Quando estiver pronta

Manhã de sábado.

Acordo moída, doída. Dolorida.

A pernas mal suportam meu peso,

meus sonhos, projetos e devaneios, desejos e ensejos. Tanto ainda a fazer …

Vago sozinha pela casa.

Todos se foram. Vão voltar, sei disso. Hoje, amanhã.

Mais tardar na segunda-feira.

Volto pra cama. 

São 10 horas de uma manhã ensolarada.

Ouço o barulho do mar e 

os latidos estridentes dos quatro cachorros do novo vizinho. Coisa bem chata.

Nada que me atraia.

Nem mesmo o jardim recém repaginado nos fundos da casa,

as patas de elefantes e as fênix podadas; as espadas de São Jorge

eretas em vários tons de verde; nem as bromélias coloridas.

Nem mesmo os lírios da paz que se exibem na floreira da cozinha …

Nada, absolutamente nada, me convida a curtir o sol e o dia.

O quarto ainda está no escuro. Tá bom assim.

Tomo fluoxetina com leite quente e biscoito de maizena.

Abro as persianas.

A claridade do mês de maio, em pleno outono, 

é barrada pela cortina cinza de linho sintético.

Me embrulho no edredon, onde descubro o livro lido na madrugada

“O sol da meia-noite” de Stephanie Meyer. 

A história de Edward e Bella deve me confortar. 

A perspectiva é dele, Edward. 

Saber como homens pensam, me instiga.

Na cama e na penumbra lembro de coisas a fazer. 

Vou ler. Dormir. Sonhar.

Lá fora o mundo que dê suas voltas.

Quando der, ele que pare. 

Quando estiver pronta

Descerei.

A quinzena

Os dias passam, e cada vez mais, o cansaço me alcança. As pernas doem, a coluna reclama, os braços recusam a carga. Se me perguntarem o que quero, eu quero é dormir. Olhar TV desanima: só notícia ruim (é a COVID19, é a política, a corrupção, a inescrupulosa humanidade que tanto maltrata a natureza, os animais e seus semelhantes). Só notícia ruim. 

Duas semanas atrás me embrenhei, impetuosamente, no meu refúgio no RS. Precisava de silêncio, paz, sossego, leitura, música clássica, silêncio, a cama. O silêncio. O silêncio. Basicamente o silêncio. Era tudo o que eu queria. Me joguei na cama assim que cheguei. E lá fiquei por dois dias. 

Devagar fiz contato com o mundo, via telefone convencional, que aliás, pretendo manter.  Ele dá a medida perfeita da distância necessária pra me manter inteira. Aos poucos, dei sinal de vida e me coloquei à disposição. E cá estou eu, descarrilada de novo. Ao dizer “queres que providencie algo por aqui?” desabei ladeira abaixo: contratei um pintor e aluguei minha casa.  Meu refúgio, meu Xangrilá. Não tinha como não descarrilar!!!! Nem sempre o melhor ou o pior é o que nos deixa mais felizes. Muitas vezes é necessário agir, mudar, seguir em frente, desapegar.

A casa estava à venda há um bom tempo. E por mim ficaria assim ainda por um bom tempo … mas, andava cansada até do meu refúgio. Por isso, quando apareceram dois interessados – Ricardo e Marlon – para alugar, com possibilidade de venda futura, decidimos arriscar. Optamos por Ricardo. Imagina a viagem que foi preparar a casa de 27 anos, pra render uns trocos, reduzir o trabalho e praticar o desapego. Uma correria insana entre discussões contra e a favor de “isso joga fora”, “vou levar pra casa da minha mãe”, “vou levar pra Floripa”, “melhor deixar na casa”. Foi um leva e traz, empacota, contrata caminhão, acomoda apegos … enfim, fiz a minha parte e retornei à Floripa. 

Neste meio tempo, um acidente horrível, com a explosão de um caminhão carregado de combustível, interditou a ponte e atrapalhou enormemente minha rotina e de toda a cidade; aproveitei a volta pra Floripa e adiantei o implante dentário; chegando em casa, a triste notícia de que um pit bul mordeu o rosto da filha de 2 anos da minha assistente doméstica, ambas internadas. Me joguei na cama de novo. Cansada, aflita e revoltada.

