O que ando lendo

Pouco. Muito pouco mesmo. Faz mais de mês que me arrasto com o livro de Scott Turow: “Heróis comuns”, sobre a Segunda Guerra Mundial. Meio livro lido. Mais de 200 páginas de um total de 420. Tenho lido vários livros sobre este período histórico. O objetivo é me preparar para ler a biografia de Hitler depois de 4 tentativas fracassadas. 

Se bem que, fevereiro também não foi um mês muito bom para a leitura.

1. “A consciência de Zeno” consumiu pelo menos duas semanas de leitura estafante, meticulosa e pouco atrativa. Se tivesse prestado mais atenção, teria começado lendo o último capítulo sobre a Psicanálise e só então iniciaria a leitura. Escrever o livro foi a prescrição psicoterapêutica feita pelo psiquiatra de Zeno para aplacar seu vício por cigarros. 

2. “Assim foi Auschwitz” de Primo Levi e Leonardo de Benedetti, conta o que foi o Holocausto e Auschwitz através de textos e testemunhos. Logo após o término da Segunda Guerra Mundial, pouco se falava sobre o assunto dos campos de extermínio. Os dois escritores sobreviveramnos campos de concentração nazistas e tomaram para si a missão de quebrar o silêncio, documentar, escrever e publicar sobre o ocorrido, a fim de evitar que este horror aconteça novamente.

3. “Arte como terapia” dos filósofos Alain de Botton & John Armstrong é uma leitura muito interessante. Como arteterapeuta, foi o primeiro texto de arteterapia que li nestes últimos anos. O papel e a importância da arte como terapia, como símbolo e identidade pessoal, regional, nacional e internacional. Pra quem gosta do assunto, o livro apresenta obras de arte e projetos arquitetônicos conectados ao contexto histórico. 

4. “Clarice Lispector – Pinturas” de Carlos Mendes de Sousa – Vc sabia que Clarice Lispector também pintava? No livro aparecem fotos das obras de Clarice, seu interesse pela pintura, amigos artistas, reportagens e entrevistas e conecta a escrita e a pintura da escritora. 

PS. Sorry!!!! Além de ler pouco, tenho escrito pouco também. E o pouco que escrevo tem sido tipo “anotação”. Nada de grandes revisões. Tem valido mais o registro da vida que segue e acontece. Uma hora, quem sabe, talvez num passe de mágica tipo varinha de condão, se abra um portal e a literatura volte a aparecer.

Entre a arte e as coisas da vida

Cá estou eu, mergulhando a nadando de braçada no lodo da política brasileira, subindo de vez em quando à tona pra respirar arte e serenidade. Porque de resto, a vida segue: família, trabalho, casa, amigos, faxina, jardim, agendamento de exposições, literatura, grupo de estudos … e minhas aulas de cerâmica.

Depois de tanto tempo, eis que trago pra casa minhas primeiras cerâmicas esmaltadas. Por recomendação da professora esmaltei apenas algumas das menores peças. Pra aprender. Pra registrar. Porque cerâmica é uma arte milenar e é preciso observar e anotar o resultado das experiências. E fui logo corrigida: não estou pintando cerâmicas. Estou esmaltando. Estou depositando minérios que se fundem em temperaturas de até 1300 ºC. Eis o resultado:

arte8Meio chinfrim minha primeira experiência … mas é assim com praticamente tudo na vida: começa pequeno e meio sem graça. Depois melhora.

A boa notícia é que me sinto cada vez mais integrada e familiarizada com o universo argilino (e pensar que tudo começou pelo amor à Psicologia e Arteterapia). E cada vez mais, minhas cerâmicas expressam meu estilo e ganham minha assinatura artística.

 

 

Hoje resolvi extrapolar na esmaltação e fazer todo tipo de experimentação. Misturei tudo com tudo em mais de vinte peças. O  resultado final, de roer até as unhas do pé, só daqui uns 15 dias.

 

 

Este contato com o barro tem me dado chão.

Tem me dado tempo.

Tem ampliado conceitos.

Tem me apresentado à pessoas muito bacanas.

E foi assim que conheci a “Maga das Velas”, a mundialmente famosa Maria Pessoa. Uma artista que já expôs velas em diversas galerias da Europa, fez matérias para várias revistas nacionais e internacionais, produziu velas para lojas de grife, enfim, me senti no Jardim de Infância das velas artesanais. Maria, minha colega de velas e cerâmicas me mostrou quanta coisa posso fazer com a parafina e também com a argila. Percebi o quanto é possível fazer quando nos permitimos pensar “fora da caixa” e dar asas à experimentação. Sem medo de ousar ou errar.

Mas ela e as velas serão tema de um próximo post. Em breve.

A pintura como método arteterapêutico – Diálogos do Inconsciente

O artigo científico de conclusão do curso de Arteterapia ganha forma e conteúdo.

O tema: a Pintura como forma de expressão, uma ferramenta psicológica de alto impacto, incrivelmente prazerosa e reveladora do universo inconsciente de cada um de nós. Alguns chamam esta técnica de Pintura Espontânea, outros de Pintura Intuitiva.

Gosto de pensar que são Diálogos do Inconsciente.

Afinal, qualquer um pode praticá-la, pois não é necessário nenhum conhecimento prévio na arte pictórica. Sei do que estou falando. O resultado são telas exclusivas e cheias de personalidade. Por este motivo, decidi desbravar o que acontecia quando juntava lona preta, tinta, telas, varetas, água e pinceis + a vontade quase insana de ganhar espaço e encontrar alguma forma de revelação para minhas emoções. O resultado sempre me surpreendeu. O processo também. Entender teoricamente o que fundamenta a arte abstrata, como e porque ela acontece, foi mais que atender uma exigência acadêmica. Foi uma busca pessoal e um desafio profissional. Uma extensa referência bibliográfica já fundamenta o que tantos outros já viveram e sentiram. De Pollock a Miró, Picasso e Kandinsky, Anita Malfatti, Di Cavalcanti, Portinari e outros tantos.

Todos, artistas a frente de seu tempo, conectados a seu próprio tempo.

Deste extenso trabalho, estudo e reflexão, uma nova construção profissional ganha forma. Um reinventar-se acontece. E tudo, absolutamente tudo, decorrente da escuta atenta do que a intuição e o inconsciente pessoal tem a dizer. A mim, a você, a qualquer um que esteja aberto a mergulhar nas profundezas do próprio mundo interno.

