920. 

Leio e releio, releio de novo.

Minha leitura de respiração. 

Respiro e leio. Bóio entre as linhas.

Respiro.

Certeza de não precisar comprar mais nenhum livro.

Há muitos ainda para ler, muitos pra reler.

Enquanto der, reponho.

Colinas agradece.

Quando eu morrer, a pequena cidade onde nasci,

herdará minha biblioteca. Testamento pronto.

“Encaixotando minha biblioteca” de Alberto Manguel

me inspira,

 e CÉUS, a biblioteca dele tinha 35.000 livros

– 15.000 a mais que Susan Sontag –

desumano e divino. Acho.

Esta biblioteca estava instalada num celeiro, no interior da França, onde ficou por mais ou menos 15 anos.

Alberto Manguel foi morar num ap em New York.

Que destino foi dado a estes livros?

O fim desta empreitada literária é uma viagem:

livros trazidos de todas as partes de mundo, livros de viagem, mapas, guias da Folha de São Paulo, etcetcetcetc

Livros dos meus filhos. Kevin &Haroldo, Onde está Wally, Uma história por dia, Cinderela, Mobby Dick, A Bela Adormecida …

Retirei adornos e decorações.

Apaixonada pelo clean do espaço. 

Enfim, limpo. Organizado.

(Vislumbro as gavetas, material de papelaria, documentos, pastas, cartões, papeis, equipamentos antigos. Esta parte não me pertence. Irritada com o agito que me cerca. Rita Lee morreu. A tristeza é avassaladora. “Herdando uma biblioteca” de Miguel Sanches neto será meu companheiro do dia.) 

Deixe um comentário

Preencha os seus dados abaixo ou clique em um ícone para log in:

Logo do WordPress.com

Você está comentando utilizando sua conta WordPress.com. Sair /  Alterar )

Foto do Facebook

Você está comentando utilizando sua conta Facebook. Sair /  Alterar )

Conectando a %s