Sei de quando te conheci.
Os anos eram os 70.
Ingênua e tímida, cheia de tesão,
sonhos e planos.
Ovelha negra eu era ou queria ser.
Lia revistas de surf morando na roça.
Nas paredes, pôsters de Peter Frampton e Rick Wakemann. E Black Sabbath.
Barulho pra espantar gato dizia meu avô.
Colecionava LPs. Roberta Flack embalou meu primeiro amor.
Platônico. Como eu.
Amorteci minhas fomes em ti.
Embalei meu bebê quando devia estar num banco de escola.
Corajosa, me atrevi.
Ovelha Negra me tornei.
Sei de quando te conheci.
Menina sonsa que fui, engravidei cedo demais.
Engravidei tantos sonhos, tantas dores, tantos sacrifícios.
Aprendi no tranco. Na dureza da vida. Na prestação de contas.
A vida cobra. Sempre cobra.
Há de chegar o dia deste acerto de contas.
Nas paredes, as primeiras telas. Bordadas.
Suburbana. Cafona.
Nos braços, o peso do dia a dia. As sacolas de supermercado.
Meu bebê.
Quando nos conhecemos
não podíamos imaginar pra onde a vida nos levaria.
Seguimos as ondas. Deixamos a correnteza nos levar.
Me embrenhei em matos. Você também.
Espinhos nos feriram. Rosas, perfumaram.
Despenquei em precipícios.
Subi aos céus.
De quando te conheci, aprendi, enfim, a te conhecer.
A vida subjugou a ingenuidade.
Os amores platônicos não sobreviveram.
Perderam-se os pôsteres.
O bebê cresceu. Saiu de casa e ganhou o mundo.
Geramos planos. Engravidamos sonhos. Parimos vida.
Crescemos e nos tornamos adultos.