“ A pintura permite que o “invisível se torne visível”. (Paul Klee)

 

Jornada Arteterapêutica – Para viver o tempo

Já visualizo textos encadernados, ciclo fechado, fins de semana livres e nada de correria de última hora em busca de materiais, sucatas e textos. Depois do Sound Book, da Síntese Arteterapêutica, enfim a Jornada em Arteterapia. Depois, e quase por último, o Artigo Científico, com data de entrega para abril de 2017. Meu tema? A Arteterapia como terapia, escrita em 1a pessoa: o relato do que foi meu curso, as vivências, insights e aprendizados pessoais. Se eu quiser colocar a mão em mais um certificado, a de Arteterapeuta reconhecida e cadastrada pela Associação dos Arteterapeutas, um cem número de horas de estágio e supervisão me aguardam. Durante o ano que passou, quando algumas colegas iniciaram seus estágios, optei por esperar para quando estivesse atendendo em consultório.

A ideia original ao escolher e fazer o curso de Arteterapia era me reaproximar e retornar à Psicologia (depois de tempo demais longe do consultório), sem muita cobrança e exigências, mas, sempre com muito prazer. Terminar o curso – pelo menos a parte teórica – era o tamanho ideal. Assim, o título de Arteterapeuta, em nenhum momento, pesou para a evolução e finalização do curso. Sabia que participaria dos 3 anos de formação. Como psicóloga, vejo a Arteterapia como um acréscimo bárbaro no atendimento clínico. E pra quem pensa que Arteterapia é tipo uma Terapia Ocupacional, está muito enganado. Eu mesma me surpreendi com o efeito de muitas técnicas e entendimentos psicodinâmicos. São ferramentas e técnicas de trabalho que ampliam e diversificam ainda mais o meu fazer terapêutico, assim como o Coaching Pessoal e tantas outras formações realizadas ao longo do caminho. Sem contar, no passeio que fiz pela teoria analítica de Jung (e que pretendo transformar numa grande expedição), outro referencial teórico que certamente fará alguma diferença.

Enfim… o tema e a própria jornada.

material publicitário usado para divulgação da jornada.
material publicitário usado para divulgação da jornada.

“Jornada Arteterapêutica de finalização do curso de formação de terapêutas em Arteterapia pelo instituto Incorporar-te:Espaço Terapêutico Corpo Artes, no qual foi vivenciado o tempo com mais prazer e consciência. Essa vivência aconteceu no dia 03/12, em Florianópolis. As terapeutas em formação : Andréa Mosqueta, Carol Schesari, Giovanna de Medeiros Cargrin, Helen Cristina Ferreira, Margareth Amud, Marina Luz Rotava Paim, Nanci Hass da Cruz e Suzete Herrmann, conduziram essa vivência.”

momento de falar de expectativas
momento de falar de expectativas

Trabalho em argila.
Trabalho em argila.

O olho de Deus.
O olho de Deus.

Musicoterapia, dança, exercícios respiratórios, meditação.
Musicoterapia, dança, exercícios respiratórios, meditação.

Uma das ferramentas usadas na Arteterapia é a contação de histórias. O conto escolhido foi o fio mágico.

Um pouco de teoria: Aión, Cronos, Kairós e Anenké. Os deuses do tempo.
Um pouco de teoria: Aión, Cronos, Kairós e Anenké. Os deuses do tempo.

O tempo segundo grandes pensadores da história da Humanidade.
O Tempo, segundo grandes pensadores da história da Humanidade.

 

A semana que passou.

Ainda bem.

Assisti Prometheus e sua ideia de engenheiros da criação. Haja criatividade e crueldade na concepção do que seria a gênesis do Universo.

Amanheci com a notícia de que a delegação da Chapecoense + convidados + jornalistas caiu próxima ao Aeroporto de Medellin, na Colômbia. Comoção mundial. Emoção, dor e incredulidade. Convenceram-me de que “todo conto dá conta”: O ferreiro e a tecelã + o conto da verdade = Mulheres que correm com lobos. Preciso reler o clássico de Clarissa Pinkola Estés. Concluí que a dança circular – para mim – é puramente meditativa. Disseram-me que os chacras são como vórtices de energia. E assim, através do chacra ligado ao coração (não me perguntem o nome que se dá ao dito cujo) fizemos um exercício meditativo enviando energia, consolo e amor para as vítimas, familiares e a cidade de Chapecó. Depois de mais uma noite alternativa no espaço da Cida, em Jurerê, confirmei que esta tribo ainda me é bem estranha. Desconfio que voltei ao modo de funcionamento estressado de ser e estar.

Aquele avião que caiu, caiu por uma pane seca: FDP do empresário/piloto, que pra economizar, não respeitou sequer a autonomia de 3000km que a aeronave tinha, nem solicitou pouso antecipado pra não ter de pagar multa. Morreram 71 pessoas. Indignação e revolta. Ódio da ganância e da petulância humana.

Namoro, vinho, briga, insônia. Quando a crítica extrapola, a vontade é de não existir. Fugir. Desaparecer. Qualquer dia destes.

O sol da 5a convida a um passeio na praia. Minha lombar olha para as conchas e deixa passar. Nem elas convencem meu esqueleto a se curvar. Aliás, disseram-me dias atrás, que o que determina ser idoso ou não, são as articulações. OK. Sou uma senhora milenar. Já em casa, de novo, minhas plantas me encaram e imploram por comida: andam todas tão mirradinhas! Lá vou eu fazer papinhas e sucos de adubo, já que areia é pobre pobre de maré de si. O texto sobre kairós e chronos continua perdido no espaço. A tarde é de atelier. Leitura. Escrita. Quem sabe fisgue os tempos perdidos por aí.

Também não quero mais me curar do que sou. Li algo assim no livro “A mão esquerda de Vênus” de Fernanda Young. Descobri que quanto mais leio a mesma poesia – ou o mesmo livro – mais gosto e entendo do babado. Por isso vou reler o também inacabado livro “Toda Poesia” de Paulo Leminski. Enquanto isso, chronos e kairós continuam enigmáticos, e a cada minuto, mais urgentes. Procrastino com a pilha de livros em couro verde de Casanova. Dou uma espiada nas páginas amareladas e me convenço de que a leitura combina com o frio do inverno, com tardes chuvosas e solidão. E isso, parece que vai demorar. E o fim de semana chegou. A Jornada Arteterapêutica também: Para viver o tempo fechou um ciclo. A formação em Arteterapia está praticamente concluída. Elogios, feedbacks, gente nova, querida, diferente. Hora de pensar no que vem a seguir. Depois do ciclone avassalador e 12 horas sem energia elétrica, o almoço foi na Comunidade Católica. Jurerê quer uma igreja pra chamar de sua.

E eu, uma cama. Ainda bem que a semana passou.

