Cuidados

O céu de hoje esteve esplendoroso

azul rajado de nuvens, cruzado de fragatas e gaivotas.

O mar verde, puro deleite. A água, geladézima.

Os turistas, me pareceu, pouco se importaram:

Aventuraram-se.

Na areia, um cemitério de peixes e o alvoroço de corvos e abutres. A festa.

Caminho focada no coração.

Compulsões e perdições. Decepções.

O coração sofre. Tenho de me cuidar.

Cardumes de piranhas se alvoroçam.

O rei que pulsa em mim

Eis-me aqui deitada numa maca: à minha volta, sons estranhos. Bips assustadores.

Procuro lembrar-me de outros sons. Sons confortáveis: o vento assombrado assobiando lareira abaixo e que tanto assustou Inah; o mar que vem e vai, rugindo mais ou menos, mas sempre, todo tempo, o tempo todo; folhas que farfalham e desvestem árvores inteiras, forrando caminhos quebradiços de tapetes multicoloridos; o ronronar de tantos gatos que se foram e que voltam de vez em quando, em sonhos, em vida, em noites mal dormidas, em dias preguiçosos; pássaros de espécies incertas: será um sabiá? um tico-tico? um pardal? Certeza são os sons das corujas e das pombas, o grasnado dos periquitos. Inconfundíveis. Me arrepia o som das cataratas, dos córregos e rios em cheia, o som da chuva, das folhas que balançam ao vento, da brisa doce dos finais de tarde, do crepitar do fogo … do som do silêncio, dos LPs antigos tocando na velha vitrola, a voz de Freddy Mercury. Saudade do choro e das risadas, das vozes e gritos e cochichos das crianças e amores que transitaram – e ainda transitam – pela vida.

Mas, aqui na maca, deitada de lado, olho fixamente para o monitor: vejo e ouço a palpitação, o abrir e o fechar de anéis escuros, o cintilar dos azuis e vermelhos, formatos estranhos e irreconhecíveis ao meu olhar amedrontado, ao mesmo tempo apaixonado.

Seu coração está bem, me tranquiliza o médico.

Poderíamos gravar o som do coração? Pergunto.

Não, não dá. Ele responde. Ele entende de imagens que nada me dizem. Entende de teorias e estratagemas que pouco combinam com a poesia do coração que anda subindo alturas, suspirando e claudicando. A poesia do sentir. Disso entendo eu.

Definitivamente, ouvir e ver o próprio coração pulsando, gigante incrustado e empoderado, feito eco vindo das profundezas.

Eu o escuto, fascinada.

Ele me faz lembrar que viver é pulsar e impulsionar. Insistentemente e sempre.

Até o dia de tombar e cessar.

Desço da maca, me visto, agradeço. Estou bem.

Um rei me habita. Lhe devo maior respeito. Prometo ser uma súdita mais comportada.

Cortar sais. Caminhar na areia. Desanuviar grilos e lambisgoias.

Pra começar.