Desde que comecei a atender em Jurerê – Florianópolis/SC, tenho observado algumas mudanças significativas na forma como os atendimentos evoluem. Isso desde o primeiro paciente, entre 2016/17. Um ou outro se tornaram exceção.
Quando iniciei meus atendimentos presenciais, o maior desafio era criar uma clientela, ser conhecida e reconhecida. Não lembro mais quem foi meu primeiro paciente. Possivelmente porque ele veio apenas uma vez e nunca mais retornou nem o contato nem ao consultório. De lá para cá, com a chegada da COVID19 e o início dos atendimentos online, pouca coisa mudou.
Faz muito tempo que não trabalho mais com a ajuda de uma secretária. Bons tempos aqueles. Toda parte burocrática ficava com ela, enquanto eu apenas atendia e me preocupava com os conflitos e evolução dos meus pacientes.
Hoje, desde o primeiro contato, tudo é combinado e acertado entre mim (a terapeuta) e o paciente: horários, valores, pagamentos, faltas, remarcação de horário, enfim, o dia a dia de um relacionamento profissional, onde o terapeuta planeja e organiza tudo o que acontece, ou não acontece, no consultório ou atendimento online. Com o passar dos anos, a experiência e a evolução tecnológica, tenho dado conta de atender a todas as demandas: minhas e dos meus pacientes. Assim penso eu.
Um dos motivos, possivelmente, tem a ver com a clientela reduzida, desde sempre. A questão não é marcar a primeira consulta. Pesquisas no Google batem recorde e contatos via Whatsapp, idem. A questão é o envolvimento e a permanência em atendimento por um longo período. Uma raridade.
Uma ou duas sessões. Um mês. E o paciente começa a desmarcar sessões até, finalmente, decidir que não precisa mais de atendimento. Ele se sente bem e seguirá em frente sozinho. Obrigada. Se precisar, volto a te procurar, ok?
Ok.
Todos os entendimentos psicanalíticos para o corte abrupto e a finalização do acompanhamento psicoterapêutico de forma tão precoce, num primeiro momento, abalaram minha confiança. Segui em frente, sempre analisando o que ocorria.
Com o passar do tempo, e discutindo com colegas que atendem no mesmo bairro, percebi que elas sofriam do mesmo problema. A baixa adesão era uma característica local. Um ou outro permaneciam mais tempo: 6 meses, 1 ano. 2 anos. Meu recorde. A maioria era turista no consultório. Vinham como quem vinha por temporada. Ou seja, num balneário recheado de turistas e gente de fora que se apaixona por Floripa, em algum momento desistem e vão embora. Abandonam casa, amigos, planos, empregos, sonhos e, a psicoterapia. Além desta categoria, outra muito comum é aquela de quem tem pressa e vem em busca de conselho, resultados e soluções imediatas. Senão, byby. Outros vem apagar o fogo, o incêndio de suas vidas. Sempre que a operação rescaldo falha, eles somem e voltam uma ou outra vez. Até sumirem de vista, definitivamente.
A ideia de continuidade e profundidade no atendimento psicoterápico, cada dia se distancia mais na realidade de hoje.
Lembrei de um antigo livro de Zigmund Bauman – Amor Líquido (depois vieram o Sociedade Líquida, o Medo Líquido, e tantos outros Líquidos) e entendi que o processo que estamos vivendo, pouco tem a ver comigo ou com o formato da Psicoterapia. O que estamos vivendo é uma verdadeira e profunda revolução de costumes e valores, onde a profundidade das relações não combina com a superficialidade da sociedade fast food em que vivemos.
A maioria das relações se tornaram líquidas, passageiras e superficiais. Inclusive a relação psicoterapêutica. Tudo precisa ser rápido e superficial. Tempo é dinheiro e relacionamentos são descartáveis.
Como dizem, “A fila anda”.
Inclusive entre os psicoterapeutas. São poucos os pacientes que aguentam ouvir o que não querem, sem sumir a perder-se de vista (a realidade dói, machuca, assusta) em busca de outro veredicto, e assim, até chegar o dia em que as coisas são como são e ponto final. Vou constelar, seguir um guru, terapias alternativas, grupos de apoio do serviço público, etcetcetc.
Aquele trabalho árduo de associação livre, sonhos, sinais e insights talvez esteja irremediavelmente perdido no passado.
Consola saber que existem alguns que ainda buscam o autoconhecimento e não soluções a jato. São raros, mas, habitam este Novo Mundo.
Como tudo nesta vida, para sobreviver é preciso se adaptar. E cada vez mais ouço sobre “pacotes de atendimento”. Tipo: leve 5 sessões pelo preço de quatro. A velha e boa Psicoterapia Breve (com mais ou menos 3 meses de duração e foco definido) precisa se adequar num pacote promocional.
Tenho uma colega que trabalha assim. Dias atrás me disse que cobra antecipado por 5 sessões. É tempo suficiente pra quem quer de fato resolver suas questões.
OooooooKkkkkkkkkkk.
Será?
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