Sabe aquele filme que vc assiste, tá chato, mas vc continua assistindo, insiste, acredita que haverá uma reviravolta, o filme ainda não mostrou a que veio e, de repente, a imagem some, e mais de repente ainda, sobem os créditos do filme, e mesmo assim, você fica plantado no sofá acreditando que miraculosamente, algo inesperado ainda pode acontecer naquele finalzinho do finalzinho? Pois é, tem livro que também é assim. Você começa a ler um autor novo. É o primeiro livro dele. Você sente a insegurança nas palavras das primeiras páginas. Você insiste, acha que o autor promete. Embarca no enredo. Se envolve. Vc sente que está chegando no ápice e que em seguida virá , como disse minha norinha, uma epifania, uma reviravolta cinematográfica, onde os maus serão desmascarados, os bons recompensados … Vc sente, acredita, espera. Mas nada disso acontece. De repente, o autor apresenta um novo personagem, diminui a ação do personagem principal, outro enredo ganha forca, você imagina que mais adiante os dois enredos e os dois personagens irão se encontrar – eles até se encontram – mas o primeiro personagem principal muda tanto de comportamento, abandona a carreira de promotor público e o país, mergulha numa depressão profunda em Paris, onde uma prostituta, do nada, aparece e o convence a ir pra Nice. Lá ele trabalha como garçom/ carregador/ um faz tudo e conhece uma mulher madura maravilhosa e milionária, ambos se apaixonam, vivem dois meses do mais ardente romance, e do nada, ela diz que ele deve retornar ao Brasil. Ela vai embora. Ele também. Ela vai pra Paris retomar a vida de milionária e ele vai a Berlim, sem saber porque foi pra lá. Entra numa discoteca, bebe os dois drinks a que tem direito, aceita dois comprimidos de droga, surta e é pego pela polícia, que por uma infelicidade, o agride violentamente e Armando – o personagem principal – entra em coma. Um neurologista alemão tenta ajudá-lo. Ele está melhorando. Percebo as páginas do livro acabando. Ele recupera mais e mais a memória, a ponto de lembrar-se da sequência de números do cofre onde deixou sua mochila e seus documentos na estação central de trens de Berlin. Ufa, que alívio. O médico bonzinho irá ajudá-lo a voltar ao Brasil, penso eu. Mas aí vem o fim de semana, a polícia descobre quem é Armando e o extradita ao Brasil. Quando o médico alemão chega para atendê-lo na segunda-feira e não o encontra, fica muito nervoso e revoltado. Eu também. Armando não estava pronto para ter alta. Edu, grande amigo, o irmão para todas as horas, circunstâncias e situações se desencontra de Armando em Nice, por inexplicáveis dois dias. Edu se desespera pela falta de notícias do amigo. Chora desconsoladamente e retorna ao Brasil. O cara foi uma amigo sensacional durante toda a narrativa. Adoraria ter um amigo assim. Na última página do livro, Edu, a esposa e o filho vão jantar. Na saída do restaurante vêem, um mendigo deitado de lado num banco próximo. Edu pede que chamem o Samu e vai embora. O Samu chega, o paramédico examina o morador de rua e diz que está morto há 30 minutos. Ao revirar os bolsos em busca dos documentos, encontra um passaporte, que acredita seja roubado, a foto destruída por um líquido vazado, onde o socorrista lê as últimas linhas do livro:
“Paris – Arrivé – Charles de Gaule”
“Berlin – Abfahrt”
Não sei não; às vezes, não foi bem assim!
FIM
Vontade de afogar o livro na banheira. Rasgá-lo em mil pedacinhos. Sacanagem o que o autor fez com o personagem Armando. Ele não merecia nada disso. E sim, eu me identifiquei com o personagem principal. Vislumbrava para ele outro desfecho. À medida que novos personagens e situações foram atropelando a trama principal, comecei a ficar irritada. Armando perdeu força e entrou numa depressão profunda e se perdeu. O promotor de justiça mais prestigiado do momento, cometeu um erro, não se defendeu, foi injustiçado e banido, abandonou sua carreira, seus amigos, seu país, e no final, morreu como mendigo. A trama poderia realmente acontecer? Tem tanta coisa absurda acontecendo que não duvido de nada. Poderia. Seria o pior dos cenários.
A verdade é que todos gostamos de um final feliz para filmes, livros, para a própria vida. O livro me lembrou em como podemos nos deprimir e nos destruir. O processo de se desvencilhar de tudo e de todos é leve e insidioso, e quando nos damos conta, entramos num caminho sem volta. A volta – sempre possível – é cada vez mais difícil e trabalhosa. A energia e determinação cada vez mais volátil. Histórias como a de Armando acontecem diariamente a nossa volta. Não as vemos. Nem lhes damos atenção. A morte como fim é misericórdia do autor. Porque muitos, morrem em vida. Perdem-se de si mesmos e viram zumbis humanos. Drogados, alienados, bêbados. Órfãos da sociedade, da família, de sonhos. Quantas vezes não é assim que nos sentimos? Lembro de uma professora de literatura que dizia que pouco importava o que era escrito. Importava como era escrito. E que boa arte, boa literatura tinha de chocar. Choquei!!!! O livro “Não foi bem assim – verdades e cicatrizes de um julgamento” de Francisco Almeida Prado é muito bem escrito e envolvente. Se vc tiver baixa tolerância à frustração, passe longe. Caso contrário, ótima leitura.
Curtir isso:
Curtir Carregando...