Passados dois dias da minha chegada, ainda não descarreguei o carro. Tenho lido e escrito pouco. Comi todos os doces que encontrei pela casa + o proibidíssimo amendoim torrado = ansiedade máxima. Me refugiei no jogo de paciência Spider Solitarie no computador e nas mídias sociais.

É sábado e a ideia de caminhar na praia, tomar sol e retomar a organização da casa não vai acontecer. Acordei cedo demais – com o barulho da bomba de rebaixamento do lençol freático da obra da casa do vizinho.

Preparei meu coquetel de “levantar defunto”: vitaminas e antidepressivo. Para os sintomas, remédios.

O resto, o tempo ajeita. Tenho aprendido a me dar tempo e respeitar meu tempo. 

O consultório vai bem e ele me faz muito bem.

Assim como eu, tudo tem seu tempo. 

Há de chegar a hora em que o viver será mais brando.

Depressão de verão

Ela existe. Só pra fazer constar. É tema de livro e constatação da realidade de alguns. São poucos. Já que a maioria deprime na escuridão e no frio do inverno. Como se o sol e o calor não pudessem nocautear vivente!!! Põe na lona, sim. 

Uns pensam que é pressão baixa; calor demais; cansaço; stress. 

Poucos percebem-se deprimidos. 

Assim como o verão, este tipo de depressão também passa. 

Dizem os poucos estudiosos atentos ao tema, que a temperatura do sol da estação mais quente do ano, faz mal pra cabeça. Antigamente diziam que o sol cozinhava os miolos. É algo desse tipo. Por isso, suporto o calor debaixo de chapéu, sombrinha ou guarda-sol. Melhor mesmo é se resguardar em casa. Dentro da piscina, banheira ou mangueira. Ar condicionado ou ventilador. Na praia ou na serra. Se puder, evite as cidades, os prédios altos e o asfalto (a não ser que seja pra viajar). Dedique-se ao que vc gosta. Hobbies. Leitura. Crochê. Carteado. Use a inspiração e divirta-se. Pelo menos, evite cobranças desnecessárias. O ano, no Brasil, começa em março, depois do carnaval. Há uma certa sabedoria popular neste início tardio de todos os anos. Seria bom se assim fosse: simples, controlável e acessível a todos. Depressão é doença. Sempre é bom lembrar. Não escolhe gênero, idade, cor nem classe social. Absolutamente democrática.

É evitável? Às vezes. 

Se for depressão de verão, as temperaturas amenas do mês de março + algumas dicas acima podem minimizar seus efeitos. Se for mecanismo de defesa/evitação de problemas, vai passar quando o problema passar, ou mediante terapia. A meu gosto, do tipo psicodinâmica. Nem todo mundo acredita ou investe em autoconhecimento. Eu acredito e faço. E tem as grandes depressões. Do tipo psiquiátrico. 

Seja de qual tipo for, busque ajuda. Pesquise. Trate-se.

Posso não gostar do verão, das altas temperaturas e da luminosidade extrema. Mas a vida merece cor, atividade e atitude suportáveis. Não permita que uma doença, habitualmente controlável, limite sua vida. Troque de médico, de terapeuta, de terapia, de medicação. Faça as mudanças necessárias. Aquelas que berram no seu ouvido e oprimem seu coração. Mudança assusta? E como … demais … nem sempre … depende. 

Lembre-se apenas. A depressão não é um bicho papão. 

Domestique-a.

Controle-se e viva a vida. Jamais esqueça: a vida é bela!!!!

Anestesiada

Formigamento e cócegas e infinitas micro-explosões.

Ontem não senti o sal na sopa. Parecia insossa. Sem gosto.

Também não sinto o desassossego do coração.

A crueza dos sentimentos está há duas semanas das cartelas metálicas.

Companheiras diárias.

Foram elas que tiraram com a mão, talvez com foice,

a sensação de falta de ar, falta de vida, alegria e energia.

Empoderei quem me anestesiou.

Perdi o tato e o contato, amortizei o gosto das coisas.

Preciso voltar a sentir.

Viver é isso.

Sentir. Sofrer. Sangrar.

Chata

Intoxicada

de farinha, açúcar, café, vinho; claridade, calor, cupins, casa grande; roupas apertadas, velhas e esfarrapadas; notícia ruim, política podre; ressentimentos, mágoas, inveja alheia.