A trilha sonora da minha vida

Para o curso de Arteterapia tive de fazer um Sound Book. A regra era eleger 3 músicas que marcaram minha vida a cada 5 anos. A tarefa é muito mais difícil do que pode parecer. Inúmeras músicas ficaram de fora. Mas valeu o exercício de escolher e reviver tempos e momentos inesquecíveis perdidos no passado. O objetivo da atividade foi contar e entender a própria estória de vida através das músicas. Para as músicas de outros idiomas, a tradução é imprescindível. Acompanhando cada uma um trabalho artístico em folha A3 (ou meia cartolina) com cores distintas e símbolos/imagens que a música desperta. Ou seja 33 trabalhos. Haja inspiração, giz de cera, lápis de cor, tecido, papel, etcetcetc. As músicas que elegi como as mais representativas, seguem abaixo.

sound-book-1

Dos 0 aos 5 anos

  1. Roda Cotia
  2. Atirei o Pau no Gato
  3. Os Futuristas no jardim

Dos 5 aos 10 anos

  1. Noite Feliz
  2. O Bom Miguel (Moacir Franco)
  3. El Condor Pasa (Simon & Garfunkel)

Dos 10 aos 15 anos

  1. Vira (Secos e Molhados)
  2. Baby I love your way (Peter Frampton)
  3. Hole in the Sky (Buraco No Céu) (Black Sabbat)

Dos 15 aos 20 anos

  1. Somebody to Love (Alguém Para amar)(Queen)
  2. Tragedy (Tragédia)(Bee Gees)
  3. The way things are (O jeito que as coisas são)(Blue)

Dos 20 aos 25 anos

  1. Top Gun (Take My Breath Away) – Tire Meu Fôlego
  2. Pintura Íntima (Kid Abelha)
  3. Eu sei que vou te amar (Tom Jobim)

Dos 25 aos 30 anos

  1. Superfantástico (A turma do Balão Mágico)
  2. Barcelona (Freddie Mercury & Montserrat Caballé
  3. (Everything I Do) I Do It For Yo (Tudo Que Eu Faço) Eu Faço Por Você  (Bryan Adams)

Dos 30 aos 35 anos

  1. Tocando em frente (Almir Sater)
  2. Who wants to live forever (Quem quer viver para sempre) (Sarah Brightman)
  3. La Isla Bonita (A Ilha Bonita) (Madonna)

Dos 35 aos 40 anos

  1. It’s my life (É a Minha Vida) (Bon Jovi)
  2. The memory of the trees (Enya)
  3. I don’t want to miss a thing (Eu Não Quero Perder Nada) Aerosmith – Armagedon

Dos 40 aos 45 anos

  1. Lifted (Erguido) (Lighthouse Family)
  2. Californication (Californicação) (Red Hot Chili Pepers)
  3. Big Girls don’t cry (Grandes Garotas Não Choram) (Fergie)

Dos 45 aos 50 anos

  1. Poker Face (Cara de Blefe) (Lady Gaga)
  2. A Thousand Years (Mil Anos) (Christina Perry)
  3. You’re Beautiful (Você É Linda) (James Blunt

Dos 50 aos 55 anos

  1. Ojos Asi (Olhos Assim) (Shakira)
  2. Rolling in the deep (Rolando Nas Profundezas) (Adele)
  3. Love Me (Me ame) (Joss Stone)

Encontrei as músicas no You Tube e converti para pen drive. O processo é simples e fácil. O tutorial segue abaixo:

sound-book-2

Cores e símbolos que se repetem + a letra das músicas + a percepção dos fatos e acontecimentos da época dão a diretriz de todo o entendimento do Sound Book. O que mais me impressionou foi o fato de ter escolhido – na sua maioria – músicas de língua inglesa sem entender nem conhecer as respectivas letras. O que sempre me cativou nas músicas foi o ritmo e a vibração, o timbre de voz e a entonação. Com a tradução em mãos, descobri que elas retratavam o que eu vivia e sentia.

De todos os trabalhos feitos no curso, sem dúvida, este foi do que mais gostei. Reviver o passado e perceber minha evolução como ser humano, ou como dizem, minha Linha do Herói, foi bem esclarecedor. Saber o que norteia minhas escolhas, perceber e confirmar o que de fato importa na minha vida verificando que grande parte dos meus dilemas, conflitos e ilusões já estão integrados, me tranquilizou.

Independente da interpretação do Sound Book, escolher as músicas que marcaram a própria vida pode ser uma excelente atividade pra qualquer um. Que tal arregaçar as mangas e fazer esta seleção?

Cinderela, um Conto de Fadas – parte 1

Introdução

Cinderela, ou, A Gata Borralheira é o conto de fadas mais conhecido, e possivelmente, um dos mais apreciados em todo mundo. Existem mais de 300 versões do conto. As mais conhecidas são as de Perrault e a dos irmãos Grimm. O conto é antigo, sendo que uma das primeiras versões remontam à Elieno, orador e narrador romano, no século três. Outros atribuem as primeiras aparições do conto, à China do século nove, quando se falava da heroína dona de um incomparável pezinho. Pés pequenos para os chineses eram um sinal de virtude extraordinária, de distinção e beleza, sendo um costume na China antiga, enfaixar os pés das mulheres para torná-los extremamente pequenos, bonitos e delicados.

Qualquer conto de fada é a expressão mais pura e simples do psiquismo inconsciente da coletividade. Os contos são o esqueleto da psique. Eles tentam descrever um fato psíquico – normalmente complexo – de difícil representação quanto aos mais diferentes aspectos. A quantidade de contos e suas numerosas versões tornam-se necessárias para que possam penetrar a consciência, sem que o tema seja totalmente exaurido. Jung chama de SELF a totalidade psíquica do indivíduo, mas também, define o SELF como o centro regulador do Inconsciente Coletivo. Ou seja, indivíduos e grupos tem suas próprias formas de experienciar a realidade psíquica. Por isso, diferentes contos de fada retratam diferentes fases desta experiência individual ou coletiva.

Segundo Marie-Louise von Franz “nossa tradição escrita data aproximadamente de 3.000 anos e o que é mais interessante, os temas básicos não mudaram muito.” (pg. 12) Constatou-se a aparição dos mesmos temas, em milhares de variações nos mais diferentes lugares, como: França, Rússia, Finlândia, Itália, etc. As diferentes versões do conto, sugerem diferentes versões das várias formas de Arquétipo, podendo tornar-se símbolo central de algum evento ou crença humanas.

Jung define o arquétipo como “ … possibilidades herdadas para representar imagens similares, são formas instintivas de imaginar. São matrizes arcaicas onde configurações análogas ou semelhantes tomam forma … Seja qual for sua origem, o arquétipo funciona como um nódulo de concentração de energia psíquica.” (Nise da Silveira, pg 68/69)

Assim, enquanto o inconsciente pessoal é decorrente de experiências e vivências individuais, o inconsciente coletivo é impessoal, comum a toda humanidade e transmitido hereditariamente.

Marie- Louise von Franz afirma que “ Um arquétipo é um impulso psíquico específico que produz seus efeitos como um único raio de irradiação e, ao mesmo tempo, um campo magnético expandindo-se em todas as direções.” (pg 11) Um arquétipo não é somente um pensamento padrão, mas também uma experiência emocional. Jung afirma, que se podem encontrar todas as Grandes Mães do mundo, todos os santos, e tudo que se possa imaginar, mas se não conseguirmos interligá-los à experiência afetiva do indivíduo, nada de substancial teremos. Afirma também, que todos os arquétipos acabam sendo contaminados, um pelo outro, no inconsciente.

