Entre a arte e as coisas da vida

Cá estou eu, mergulhando a nadando de braçada no lodo da política brasileira, subindo de vez em quando à tona pra respirar arte e serenidade. Porque de resto, a vida segue: família, trabalho, casa, amigos, faxina, jardim, agendamento de exposições, literatura, grupo de estudos … e minhas aulas de cerâmica.

Depois de tanto tempo, eis que trago pra casa minhas primeiras cerâmicas esmaltadas. Por recomendação da professora esmaltei apenas algumas das menores peças. Pra aprender. Pra registrar. Porque cerâmica é uma arte milenar e é preciso observar e anotar o resultado das experiências. E fui logo corrigida: não estou pintando cerâmicas. Estou esmaltando. Estou depositando minérios que se fundem em temperaturas de até 1300 ºC. Eis o resultado:

arte8Meio chinfrim minha primeira experiência … mas é assim com praticamente tudo na vida: começa pequeno e meio sem graça. Depois melhora.

A boa notícia é que me sinto cada vez mais integrada e familiarizada com o universo argilino (e pensar que tudo começou pelo amor à Psicologia e Arteterapia). E cada vez mais, minhas cerâmicas expressam meu estilo e ganham minha assinatura artística.

 

 

Hoje resolvi extrapolar na esmaltação e fazer todo tipo de experimentação. Misturei tudo com tudo em mais de vinte peças. O  resultado final, de roer até as unhas do pé, só daqui uns 15 dias.

 

 

Este contato com o barro tem me dado chão.

Tem me dado tempo.

Tem ampliado conceitos.

Tem me apresentado à pessoas muito bacanas.

E foi assim que conheci a “Maga das Velas”, a mundialmente famosa Maria Pessoa. Uma artista que já expôs velas em diversas galerias da Europa, fez matérias para várias revistas nacionais e internacionais, produziu velas para lojas de grife, enfim, me senti no Jardim de Infância das velas artesanais. Maria, minha colega de velas e cerâmicas me mostrou quanta coisa posso fazer com a parafina e também com a argila. Percebi o quanto é possível fazer quando nos permitimos pensar “fora da caixa” e dar asas à experimentação. Sem medo de ousar ou errar.

Mas ela e as velas serão tema de um próximo post. Em breve.

Arte em poesia

Fui crocheteira, tricoteira, bordadeira, tapeceira.
Linhas, lãs, agulhas e pontos me teceram meiga e carinhosa.
Acolhedora insaciável.
Aprendi a domar minhas entregas
pra não ser desperdiçada.
Me embrulhei em papeis, tesouras e estiletes
e recompus minha história em álbuns de retratos decorados.
Foram anos acertando pontas e redefinindo arestas.
Me apaziguei.
Perambulei por panos e fitas, letras e livros.
Me diluí nas tintas.
Vieram tempos desérticos e secos.
Dor. Decepção. Depressão.
Das paisagens áridas surgiram belezas.
Os cactos e as pedras
sopraram resistências e bravuras.
Dos espinhos vieram flores. Das pedras, esculturas.
Endureci.
Me impregnei de barro e pedra.
Fui ser ceramista e escultora.
Na paisagem, vislumbro muitos e novos tempos
O inóspito, como e desde sempre, me torneará.
Me bordará com novos fios.
No mosaico da vida, esperneio e encaixo. Aprecio a paisagem.
Das pedras ao ferro.
E depois ao pó.

O muito que se faz com pouco

O scrap, assim como o patchwork, o mosaico, a literatura, a pintura e tantas outras artes, existem graças à união de quantidades incertas de vários materiais e inspirações. O muito que se faz com pouco engrandece retalhos de tecidos, fitas e linhas; papeis, colas, folders, ingressos e mapas; azulejos, pastilhas de vidro, cacos de porcelanas e espelhos; palavras, frases e clichês; potes, tubos e latas de tintas e texturas.

O universo da sucata pode ganhar nova vida, função e utilidade. Ou, pode sumir no lixo.

Como arteira deste mundo encantado em desuso ou descartável, encontro verdadeiros tesouros do passado, possibilidades para o futuro. Tem gente que adora casa nova. Também eu as adoro. Mas, é nas casas antigas que encontro surpresas e antigas novidades em forma de antiguidades de valor inestimável. Sótãos e porões me encantam pela promessa que representam. Caixas velhas e esfarrapadas, sacos plásticos mofados e socados em fundos de armários e prateleiras, aconchegam o que poderia ser importante mas se perdeu no tempo e no conceito do que deveria ter sido.