Intoxicada

de noites mal dormidas e livros ruins; de listas intermináveis e afazeres a perder de vista; de dias atarefados de futilidades. Facebook e Whatsaap.

Intoxicada

de cara feia, críticas e reclamações, de música, da professora de cerâmica; empregada atrasada, cheia de filhos e desculpas; dúvidas, incertezas, medos, decepções, ansiedade e angústia …

Caraca.

Tô azucrinante. A vida, desgastante. Existir, incomodante.

Caraca.

Virei uma chata.

 

 

Sociedade do Cansaço

Livro comprado de balaio em promoção Black Friday. O título me fisgou. Cansaço, foi a palavra chave. Na primeira tentativa de ler, abandonei o livro na terceira página. Filosófico demais. Dias atrás, vi no Facebook, o comentário de uma amiga – colega de Escrita Criativa, dos tempos de São Paulo – que o livro era “um soco no estômago”. Busquei o livro na prateleira. Fui ler. Um cruzado de direita. Esquerda, talvez. Ou no centro: estilo soco na boca do estômago. Como o livro Amor Líquido de Zygmunt Bauman, vou ter de reler. O texto é denso e complexo. Repetitivo em alguns momentos – possivelmente pra frisar e gravar a essência do todo: na sociedade de desempenho em que vivemos, somos ao mesmo tempo o explorador e o explorado; o algoz e a vítima; o senhor e o escravo. Sobre a depressão, uma perspectiva atual, distante do olhar freudiano.

“Freud concebe a melancolia como uma relação destrutiva com aquele outro, que foi internalizada como parte de si-mesmo. Com isso, os conflitos originários com o outro são internalizados e transformados num autorrelacionamento conflitivo que levaria ao empobrecimento do eu à autoagressividade. Mas não há nenhuma relação conflitiva, ambivalente com o outro, que tenha se perdido, que preceda a enfermidade depressiva do sujeito de desempenho atual. Ali não há qualquer participação da dimensão do outro. O responsável pela depressão, na qual acaba desembocando o “burnout” é antes de mais nada a autorrelação sobre-exaltada, sobremodulada, narcisista, que acaba adotando traços depressivos.

O sujeito de desempenho esgotado, depressivo está, de certo modo, desgastado consigo mesmo. Está cansado, esgotado de si mesmo, de lutar consigo mesmo. Totalmente incapaz de sair de si, estar lá fora, de confiar no outro, no mundo, fica se remoendo, o que paradoxalmente acaba levando a autoerosão e ao esvaziamento. Desgasta-se correndo numa roda de hamster que gira cada vez mais rápida ao redor de si mesma. Também os novos meios de comunicação e as técnicas de comunicação estão destruindo cada vez mais a relação com o outro. O mundo digital é pobre em alteridade e em sua resistência. Nos círculos virtuais, o eu pode mover-se praticamente desprovido do “princípio de realidade”, que seria um princípio do outro e da resistência. Ali, o eu narcísico encontra-se sobretudo consigo mesmo. A virtualização e a digitalização estão levando cada vez mais ao desaparecimento da realidade que nos oferece resistência.

O sujeito do desempenho pós-moderno, que dispões de uma quantidade exagerada de opções, não é capaz de estabelecer ligações intensas. Na depressão todas as ligações e relacionamentos se rompem, também a ligação para consigo mesmo.”

(Sociedade do Cansaço – Byung-Chul Han, p.90-92)

Pq não finais felizes?