Quanto à interpretação dos contos de fada, a autora afirma que “Interpretação é uma arte”, exclusivamente pessoal, tipo confessional. Segundo ela, pode-se interpretar o conto de fada, usando as quarto funções da consciência:

  • Tipo Pensamento: apontará a estrutura do conto e como todos os elementos se relacionam;
  • Tipo Sentimento: haverá uma busca por valores hierarquicamente mais importantes e valorosos;
  • Tipo Sensitivo: contenta-se em olhar e identificar os símbolos, para depois, amplificá-los;
  • Tipo Intuitivo: verá o conto em sua totalidade.

Possivelmente é o tipo intuitivo quem melhor entenderá o conto em sua totalidade, percebendo que o conto não é apenas uma história discursiva, mas, uma única mensagem com muitas facetas.

foto cinderela sapatos

Antes de apresentar a Análise Simbólica de Cinderela – num próximo post  é imprescindível apresentar o Conto (é só clicar na palavra Conto – em vermelho – para ir ao post com a estória completa de Cinderela, na versão dos Irmãos Grimm), listar os Capítulos, conforme temas específicos, a Estrutura Básica, os trabalhos artísticos, e só então, apresentar a Análise Simbólica (em processo de revisão). O Conto Pessoal, fechamento desta etapa da formação, aconteceu de modo imediato – quase instantâneo – no final de uma aula, alguns meses atrás.

Cinderela apresentação

Os Capítulos:

Onde tudo acontece: o mapa do conto.

Cinderela O mapa

  1. Era uma vez … Uma família feliz, com mãe e pai, atenciosos e carinhosos;

Cinderela Era uma vez

  1. A mãe adoece e morre… Mas antes, aconselha Cinderela a ser uma boa e piedosa menina;

Cinderela A mãe morre

  1. O pai casa novamente e Cinderela fica duplamente órfã… Cinderela é transformada em empregada da casa, pela madrasta megera. Surge a rivalidade das irmãs desleais;

Cinderela O pai casa novamente

  1. O pai dá presentes … Cinderela contenta-se com o galho de aveleira, que se transforma em árvore;

Cinderela O pai dá presentes

  1. O príncipe escolhe sua Princesa … São preparadas 3 noites de baile e o príncipe conhece Cinderela;

Cinderela Bailes

  1. A Procura … Quem é? O príncipe procura pela amada.

Cinderela A procura

  1. O Engodo … As irmãs – desleais – tentam enganar o príncipe, tentando de formas desesperadas fazerem caber o pé dentro do sapatinho;

Cinderela O engodo

  1. A Princesa é encontrada … O príncipe encontra Cinderela e casa-se com ela;

Cinderela A princesa é encontrada

  1. A cegueira das irmãs … No casamento, os pombos cegam as irmãs.

Cinderela a cegueira das irmas

A Estrutura Básica: Segundo minhas próprias observações e conclusões.

  1. Início: A morte da mãe – perda da imagem idealizada, mágica e irreal de si mesma
  1. Ruptura: O casamento do pai com a madrasta. Cinderela é transformada em empregada, as irmãs exigem vestidos e jóias, enquanto Cinderela, contenta-se com um galho de aveleira – a realidade e o pensamento mágico/etéreo impõe um Princípio de Realidade.
  1. Confronto: Cinderela vai aos três bailes, desafiando a proibição da madrasta;
  1. Superação de Obstáculos e Perigos: Cinderela foge do Príncipe, e de ser reconhecida, três vezes, pedindo ajuda aos pássaros e à mãe –
  1. Restauração: O Príncipe encontra Cinderela. O sapato serve como uma luva – A Identidade está quase definida.
  1. Desfecho: Cinderela e o Príncipe casam-se e as irmãs ficam cegas – A integração total do EGO.

Esta é a primeira parte – e a mais longa – do trabalho dos Contos de Fada. (Trabalho este que encerra o segundo ano da Formação em Arteterapia). É na Análise Simbólica (próximo post em Arteterapia) que estudamos os símbolos universais, integrando-os numa análise analítica (junguiana) para entender – não apenas o conto da Cinderela – mas também, futuros pacientes com suas produções artísticas e oníricas. Também seguem no próximo post, as Referências Bibliográficas que deram embasamento teórico à todo trabalho.

 

 

 

Escudos, armas, gritos de guerra, bandeiras e lemas de vida

Anos atrás fiz uma Academia da Vida, durante uma formação de Coaching Pessoal. De tudo que aconteceu naqueles dois finais de semana, num auditório de hotel na Avenida Paulista, em SP, ficaram duas certezas: Minha necessidade básica = Liberdade; Meu Lema de Vida = Fazer a Diferença.

Procuro seguir à risca estas diretrizes no meu dia a dia.

Meses atrás, num final de semana de Arteterapia (depois de duas ausências forçadas) fui atropelada por dinâmicas intensas sobre nosso Guerreiro Interior. Com duas faltas – dois meses – eu estava literalmente, boiando na maionese. Havia faltado duas aulas importantes, mas nada que me impedisse de realizar as atividades do Guerreiro (certamente, ainda uma cratera a ser preenchida em aulas de reposição com o grupo de Curitiba). Depois das dinâmicas iniciais, relatos, sentimentos etcetcetc  foi pedido que confeccionássemos um escudo de guerra. Minhas colegas logo entenderam o que era pra fazer e se jogaram no chão com cartolinas, canetas, guaches, giz de cera, tesouras, fios, e tudo que se pode imaginar que seja necessário a um escudo.

E eu, boiando na maionese.

Nesses momentos confusos, adoro me deitar e deixar o esqueleto se acomodar. Por isso, sempre levo meu colchonete de ioga. Tentei entrar no clima e deixar a imaginação fluir. À minha volta, escudos de Mulher Maravilha, Shel-ha e outras guerreiras celtas e gregas, estavam sendo confeccionados com energia e determinação. E eu, não encontrando nenhum contraponto e nada que combinasse comigo. Fechei os olhos e a imagem do filme Gladiador, em que os Centuriões posicionam seus escudos, num cercado protetor, me veio à mente. Um escudo retangular, protetor.

Esse era meu escudo. Um escudo de proteção.

Não sou guerreira de ataque. Sou defesa. Acalanto. Proteção. Minha guerra é na retaguarda.

Hora de confeccionar minhas armas: uma Peneira e Palavras. Quando entendi minha posição na batalha, foi fácil definir o que deveria me acompanhar nesta jornada. Sou essencialmente mediadora.

Meu grito de Guerra? Apenas minha apresentação. Nenhuma lua, nenhum sol, nenhum rompante ou atrito, me atiçam para a guerra. Nasci dentro do próprio fogo e nele me acomodo. Poderiam pensar que sou mansa. Não, apenas Serena.