A vida também é assim. Nas catacumbas da nossa existência existem verdadeiros tesouros perdidos e mofados. Incompreendidos e mal interpretados. Acredito em lembranças perdidas e esquecidas nos fundos de baús corroídos de cupins e carcomidas por traças. São lembranças que quando remendadas restauram a história do que a gente foi e no que se transformou. Acredito que nem toda lembrança é traumática e dolorosa. Como bem afirmou James Hillman “Talvez nossa vida seja menos determinada pela infância do que pelo modo como aprendemos a imaginar nossa infância.” Entrar em nossos becos mais escuros e revirar fatos e fotos, imaginações e divagações pode ser uma ótima maneira de nos reconhecer sem medo. Pouco importa o passado que tivemos. Importa o que fazemos com ele ou com o que deixamos que ele faça conosco.

E nele certamente habitam o mistério e a magia.

Tinta e poesia

As pessoas sempre me perguntam o que são minhas telas. O que elas – as telas –  representam. Arte não se explica. Se sente. Digo que elas são o que a pessoa quer que sejam. Arte Moderna tem disso. Minha arte – nada mais é – do que um portal para meu inconsciente.

Espero sempre – que o inconsciente de quem ganha, compra ou admira as telas – sinta-se atiçado e reivindique expressão. Que transborde e aponte o que tem a dizer.

Preparei algumas telas para presentear no Natal. Algumas eram promessas antigas e precisavam ser cumpridas. Me tintei toda. Borbulhei inteira. Depois de prontas, admirei cada uma delas e pensei: o que cada uma teria a dizer?

Fuga

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Se pudesse eu fugiria,

fugiria das grades, dos pântanos, do branco espectral.

Me confundiria com o céu azul e o vermelho alegria,

me lançaria em golfadas

para a vida, para o mundo.

Se pudesse …

Cá estou.

Abismo Sideral

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O céu e o inferno se querem,

se buscam, se encontram.

Dançam no ritmo da Rumba, da Salsa. Lambada. Tango. Jamais uma Valsa.

Fazem gráficos. Tiram medidas. Avaliam-se.

Não importa o que conspira,

o que constela no vácuo, no espaço de pontos.

Estalactites, estalagmites.

A beleza do abismo. O encanto sideral.

Nana nenê

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“Nana nenê que a cuca vem pegar

Papai foi na roça, mamãe já vai chegar.”

Chegamos, os dois.

Sonhe com os anjos azuis, com o sol de amarelo.

Vibre com o vermelho e o laranja da vida.

A Sombra existe. Respeite-a.

Nana nenê.

Estaremos sempre com você.

Flowers

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Obra prima de Deus.

Fálicas e ginecológicas.

Flores. Flowers.

Um buquê.

Candelabros de Luz

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Queria me acertar

Pra lá me fui, pra cá me perdi.

Quem sabe mais uma camada.

Mais cores, mais amores.

Mais uma tentativa.

A perfeição que não existe.

A harmonia que insiste. Persiste.

Ficarei

  • – por ora –

perdida e deformada.

No pano de linho retangular,

tento, tento, tento, tento…

Retomo as tintas. Me jogo inteira.

Candelabros azuis surgem.

A luz me abraça.

 

 

 

 

A arte que nos cerca

“Em 2006, enquanto tecia uma trama em metal e vidro no atelier, uma aranha apropriou-se dos fios que a prendiam no espaço e iniciou sua própria construção: uma teia que contornou o trabalho por inteiro. Pensei em expulsá-la quando notei que sua trama era semelhante à minha. Durante um mês, trabalhamos simultaneamente na mesma hora. A iluminação que entrou pelas telhas de vidro projetou uma sombra da parede ao chão do ateliê e evidenciou ainda mais a semelhança entre as duas urdiduras. livro Lume_Clara FernandesAtravés deste véu de sombras, percebi uma possibilidade de trabalhar não apenas com o palpável e visível que caracteriza a obra em termos formais, como também com seu entorno.” (Clara Fernandes, LUME, pg 06) Com estas palavras, a artista e tecelã Clara Nunes, inicia o relato do que foi tecer e montar sua exposição chamada LUME. De mesmo nome, o pequeno e belo livro de capa dura, com fotos das esculturas ambientadas tanto em São Paulo como em Florianópolis, explora a intenção e a percepção da artista com relação a sua obra. “LUME não é, por assim dizer, somente o objeto-obra, mas também o que existe em seu entorno – de onde ela parte e para onde converge.” (pg 17)

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A obra tem um diálogo próprio e impressiona de formas diferentes quando presa no concreto da metrópole, ou, livre e solta nas areias da praia. Esta percepção remete a questões de tempo e espaço, estar dentro e fora. Conforme a posição a obra transmite um ritmo, uma imagem, uma impressão. Uma nova perspectiva.