Sabe aquele filme que vc assiste, tá chato, mas vc continua assistindo, insiste, acredita que haverá uma reviravolta, o filme ainda não mostrou a que veio e, de repente, a imagem some, e mais de repente ainda, sobem os créditos do filme, e mesmo assim, você fica plantado no sofá acreditando que miraculosamente, algo inesperado ainda pode acontecer naquele finalzinho do finalzinho? Pois é, tem livro que também é assim. Você começa a ler um autor novo. É o primeiro livro dele. Você sente a insegurança nas palavras das primeiras páginas. Você insiste, acha que o autor promete. Embarca no enredo. Se envolve. Vc sente que está chegando no ápice e que em seguida virá , como disse minha norinha, uma epifania, uma reviravolta cinematográfica, onde os maus serão desmascarados, os bons recompensados … Vc sente, acredita, espera. Mas nada disso acontece. De repente, o autor apresenta um novo personagem, diminui a ação do personagem principal, outro enredo ganha forca, você imagina que mais adiante os dois enredos e os dois personagens irão se encontrar – eles até se encontram – mas o primeiro personagem principal muda tanto de comportamento, abandona a carreira de promotor público e o país, mergulha numa depressão profunda em Paris, onde uma prostituta, do nada, aparece e o convence a ir pra Nice. Lá ele trabalha como garçom/ carregador/ um faz tudo e conhece uma mulher madura maravilhosa e milionária, ambos se apaixonam, vivem dois meses do mais ardente romance, e do nada, ela diz que ele deve retornar ao Brasil. Ela vai embora. Ele também. Ela vai pra Paris retomar a vida de milionária e ele vai a Berlim, sem saber porque foi pra lá. Entra numa discoteca, bebe os dois drinks a que tem direito, aceita dois comprimidos de droga, surta e é pego pela polícia, que por uma infelicidade, o agride violentamente e Armando – o personagem principal – entra em coma. Um neurologista alemão tenta ajudá-lo. Ele está melhorando. Percebo as páginas do livro acabando. Ele recupera mais e mais a memória, a ponto de lembrar-se da sequência de números do cofre onde deixou sua mochila e seus documentos na estação central de trens de Berlin. Ufa, que alívio. O médico bonzinho irá ajudá-lo a voltar ao Brasil, penso eu. Mas aí vem o fim de semana, a polícia descobre quem é Armando e o extradita ao Brasil. Quando o médico alemão chega para atendê-lo na segunda-feira e não o encontra, fica muito nervoso e revoltado. Eu também. Armando não estava pronto para ter alta. Edu, grande amigo, o irmão para todas as horas, circunstâncias e situações se desencontra de Armando em Nice, por inexplicáveis dois dias. Edu se desespera pela falta de notícias do amigo. Chora desconsoladamente e retorna ao Brasil. O cara foi uma amigo sensacional durante toda a narrativa. Adoraria ter um amigo assim. Na última página do livro, Edu, a esposa e o filho vão jantar. Na saída do restaurante vêem, um mendigo deitado de lado num banco próximo. Edu pede que chamem o Samu e vai embora. O Samu chega, o paramédico examina o morador de rua e diz que está morto há 30 minutos. Ao revirar os bolsos em busca dos documentos, encontra um passaporte, que acredita seja roubado, a foto destruída por um líquido vazado, onde o socorrista lê as últimas linhas do livro:

“Paris – Arrivé – Charles de Gaule”

“Berlin – Abfahrt”

Não sei não; às vezes, não foi bem assim!

FIM

Vontade de afogar o livro na banheira. Rasgá-lo em mil pedacinhos. Sacanagem o que o autor fez com o personagem Armando. Ele não merecia nada disso. E sim, eu me identifiquei com o personagem principal. Vislumbrava para ele outro desfecho. À medida que novos personagens e situações foram atropelando a trama principal, comecei a ficar irritada. Armando perdeu força e entrou numa depressão profunda e se perdeu. O promotor de justiça mais prestigiado do momento, cometeu um erro, não se defendeu, foi injustiçado e banido, abandonou sua carreira, seus amigos, seu país, e no final, morreu como mendigo. A trama poderia realmente acontecer? Tem tanta coisa absurda acontecendo que não duvido de nada. Poderia. Seria o pior dos cenários.

A verdade é que todos gostamos de um final feliz para filmes, livros, para a própria vida. O livro me lembrou em como podemos nos deprimir e nos destruir. O processo de se desvencilhar de tudo e de todos é leve e insidioso, e quando nos damos conta, entramos num caminho sem volta. A volta – sempre possível – é cada vez mais difícil e trabalhosa. A energia e determinação cada vez mais volátil. Histórias como a de Armando acontecem diariamente a nossa volta. Não as vemos. Nem lhes damos atenção. A morte como fim é misericórdia do autor. Porque muitos, morrem em vida. Perdem-se de si mesmos e viram zumbis humanos. Drogados, alienados, bêbados. Órfãos da sociedade, da família, de sonhos. Quantas vezes não é assim que nos sentimos? Lembro de uma professora de literatura que dizia que pouco importava o que era escrito. Importava como era escrito. E que boa arte, boa literatura tinha de chocar. Choquei!!!! O livro “Não foi bem assim – verdades e cicatrizes de um julgamento” de Francisco Almeida Prado é muito bem escrito e envolvente. Se vc tiver baixa tolerância à frustração, passe longe. Caso contrário, ótima leitura.