Minha bandeira? A Paz. A Harmonia. O Bem Querer.

Meu Lema de Vida? Fazer a Diferença.

Não importa nossa posição no Jogo da Vida. Defesa ou Ataque, todos somos importantes. O que ficou da dinâmica do Guerreiro Interior é que devo ser fiel à minha maneira de ser e usar apenas as armas que se ajustam a mim e que sei usar. Se usar as armas dos outros, alheias ao meu jeito de ser, irremediavelmente, vou me machucar e me prejudicar.

Terapias

Retomei minha terapia.

Depois de muito, muito tempo, eis que me vejo sentada no chão, frente a frente com minha terapeuta. (Sim, psicólogo também precisa fazer terapia. E como precisa!!! Porque, pensando bem, como ele pode ajudar seus próprios pacientes, se não está com seus conflitos trabalhados? Quando comecei a atuar como psicoterapeuta, lá atrás, nos idos anos 90, além da psicoterapia individual, fiz dois anos de supervisão, e várias especializações nas áreas sistêmica, psicanalítica, e digamos, um rápido flerte com a linha junguiana – sem maiores conseqüências.)

Meu retorno à terapia, além de ser uma exigência do curso de Arteterapia, veio de encontro a uma necessidade pessoal. Estava na hora de costurar meus retalhos e colar meus quebrados. Afinal, quem não os tem?

Quando morava e atuava no interior do RS sempre que necessitava de algum “ajuste emocional” recorria aos profissionais conhecidos – professores e supervisores – de Porto Alegre. Chegando em Floripa meu desafio foi o da grande maioria dos leigos que se aventuram na selva exótica que é a Psicologia. Quem poderia ser meu terapeuta neste momento único da minha vida? Quem poderá driblar minhas muralhas e armaduras das mais límpidas e bem tecidas Defesas Psicológicas?

Optei por uma linha alternativa. Algo que conheço pouco, e exatamente por isso, de difícil controle. A ideia era fazer sessões de Arteterapia. Queria viver na pele as técnicas e teorias que aprendo no curso. E porque não dizer, queria aprender a ser arteterapeuta, vivendo, entendendo e vendo como usar meu novo arsenal de conhecimentos e adequá-lo ao que já conheço e pratico há décadas. Tipo, um encaixe. Ajustado e compatível. Não que as aulas, os ateliers, as dinâmicas e as ferramentas do curso não cumpram este propósito. Queria aprofundar e mergulhar, ainda mais, nos meus próprios insights.

A profissional foi indicada por uma colega da Arteterapia. Ela, a profissional, ao saber da minha expectativa, foi logo avisando que eu não me decepcionasse. Sim, ela tem formação em Arteterapia, mas usa ferramentas e técnicas de outras linhas e formações. Adepta de Reich, da medicina chinesa e do Sandplay Psicodramático. Além do crânio sacro essencial. Já viu, né ? E eu, Felizinha da Silva, animadíssima pra conhecer e me reconhecer neste inexplorado Admirável Mundo Novo. Um cardápio de terapias corporais, e quem diria, um pouco de teatro – em miniatura – mas, de novo, expressão corporal. A alemoa aqui vai ter que rebolar.

A Psicologia é composta por um leque de enfoques, linhas e Escolas totalmente diferentes entre si, mas absolutamente idênticas quanto ao objetivo maior: o bem estar do ser humano. Nem sempre a Psicanálise consegue resolver todos os conflitos emocionais, nem a Gestalt, a Cognitivo Comportamental. Nem mesmo a Linha Sistêmica que eu adoro. O ser humano é complexo e único. Como esperar que uma única linha psicológica dê conta de toda a gama de problemáticas, ciclos de vida e diversidade humanas?

Sempre fui adepta da utilização das técnicas mistas. O que a Sistêmica não resolve, a Psicanálise pode apresentar melhores resultados. Quem sabe o Behaviorismo de Skinner? Óbvio que não tem como lançar mão de tudo que existe. Seria o verdadeiro caos. Mas, conhecer e se aprofundar em duas ou três linhas, é absolutamente possível. Diria mais, recomendável. Num mundo tão dinâmico e fluido, como ser um pintor ortodoxo, usando uma única cor, quando a palheta de tons é tão generosa e multicolorida?

Assim, neste meu novo momento de buscar o novo, me vejo estimulada a beber e me embriagar de novos néctares, sons, sabores, cores e fontes. Não sei se vou gostar. Nem mesmo se vou prosseguir e evoluir por muito tempo. Afinal, sou talhada pela psicologia mais tradicional e conservadora daquele leque de opções. Mas, não posso esquecer jamais, que o ser humano só sobreviveu por ser absolutamente capaz de se adaptar. Física e psicologicamente. Corporal e emocionalmente. sandplay

Minha aventura psicológica está apenas começando. Um misto de apreensão e curiosidade me acompanham, mas principalmente, a vontade de vislumbrar-me de outro ângulo e perspectiva.

Cenas da Infância

O primeiro trabalho do curso de Arteterapia: poderia ter ficado melhor (sempre pode). Quando a gente está focada e concentrada em muitas outras prioridades, o melhor é inimigo do bom – que já está ótimo. Em meio a uma laringite, tosse, febre, construção, viagem e amigos, o trabalho foi se apresentando acanhado, com cara de obrigatório. Por isso, deixei ele na categoria de projetos inacabados. Quando a inspiração verdadeira chegar, as cenas de Infância vão ganhar mais cor e detalhes. Agora é só seguir o caminho.

DSC08445Era uma vez

uma mãe que queria dar um presente muito especial

para a filha que viria ao mundo em poucos meses.

Ela queria algo que ninguém tivesse na região:

um nome único e exclusivo.

Quando ouviu o nome Suzete

  • nome dado à filha de uma grande amiga da época do colégio –

ela soube que tinha encontrado o presente.

Mesmo com a filha nascendo num 13 de maio,

dia da aparição de Nossa Senhora de Fátima,

a mãe preferiu o nome de origem hebraica,

Suzete,

invés do nome cristão, Maria de Fátima.

Suzete significa lírio, puro, gracioso e imaculado.

A mãe jamais soube disso.

A filha, Suzete, acabou de descobrir. DSC08448Mas Suzete combinava com chiclete,

Croquete, gilete, espaguete, canivete.

Ela detestava isso.

Vieram os apelidos carinhosos:

Susi, para a família e os amigos;

Tuti, para o primo;

Schtipatche (pedacinho de gente) para o vovô Eugênio;

Stzukahetszie (coraçãozinho de açúcar) para a tata Naia.

O apelido que ficou foi Susi.

Depois vieram Su. Amor. Mami. Mamute. GAMV. Suzinha.