Já no ateliê da artista, a sensação é de envolvimento. As obras desfilam no entorno e disputam espaço com teares, tapetes despretensiosos, materiais orgânicos, lãs naturais, fibras, linhas, uma rígida saleta de estar, um piano. Ah, este piano! Imaginei qual o pensamento da artista, ao sentar na banqueta e sovar a melodia nas teclas. Talvez busque o sossego e o descanso das mãos e das ideias. Talvez, encontre o desespero nas notas desafinadas o desatino da incompreensão do que está por vir, da obra incompleta que se apresenta desconjuntada e fragmentada. 
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Mesmo assim, adoro o ambiente bagunçado e multifuncional dos ateliers. Os cheiros que impregnam o ar, a mistura de cores, texturas e possibilidades. Existe algo de sagrado nestes espaços de criação e inspiração. Nada de regras e limites, apenas a liberdade para criar e perceber a versatilidade dos elementos, toques, recortes, pinceladas …

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Aprendi com a artista Clara Fernandes que existe uma infinidade de recursos disponíveis à nossa volta. A natureza é generosa e extremamente engenhosa. Alguém já imaginou trançar, galhos, sementes, barba de pau, lã e arame?

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Um vestido no cabide! Como se fosse uma tela ou um biombo! Diáfano e leve como o vento, foi uma peça encomendada para um evento artístico (filme, peça de teatro). O fio leve da seda tecido com toda a imperfeição e genialidade humana .

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Galhos se inserem no arame e na partitura. Assim, fica esquisito. No todo, algo se apresenta. É arte sem explicação. Apenas, sensação. Ou, como já ouvi dizer: o artista cria um conceito, uma idéa, desta idéia, surgem outras. O certo e o errado, não existem. Existe sim, a complexidade e a singularidade do sentimento e sensibilidade humana. E cada um é senhor/a destas emoções.

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Afinal, nem toda obra dialoga com a gente. Tem obra sem sentido e vazia, muda e surda, que não nos diz nada.

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Um vestido rendado. Imperfeito, esguio e selvagem. Olhei pra ele e me vi correndo numa praia deserta. Me afoguei na sensualidade e na sensação de liberdade. Óbvio, que um vestido destes fica perfeito como obra. No armário, nem pensar.

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De palha, arame, barro, cipó. Casulos. Ninhos. Prisões. Ou apenas, um ventre gerador de vida. Questão de perspectiva.

trama Clara Fernandes

Em meio a tanta divagação e criatividade, eis que surge uma centenária e singela roca de tear. Vinda direta dos contos de fadas,  a roca tem sua função na construção e confecção de muitos teares e peças artísticas.

rocaOu seja, o próprio ateliiê cria uma certa dicotomia entre tempo e espaço, dentro e fora, subjetivo e objetivo. Exatamente do jeito que a artista sugere em seu livro LUME.

Apenas guarde ……

Li na semana passada – entre outras coisas – o livro “A Vaca e o Hipogrifo” de Mario Quintana e o artigo “No topo da arte” da revista Cláudia, de setembro. Parece que vieram como Romeu e Julieta, o famoso doce mineiro goiabada e queijo – e quem não gosta? – e acabei fazendo uma associação, quem sabe, profética. No mínimo, previdente. O artigo termina com um comentário do marido de Adriana Varejão – a artista plástica no topo da arte – aconselhando-a a não jogar nada fora e afirmando que “Daqui a alguns anos, você vai gostar. Guarde e espere”. Pedro Buarque, o marido em questão, é colecionador de arte, e deve entender das coisas. Lendo Mário Quintana – e observando a seleção particular do que gostei e não gostei dos seus poemas, prosas e mini prosas –  pensei nos meus projetos, abortos de romances, contos, poemas e ideias recusadas pelo meu crivo atual, e resolvi guardar tudo. Alguma coisa vai para o blog (meu arquivo digital experimental), outras para uma pasta, provisoriamente intitulada, IDEIAS. Quem sabe um dia, eu, ou alguém goste. Porque, dos mais de 200 títulos do livro do Mario Quintana, gostei maximorum de 50 (e estou sendo generosa, pois contei 31 páginas viradas, mas devo ter esquecido de marcar outras de que gostei). Ou não entendo nada de arte ou literatura – e por isso não gosto – ou, um dia vou entender e gostar. Por isso, vou guardar e esperar.