Areando panelas

Em algum momento, perdido entre minhas idas e vindas ao consultório, meu rebuliço nas tintas, entre o fogão, os livros e as mensagens de whatsaap, algo aconteceu. Não era nada daquilo que eu queria. Não que estas coisas não fossem importantes. Até eram. Mas não eram nem tão importantes, nem exatamente o que eu queria que fossem:

Retomar o consultório era resgatar o passado. Conhecido e bem sucedido. Será que ainda quero?

Pintar era conquistar algo novo, porém, jogado inadvertidamente em meu colo, sem consentimento ou querer bem. Um hobbie transformado em profissão? Quero realmente isso?

A cozinha sempre foi espaço meu de direito, desde que me conheço como neta da avó Anita. Entre bolos de cenoura com cobertura de brigadeiro, suflês de queijo e pipocas açucaradas, os anos desbotaram o sabor do delicioso trivial e exigiram moquecas e casquinhas de siri com azeite de dendê, macarrons, carne de paca com farofa de ameixa preta e vinho madeira, entre outras excentricidades com ares de sofisticação. Nos meus raros momentos de cerco ao palácio alquímico de casa, ando amassando massa pra fazer pastel recheado de carne moída com ovo e sem ar. De comer ajoelhada. E se for frita em banha de porco, beijo o chão.

Quanto aos meus livros, eles se bastam e se recolhem quando nada mais espero deles. Eles tem a delicadeza de esperarem sua vez. São companheiros fieis. Alguns, esnobes, entrincheiro entre os bons. Que aguardem!

Já minhas conexões virtuais – uma verdadeira epidemia universal – tem seu tempo e espaço, mas em hipótese alguma, dão conta do meu mundo e minhas necessidades. Coisas da modernidade líquida.

A casa, de repente, ganhou um novo general: marido aposentado tem disso. Acredita que precisa dar ordens e organizar tudo que está errado (e que sempre funcionou maravilhosamente bem).

Cedi, pra evitar a terceira guerra mundial entre vassouras e panelas. Cedi, mas não engoli tamanha intromissão. Estou areando as panelas.

No osso

Ontem não senti o sal na sopa. Parecia insossa. Sem gosto. Sem osso. Não senti também, o desassossego do coração. A dor da alma. A depressão. Sentimentos crus. Duros. Opacos. Doídos. Sentidos no osso. Tirei com a mão, a sensação de falta de ar, falta de vida, alegria e energia. Quimicamente empoderada, assassinei meu momento.

Meu tormento.

Meu lamento.

Era quando eu era mais eu.

Mentes Depressivas

Li o livro Mentes Depressivas – as três dimensões da doença do século, de Ana Beatriz Barbosa Silva, por estes dias. Ao longo dos anos, foram vários os livros lidos e apreendidos sobre o tema, que lê-lo neste momento, teve sabor de revisão e descoberta. Entre a infinidade de tópicos já conhecidos (causas, sintomas, diagnósticos diferenciais (depressão X tristeza), tratamentos e comorbidades) algumas surpresas, atualizações e novas perspectivas.

Além de ser vista como uma questão epidêmica de saúde pública, a depressão adulta tem aparecido cada vez mais cedo, a partir dos 20 anos, em vez de 30 anos ou mais, como era observado nas décadas de 1980/1990. Ou seja, cada vez mais a depressão aparece mais cedo

A autora discorre sobre os vários tipos de depressão:

  1. Depressão Clássica (Depressão Psicótica, Depressão Atípica, Transtorno Afetivo Sazonal – TAS);
  2. Distimia;
  3. Depressão Bipolar;
  4. Depressão Circunstancial (pós-luto, por esgotamento profissional, episódica (natalina e ano novo), de desajuste social e pós-trauma).

Distribui também democraticamente a enfermidade no ciclo vital, enfocando a depressão infanto-juvenil, a depressão feminina e a depressão na terceira idade. Cada etapa com seus transtornos típicos e combinações perigosas (drogas, dor crônica, AIDS, câncer, doenças cárdio-vasculares, insônia crônica, suicídio):

  1. Depressão Infanto-Juvenil (Transtorno de Ansiedade de Separação, Pânico, Fobias, TOC, TDAH, Transtornos Alimentares, de Stress Pós-traumático (TEPT);
  2. Depressão Feminina: Transtorno Disfórico Pré-Menstrual (TDPM), Depressão na Gravidez e Pós-Parto, Depressão na Menopausa.
  3. Depressão na Terceira Idade: Doença de Parkinson e Alzheimer.