DSC08449Cresci numa pequena cidade do interior onde tudo era calmo e tranquilo. A casa onde cresci era antiga, com pé direito alto, cisterna e porão enormes, construída pelo meu tataravô. Víviamos em relativa harmonia: meus pais, irmão, avós, bisavós, uma tia-avó, vários gatos e horrorosos sapos. Criei-me solta, brincando nos potreiros, chiqueiros e estábulos, nos porões e sótãos das outras casas velhas, nos matinhos, nas árvores, na rua. Brincávamos nos dias ensolarados e nas noites parcamente iluminadas. Os maiores perigos eram as cobras, e o rio que banha minha cidade natal, a maior tentação nos dias de calor insuportável do verão. Descia as corredeiras dentro de câmaras de pneu de caminhão, balançava nos cipós das árvores ribeirinhas até cair nas águas profundas do rio. Somente anos mais tarde meus pais souberam destas escapadas perigosas. Na época, não pareciam nada perigosas.

DSC08421Tive vários gatos:

Mini, Mina, Mino, Mila, Mia …

e mais uma penca de gatinhos xucros que não consegui domesticar, muito menos batizar.

Eles iam nascendo e crescendo pelas frestas e buracos da casa.

Meu cachorrinho foi o Boby.

Ele adorava meu pai.

Que também o adorava.

O Boby era do meu pai.DSC08424Meu avô plantou um pomar.

Lembro das laranjeiras e bergamoteiras de várias espécies

Tinha uma goiabeira imensa e várias ameixeiras brancas e vermelhas, todas azedas.

Mas a planta de que eu mais gostava era da estremosa.

Na lateral da casa, haviam várias estremosas cor de rosa.

Elas foram cúmplices e testemunhas

de vários acontecimentos marcantes na minha vida:

do roubo dos amendoins de Páscoa

até o primeiro beijo na boca.DSC08425Éramos uma família católica.

Meus avós e minha mãe

faziam parte da diretoria da Igreja e cantavam no canto coral.

(Ainda hoje minha mãe rege o coral e toca órgão na missa).

Meu pai até se esforçava,

mas ele preferia chegar com a missa em pleno andamento,

de preferência no

“Vamos em paz e o senhor vos acompanhe. Em nome do Pai, do Filho, do Espírito Santo. Amém.”

Assim, cresci religiosamente dividida.

DSC08427Adorava Lentilha!

Modo de fazer: cozinhe a lentilha com cebola e batata inglesa partida em cubos, óleo, alho e sal. Se quiser coloque também linguiça, cenoura e beterraba. Não cozinhe demais. O ponto é “al dente”.

com Bolinho de Batata.

Modo de fazer: Rale a batata no ralo grosso, acrescente ovo, farinha de trigo pra dar liga, tempero verde, cebola picadinha e sal. Frite em óleo quente às colheradas até ficarem douradas. Deixe escorrer em papel absorvente.

DSC08428Momento embaraçoso,

foi quando,

brincando de cabra cega,

peguei na mão da minha amiga,

e levei o maior susto: pulei, rodopiei e gritei.

As mãos cheias de verrugas

a delataram.

Fiquei toda sem graça.

DSC08429Quando minha avó Anita morreu, chorei demais.

Ainda lembro como tudo aconteceu:

Depois de 10 dias internada, em coma, por causa de um AVC

– na época, a gente dizia derrame cerebral –

A freira do colégio onde eu estudava deu o recado: não lembro as palavras que ela usou

tipo, “Sua avó descansa agora no Reino dos Céus, está sentada à direita de Deus Pai todo Poderoso”, ou simplesmente, “sua avó acabou de falecer. Prepare suas coisas e vá pra casa”.

Só sei que saí de lá, peguei minhas coisas e fui.

Esperava pela morte, mas nunca estive preparada para ela.

Trancada no quarto, chorei, chorei, chorei, chorei, chorei, chorei .. Até não poder mais.

O corpo da minha avó

  • que era uma segunda mãe – chegou.

Ela foi velada e chorada na área de azulejos portugueses, na sala de jantar.

Era costume na época, as famílias velarem seus mortos em casa.

Nunca mais chorei a morte da minha avó.

Toda vez que sofro uma grande perda

Eu choro, choro, choro, choro, choro.

Me acabo de tanto chorar.

O choro acaba junto com a perda que se vai.

DSC08430Sempre fui bonequeira.

Adorava bonecas, roupinhas de bonecas, casinha de bonecas.

Também adorava a rua,

Brincar de pegar, de esconder, de carrinho de lomba, de caçador.

Adorava os matos, onde eu era a Jane.

Não lembro de nenhum Tarzan se esgoelando pelos cipós.

O cheiro verde de mato amassado

era o perfume da casinha na árvore,

onde, me parece, eu reinava absoluta.

DSC08432

 Esconderijos nunca faltaram na minha infância.

Na casa onde cresci

tinha um porão enorme cheio de móveis e baús antigos,

tinha também outros porões menores cheios de sucatas,

uma loja cheia de armários e balcões.

Muitas camas de ferro e cortinas por toda parte.

Sem contar no jardim, no pomar

e na plantação de milho que só acabava quando começava o rio.

Conforme a situação, o melhor esconderijo era escolhido.

Gostava mesmo era do porão enorme

– cheio de sapos e morcegos –

com cheiro de mofo e velharia,

era lá que eu me sentia totalmente protegida.

DSC08433Amigos

Sempre tive muitos:

Minha melhor amiga foi a Angela.

A Vera e a Chica faziam parte do quarteto.

Estávamos sempre juntas, as quatro, em duplas.

Depois veio a Márcia, que foi bem-vinda.

Já a Cristina, passou por umas provas meio endiabradas:

a gente não queria ela no grupo.

Acabou aceita com severas restrições:

Ela precisava nos obedecer.

O Carlinhos era o xerife

  • queria mandar em tudo e todos –

Coitado, foi meu primeiro amigo de infância a morrer. Já adulto.

Infarto. Algo pior, segundo as más línguas.

Fui no velório dele e não o reconheci.

A infância lhe caía melhor. Chorei por sua adultez sofrida.

Depois vieram os amigos da adolescência, os amigos da faculdade, do trabalho, do marido, dos cursos.

Mas, amigos como aqueles da infância,

nunca mais.

DSC08434Tom e Jerry,

Papa léguas,

A Corrida Maluca,

Penélope Charmosa,

Os Jetsons,

Perdidos no Espaço,

Rim tin tin

e Tarzan

alegraram minhas tardes

em frente à telinha colorida

da TV Telefunken,

quadrada, enorme, preta.

Coitado do botão que selecionava os canais.

Tec-tec-tec-tectectectectectectec.

Não lembro de roupas preferidas.

Usava o que minha mãe dava.

Normalmente, shorts e calças compridas

pra acompanhar as brincadeiras do dia a dia.

Lembro apenas de um casaco preto de astrakan com forro verde que usava no inverno.

