Engolida

A casa me engoliu. O bairro, a rotina. Sair de casa tem sido um desafio. Engolida vivo o dia a dia em Jurerê. Sair pra que? Cada vez mais, sinto que tenho tudo de que preciso. E definitivamente, Jurerê me engoliu. E sinceramente, vou ficar por aqui. O que quer que o mundo lá fora queira de mim, pode esperar.

Fazem 7 dias que temos planejado uma ida ao centro. Preciso de um carimbo vitalício para febre amarela, reunião com contador, comprar fio náutico pra crochê, roupas e óculos de sol, ver a exposição – prometi que ia no lançamento do livro “Floripa, sua linda II” da Gabriela Luft. Não vou ir. Este negócio de relações públicas cansa.

Sobre o carimbo, as compras, reuniões … podem esperar. Amanhã, depois, semana que vem. O limite é a última semana de abril. Depois compro o livro, vejo as fotos da exposição.

Bem que me avisaram sobre tomar cuidado pra não ser engolida por Jurerê.

Semana que vem viajo ao RS. Final do mês pra África. Só assim!

Quero mais é curtir meu canto.

Pra hoje uma caminhada pela praia me parece o suficiente.

 

Viajar

Viajar é ótimo. É tudo de bom.

(tô chovendo no molhado. sei disso. todos conhecemos e usamos este clichê)

Viajar cansa. Estressa. Irrita.

(e a gente finge que não sabe ou prefere esquecer certos detalhes:

porque tem sempre uma cama desconfortável, um amigo chato,

o pior lugar do avião, a roupa errada,

o café frio e fraco,

a comida trocada,

o tempero enjoado,

o programa de índio, enfim …

todos conhecemos este script inconfesso)

Pernas exaustas, exauridas e doloridas

Pés inchados, machucados e cheio de bolhas.

(um horror.

e quanta dor.

alguns míseros comentários.

porque na volta, tudo vira história

pra cortar e gargalhar)

Quem sabe um creminho de cânfora,

alguns travesseiros extras: pernas ao alto.

(e uma caixa inteirinha de Band Aid

+ a desculpa perfeita pra comprar um novo par de tênis.

Se for do tipo Sketch melhor ainda.

Eu recomendo.

Foi o que me salvou nesta nossa última aventura torturante)

Pra quem pensa que ser turista é fácil

não sabe o quanto o corpo padece.

pra ir e vir, de cá pra lá , de lá pra cá.

(a revista Caras, a National Geographic e tantas outras,

deveriam ser processadas:

comentam sobre mosquitos, subidas íngremes,

estradas empoeiradas e esburacadas,

pousadas e hotéis exóticos do tipo muquifo ¼ de estrela,

comidas e personagens imperdíveis,

dignos do mais amarelo dos sorrisos com os quatro caninos à mostra,

prontos pro ataque.

entre tantas outras extravagâncias,

nem sempre (ou quase nunca)

são do agrado daqueles que querem apenas passear,

conhecer lugares legais, comer bem.

Um simples e honesto programa de turista.)

Ombros e coluna também capengam.

Mochilas e bolsas carregadas de tudo,

amanhecem como passarinhos,

anoitecem feito elefantes.

(aconchegam celular, máquina fotográfica,

água, chicletes, grãos, biscoitos, balas,

chapéu, boné, documentos,

cadernos de anotações, mapas, folders, óculos de soldepertodelonge,

souvenirs, camisetas, lembrancinhas

+ tanta coisa que ninguém acredita que precisa, mas carrega.

Vai que precisa.

E mulher que se preza precisa estar prevenida e valer por duas!!!!

Se não for pra valer por duas,

que seja pra não se sentir pelada)

E a cabeça?

Perdida entre o fuso horário e o admirável mundo novo,

que o dia a dia, de hora em hora, impõe.

(haja neurônios pra lidar com a rotação da terra,

com sono de menos e comida demais,

com um inglês, sorry, can you speak slowly? aulas do yázigi?

tanta coisa pra ver e conhecer e comprar e experimentar .

tem sempre alguém chamando, apressando e fazendo confusão sobre

o que precisa e não precisa,

o que é bonito e o que é feio.

vamos ou não vamos? vai levar ou não?

enfim,

escolhas de manhã à noite + dúvidas, miseráveis de tão idiotas:

porque se arrepender por algo que fez ou deixou de fazer,

comprou ou deixou de comprar,

faz parte de viajar)

Mesmo assim (e apesar de tudo) reitero.

Viajar, sair da rotina e do lugar comum, é ótimo.

Voltar pra rotina do dia a dia, também é ótimo.

Acreditem.

Ir e vir é tão ótimo, mas tão ótimo, que consegue ser maravilhoso.

(mesmo que meu sonho de consumo nos próximos doze meses seja

deixar o esqueleto com a bunda em casa)