Chamou minha atenção o Transtorno Afetivo Sazonal (TAS ou SAD, em inglês). O tipo de depressão que ocorre em determinadas épocas do ano (inverno ou verão). É quatro (4) vezes mais comum entre as mulheres do que homens, acontece a partir dos 23 anos. É mais comum no inverno do que no verão. Os casos de depressão de verão representam ¼ dos casos de TAS, que ainda não é bem compreendida pelos médicos. A combinação de baixos níveis de serotonina, níveis oscilantes do hormônio melatonina e ritmos circadianos anormais, sem contar a percepção de que o calor do verão, parece aquecer o cérebro e provocar episódios depressivos, aparecem como causas para a TAS.

Outro tópico interessante é a constatação de que na natureza, diversos animais se fingem de mortos frente à situações que ameaçam sua sobrevivência e para as quais não percebem nenhuma possibilidade de saída. Diante de nossa condição animal, podemos entender a depressão como uma fuga na qual simulamos um estado de morte em vida. Essa situação corresponderia a um desligamento da parte mais evoluída do cérebro, que passa a funcionar sob o comando da parte mais primitiva e emocional. Essa parte aciona nosso instinto de sobrevivência, que nos coloca numa espécie de estado de choque, onde corpo e mente tendem a uma paralisia, algo semelhante a uma morte fictícia. Esta reação é uma defesa acionada pelo cérebro em depressão para enfrentar situações estressantes que ultrapassaram seu limite de suportabilidade vital. Nem todas as pessoas reagem a longos períodos de estresse dessa forma; no entanto, entre aquelas que apresentam maior vulnerabilidade genética ou psicológica, esse comportamento pode ser interpretado como uma espécie de desistência pessoal frente às adversidades da vida.

Para a autora, viver na depressão é como descer ao limbo espiritual, onde encontramos trevas e desespero. Os deprimidos são os viajantes errantes dos tempos modernos, onde o destino é o lado sombrio da vida; onde o sentido da existência não é percebido e a luminosidade, escassa. Realizar a viagem de ida (voluntária ou não) e, também a viagem de volta de nossos vazios existenciais é um dos feitos mais revolucionários que podemos realizar em nossas vidas.

Recomendo a leitura. Tanto para profissionais, pacientes e/ou interessados no assunto. O texto é de fácil compreensão, recheado de exemplos pessoais e estudos de caso, tópicos culturais e espirituais.

img-1322.jpg

 

Tempo de deprimir

Dormi. Cochilei e dormitei o dia inteiro.

O tempo todo.

A cama foi meu tatame, minha quadra, minha arena.

Outro dia amanhece. Outro dia de tatames e arenas e quadras.

Dia de persiana abaixada, portas e janelas cerradas.

O breu, a escuridão.

Meu mundo sou o que cabe em mim.

Meu deprimir limita meu dia, meu ser e meu fazer.

Minha depressão sou eu.

Meu momento. Meu tormento. Meu recomeço.

Um novo jeito de existir se remodela, se constela.

Estar deprimida, nem sempre,

é estar doente ou deficiente.

É mais um estar onisciente e presente

para o que ainda não está pronto nem posto.

Um tempo de espera para o porvir.

Algo germina. Brota. Cresce. Amadurece.

Tempo de angústia.

O tempo desta nova existência precisa de mais tempo.

Tempo de paciência.

Num belo dia, numa bela manhã ensolarada,

de persianas arriadas, portas e janelas escancaradas,

este porvir virá.

Este meu deprimir, me germinará outra.

 

Pra fazer constar

Só pra fazer constar.

E jamais esquecer.

Quer avaliar a resistência do seu casamento? Construa uma casa.

Quer avaliar sua capacidade emocional? Construa uma casa.

Nestes 22 meses de obra (+ 10 meses de projeto) meu elástico emocional chegou no ponto de lacear e ter quase um colapso nervoso:

Passei pelo animada – apreensiva – assustada – insegura – amedrontada – irritada – nervosa – indignada – estressada – rabugenta – psicótica – depressiva – cansada – exausta – exaurida – conformada – desolada – esgotada – vazia.