A vaidade foi chegando de mansinho.

Vieram também as saias: míni, mídi, máxi.

Era uma briga acertar a altura da barra

E quem levava sermão era a costureira Selma:

Para minha mãe, estava sempre curto demais

Pra mim, sempre comprido demais.

Aprendi a transformar mídis em mínis.

Bastava enrolar na cintura

Longe do olhar da minha mãe.

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Cresci com apenas duas regras:

1.Estar em casa na hora do almoço, e,

2. Estar em casa quando o sol se punha. Para todo o resto eu estava liberada.

Transgreções e consequências:

Lembro do meu irmão chantageando:

“Vou contar aquela coisa”.

Que coisa? Não lembro.

Levei cintada do meu pai por causa daquela coisa.

Continuo sem lembrar da coisa.

Implicância do meu irmão?

Repressão e negação?

Pode ser qualquer coisa.

A amnésia continua.

A maior doença foi o crupe:

Do longo período de internação e isolamento, lembro das freiras brincando de roda ao redor da enorme figueira em frente à janela do quarto do hospital. Alucinação ou delírio de febre?

Somente a lembrança linda de um tempo difícil.

A doença, perigosa e fatal, levara minha tia Nelsi, décadas antes,

antes da minha própria mãe nascer.

Sobrevivi ao crupe para ter ainda muitos tersóis,

Joelhos e cotovelos permanentemente ralados,

“Inzibida colorida come casca de ferida”.

Na farmácia de casa não podia faltar:

Para os machucados: Água oxigenada, mercúrio cromo, neomicina, gaze e esparadrapo (daquele que arrancava a pele na hora de tirar);

Para a garganta: lenço com álcool no pescoço;

Para as gripes: Fontol Infantil com chá de limão, mel e cachaça;

Para fortificar: gemada, Biotônico Fontoura e Bálsamo Alemão.

Pra acabar com vermes e lombrigas: pão com manteiga e alho cru.

E, de vez em quando

uma benzedura, quando nada mais funcionava.

O homem do saco atormentou minha infância.

Mas, o único homem com saco grande,

  • possivelmente uma hérnia –

Era o pai da minha melhor amiga. E dele eu não tinha medo.

Mas, como todas minhas amigas morriam de medo do homem do saco,

resolvi ter medo também.

Depois, falaram nos palhaços assassinos,

Resolvi ter medo também.

Depois, comentaram da mula sem cabeça

Resolvi ter medo também.

Aí cresci, e como nunca vi nenhum homem do saco, palhaço assassino, nem mula sem cabeça,

Resolvi não ter mais medo de nada.

Até que surgiu o fantasma do velho Otto.

E depois, o professor Henrique, a Madre Superiora, a primeira vez.

Os medos apenas mudaram de nome.

Fui passar um “kerb” na Linha São Caetano,

Precisava cruzar o rio numa balsa,

Os carros ficavam amarrados com cordas,

e eu, ficava olhando a correnteza que trazia troncos e fazia redemoinhos na água …

Fiquei tonta e passei mal.

A dúvida que ficou,

foi se eu havia comido

seis, nove ou uma dúzia de ovos cozidos

em conserva na beterraba.

Zonza, ainda corri pro outro lado da balsa.

Queria ver a mistura de ovos e rio.

E vi que os peixes tiveram seu próprio “kerb”.

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 Minha história preferida sempre foi a Gata Boralheira, transformada em Cinderela.

Abóboras, fada madrinha, príncipe e sapatinho de cristal.

O enredo perfeito para o

“E viveram felizes para sempre”.

Não é o que todos queremos?

A felicidade eterna?

Moacir era gay.

O primeiro gay que conheci.

Na época, me disseram que era veado.

Não entendi.

Veado não é um bicho?

Disseram-me que ele era bicha.

Continuei não entendendo.

Afinal, bicha não é um tipo de bicho?

O que eu entendia era que Moacir

era meu primo e eu o adorava.

Ele escovava e arrumava meus cabelos com carinho, fazia penteados e cachinhos cheios de presilhas e flores coloridas.

Era também, o estilista das minhas bonecas.

Elas viviam na moda da cidade grande.

Ele tinha um tique meio nervoso,

Piscava o olho e dava uma risadinha histérica a “La Mozart”.

Os outros o olhavam de lado, de soslaio. Brabos. Sérios.

Ele e eu fazíamos a maior festa,

com direito a xixi nas calças e lágrimas nos olhos.

Ele era a alegria no seu estado mais puro.

Ele era um ser intenso e iluminado. DSC08439

O que você vai ser quando crescer?

Primeiro eu quis ser professora,

Depois, aeromoça, manequim,

Escritora, jornalista.

Por fim, virei psicóloga.

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Pra mim

Ser adulto era ser independente

e livre pra conhecer o mundo: Paris era o sonho de consumo.

Queria ter filhos, uns três, e meu próprio príncipe encantado.

Uma família de comercial de margarina. Perfeita.

Queria uma casa – que não fosse improvisada – maravilhosa e confortável.

Queria ser rica, bonita e feliz.

Queria trabalhar e ser reconhecida.

O que eu queria mesmo

era viver meu próprio conto de fadas.

E tenho me esforçado para isso.

Não é o que todos queremos?DSC08441

O gosto pelas escolas foi imediato e automático.

Da escolinha rural ao colégio de freiras na cidade, o universo infinito se revelou.

Pouco a pouco. E sempre.

Primeiro foi o encanto pelos carimbos e lápis de cor. Depois vieram as letras que se transformaram em palavras e frases, devidamente ensaiadas no caderno de caligrafia. Até hoje, tenho horror aos ditados. Continuo trocando x por ch, s por z, e por aí vai. Os números vieram depois, pra complicar o valor de quase tudo. Eles são misteriosos e enigmáticos. Aprendi a conviver com tabuadas e fórmulas, mas nunca abri mão nem da “cola”, nem dos dedos pra conferir as contas. As provas mimeografadas, com cheiro de álcool, inicialmente assustadoras, mostravam-se enigmas dignos de Mata Harry ou Sherlock Holmes. Quando chegava no X da questão. Conheci o globo terrestre: a terra girando entre as mãos nas aulas de geografia. Atlas e mapas. O planeta e o mundo em recortes. Sonhava conhecer o mundo.

A história da humanidade. A história do Brasil.

Surge a paixão pelo Império Romano e a Grécia.

Literatura brasileira: leitura obrigatória.

Depois vieram a Física e a Química – nem me perguntem porque – e outras matérias e atividades, idem.

Qual minha escola preferida?

Todas.

Nelson Branchiere, foi sem dúvida, O Professor.

Ele interpretava a história do mundo

no palco em frente ao quadro verde.

Ele se transformava em Napoleão Bonaparte,

Hitler, Dom Pedro I, Princesa Isabel, Cleópatra,

em qualquer deus ou deusa grega.