Passei pelo engordar, falar e dormir demais e de menos, pela hiper e hipoatividade intelectual e criativa, pelo cansaço físico e mental generalizado …

Pensei em me mudar ou vender a casa, passar um ano sozinha viajando ao redor do planeta de mochila nas costas, me separar, calar pra sempre, fugir, desistir de tudo.

Só pra fazer constar: sobrevivemos todos. Em frangalhos ainda, mas vivos e unidos.

A casa. O casamento. E, eu.

Sobreviventes

Pois hoje é um daqueles dias que eu gostaria de riscar do mapa, da agenda, da memória. Não que seja único ou totalmente inédito. Tenho de admitir que volta e meia tenho dias assim. Quem cumpre agenda, talvez nem os perceba. Quem tem a sorte de não ter agenda (?) os percebe tão logo o dia amanhece. Faça chuva ou faça sol, o dia está nublado, cinza, triste. São dias em que a energia propulsora – e não uma mera agenda – não tem força pra zarpar, está em baixa. Chateada, frustrada, desanimada. Cansada. Quem se importa com a cama desfeita, a pilha de louça suja na pia, montanhas de roupa no tanque? Tanto faz quem se importa. Importa o breu da vontade pra levantar um mísero cisco. Dia de televisão, leitura, comilança, sumiço virtual. Só precisa passar o dia. E esperar que o amanhã venha com mais cor e vigor. Quase sempre é assim. Mas, nem sempre. Tem dias e semanas tristes, apreensivas, preocupadas e ansiosas. Nada de depressões maiores, talvez uma insuspeita ciclotimia.

A vida.

Li em algum lugar, que vivemos uma busca frenética pela felicidade. Verdade? Não foi sempre assim? Talvez a felicidade antes, fosse ter o que comer, beber, vestir ou morar. Esta era A Felicidade. E, ainda é. Mas em tempos cibernéticos ter tudo isso é praticamente um trivial básico. Buscamos mais. Precisamos (?) mais. Ser feliz hoje é ter sucesso, status, dinheiro, beleza …  aparência. Antes, ser feliz representava a sobrevivência e estar vivo. Nessa nossa grande aldeia global, este tipo de sobrevivente é quase sempre invisível e marginal, pendurando-se a agarrando-se nas bordas e cascas da dita civilização contemporânea. Sua miséria nos incomoda. Incomoda não terem sido capazes de provar a superioridade da raça humana. Muitos vivem como animais, sobrevivendo com toda espécie de restos e sobras. Tudo o que fazem e importa é sobreviver. E nós, com toda a fartura e opulência, ficamos tristes por motivos – aparentemente – tolos. Por mais agradecidos que possamos ser por ser o espermatozóide vencedor, termos casa, comida, carro, etcetal. Soa mal reclamarmos dos nossos pequenos infortúnios. Afinal, não somos os felizardos humanos com todas as necessidade básicas atendidas? Lembro das aulas de Psicologia Social e da Pirâmide das Necessidades de Maslov. Segundo Maslov, a gente só evolui e atinge o topo da pirâmide – a espiritualidade – na medida em que satisfazemos todas as necessidades anteriores, a começar pelas necessidades básicas (comida, água, sono, etcetcetc).  Fica complicado pensar em satisfação quando lembro das noites de insônia, nas eternas e massacrantes dietas, na busca implacável por segurança, reconhecimento .. necessidades estas, de base da pirâmide, miseravelmente satisfeitas. Ao que parece estamos numa luta ferrenha (?) pra chegar ao topo – entre arrancadas, deslizes e quedas – oscilando e nos perdendo o tempo todo entre as camadas da dita cuja – a pirâmide.

No fundo, somos todos sobreviventes em busca de realização e satisfação de infinitas necessidades, tidas como impermanentes e instáveis. Nosso conceito sobre praticamente tudo é mutável e oscilante. Variável. O que sabemos sobre espiritualidade? Ainda importa chegar lá?

Seria a Pirâmide de Maslov uma referência teórica compatível com a modernidade e a ambivalência do século XXI? Estaria a pirâmide invertida? Será que um retângulo, um lozango ou um quadrado não expressariam melhor nossa contemporaneidade?