Ele era um artista na arte de ser professor.

DSC08450De todos os presentes

  • das singelas joias, do violão, de todas as bonecas e brinquedos, do primeiro relógio de pulso …-

o presente mais inesperado e adorado,

foi a caixinha de música em laca preta,

com motivos chineses,

forro interno de veludo vermelho,

e uma bailarina a bailar,

no ritmo da corda:

Tema de Lara. DSC08443

Entra ano, sai ano, as festas se repetiam:

Aniversários pediam bolo de chocolate e negrinho.

Invariavelmente, eu ganhava bibelôs

(que eu odiava)

O que foi feito deles?

Um, eu sei que sobrou.

Páscoa era uma delícia por causa

do ovo colorido no papel crepon,

recheado de amendoim doce;

Dia dos Pais, era dia dos pais.

Tinha refrigerante, beijos e abraços.

Dia das Mães tinha presente, refrigerante, beijos e abraços;

Dia das Crianças tinha presente surpresa com bolo de laranja, refrigerante e negrinho.

Natal era tudo:

da decoração do pinheiro, com um sem fim de bolas coloridas,

– pequenas, médias e grandes –

pisca-piscas coloridos, algodão com cara de neve, laços, anjo ou estrela no topo da árvore;

– velas nos candelabros,

– a feitura do presépio, um cenário preparado com rochas de papel, grama de potreiro, o espelho com cara de lago, para receber o menino Jesus na manjedoura, Maria e José, os Reis Magos, a mula, o camelo, o burro, os patinhos, as ovelhas;

– os doces com glacê branco,

– as músicas natalinas, a missa, os presentes.

O Natal era completo. Era a festa mais esperada do ano.

Depois vinha o Ano Novo;

foguetes e lentilha na rodoviária,

onde todos se encontravam

e desejavam um Feliz e abençoado Ano Novo.

Cheio de festas e algumas poucas variações.DSC08442

Meu pai trabalhava tanto-tanto-tanto

Que – dizia ele – não tinha tempo pra sonhar.

Já eu, menina,

sonhei tanto-tanto-tanto,

mas não lembro de nenhum sonho

pra contar história.

Até hoje, adulta,

custa lembrar dos sonhos da noite.

Assim como meu pai, que tanto trabalhava

Talvez eu

– uma hiperativa funcional –

torne impraticável ao inconsciente

Tornar conscientes todos os sonhos

De uma mente pulsante e vibrante. DSC08444

Fazendo Arteterapia

Quando optei pelo curso, pensei numa formação teórica e acadêmica. Na prática, estou fazendo uma terapia vivencial. Não sei quanto ao grupo – e cada um de seus integrantes.

Esta é nossa rede inicial: uma teia de necessidades e expectativas.

teia

Entre tantas dinâmicas e ferramentas este foi meu símbolo escolhido: a abstração de uma fênix: a concha e a casa – transformação. A concha que produz pérolas. A casa, literalmente em construção – na arte tridimensional representada pela base de PVC.

perola arteterapia

Assim como eu, nosso grupo está em pleno processo de formação e transformação: alguns vem, outros vão.

grupo de Arteterapia

O grupo é corajoso: todas em busca de si mesmas. O desbravar do inconsciente – uma tampinha de coca-cola no meio do oceano – e seus complexos, segundo a teoria de Jung.

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Minha primeira mandala. Tudo são inícios e princípios/primeiros/ primórdios. Pontos de partida.

Arteterapia 015

Teatro já no terceiro encontro. Nossas projeções. E, a certeza de ser melhor como atriz do próprio inconsciente.

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No caos de tudo que se inicia, uma ameba borbulhante. Quando tudo começa, a gente percebe coisas arrepiantes, para as quais, nem sempre se está preparada ou atenta. Importa estar aberta e deixar as reflexões emergirem.

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O complexo que emerge com a dor. Como reajo à dor? Pensei racionalmente que fosse pela natureza. Me enganei. Ao ver a foto – e não a imagem refletida no espelho – percebi que a dor me entristece. Se facilitar, me deprime.

mascara da dor

Quando pensei na máscara, pensei num Avatar, o filme. Certamente, tenho meu próprio Avatar. Minha própria armadura.

Mas, é no contato com a natureza que me reconecto comigo mesma. Conhecer quem sou na vastidão do inconsciente, é me preparar para entrar em contato com o inconsciente dos outros. Saber como funciono, me habilita para esta aventura terapêutica.

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Uma mandala transbordante

Uma palavra pra me definir neste momento: Mais preguiçosa que nunca!

Quatro palavras, e não uma. Como tudo que me cerca, ando vivendo de excessos. Coisas demais por fazer e/ou providenciar costumam me atrapalhar e desorientar. Livros empilhados, textos não escritos, blog rastejante, scraps inacabados, academia em suspenso, dieta idem … as vítimas desse demais e desta sensação enervante de ser preguiçosa.

Considero-me essencialmente pensamento, não ação. Mesmo assim, faço muito, e meu entorno insiste em sinalizar o quanto ainda falta. Fico ansiosa. Talvez me envolva com coisas demais por temer o abandono e a desistência. Insisto nas conclusões e finalizações, quando o desapego seria o mais sensato. Assim, fomento momentos e fases que congestionam o meu dia a dia, se chocam, não encontram espaço, escorrem por entre os dedos, escapam do meu olhar ou se perdem na neblina destes tempos chuvosos e invernosos, nas horas e semanas, felizmente termináveis.

Quem sabe perdi o ritmo! Cansei. Desanimei. Quem sabe, foram minhas prioridades que mudaram: o que era essencial tornou-se frugal e descartável. Tudo pode ser tudo. Ou nada. Neste momento, sinto que sou um tudo que se envolve e se absorve, se come e se devora toda por tudo e todos. Ando transbordante.

Confirmei isso ao fazer minha primeira mandala em Arteterapia.

Arteterapia 015

Iniciei o curso em abril. Um encontro de 10, 11 horas por mês: sexta à noite, sábado: manhã e tarde. Com o curso pretendo integrar o que gosto, faço e sou, trabalhar e compartilhar terapeuticamente minhas paixões: a psicologia, a literatura e as artes. Nesta técnica, acabei percebendo o quanto o todo está misturado em mim: o quanto preciso investir mais em algumas áreas, e menos em outras; no quanto a criatividade permeia minha vida; o quanto me incomodam os espaços vazios; o quanto minha família é importante. Nada que eu já não soubesse! Gosto desta intensidade circulante e transbordante. Dessa integração que faz da minha vida um universo total e às vezes, um caos global. Prefiro sempre somar, juntar. Dividir parece diminuir o que me é tão caro e importante: minha família, quem sou, do que gosto, o mundo circundante, a criação e o misterioso.

Arteterapia

Ou seja, meus núcleos atuais. O eixo central que me mantém de pé e me faz seguir em frente.