Lágrimas de março

Fábio, meu cabeleireiro de 48 anos, morreu. A Covid19 o levou. Desabei. Ele era a felicidade em pessoa. Tínhamos altos papos, éramos da mesma região do RS – quase vizinhos – e falávamos de coisas que eram muito comuns aos dois. Quando soube de sua morte, foi um baque: inacreditável que o Fábio não estivesse mais entre nós. Em 2020, devo ter ido três vezes ao salão. Ele comentou que de cada 10 clientes, 7 haviam desaparecido, inclusive eu. O vi a última vez em novembro/2020. Ele vai fazer falta na minha vida. Ir ao salão e encontrá-lo era uma injeção de ânimo, uma massagem no ego de proporções consideráveis. 

Nesta mesma toada de perdas, estou acompanhando minha amiga Candinha, que sofreu um AVC isquêmico, fazem 3 semanas, e continua em coma. Já foi entubada e neste momento, o maior problema é a septicemia hospitalar. Ela não está nada bem. Todo dia pela manhã ao abrir o whatsapp fico apreensiva. Candinha e eu estreitamos nossa amizade, depois que nossos maridos se aposentaram. Temos muitas coisas em comum, além da paixão pela pintura e cerâmica. Em minhas preces, oro para que ela fique bem. O que necessariamente não quer dizer que fique viva cheia de sequelas neurológicas. Ela odiaria vegetar. Que ela fique bem.

Também morreu minha professora da pré-escola e primeiro ano primário. Edith tinha 89 anos e será sempre uma querida lembrança. Foi ela quem me apresentou os carimbos, as letras, a caligrafia, as palavras, frases, e por fim, o catecismo. Ela, assim como minha mãe, adorava as plantas e a música. Sempre que passo em frente à casa onde ela viveu e envelheceu, admiro o enorme gramado, os agapantos e as strelitzas. Entre tantos professores, Edith é sempre nome lembrado, alguém que fez diferença na minha vida.

Viviane – minha assistente doméstica – ainda não retornou ao trabalho. São 15 dias sem dar sinal de vida. Pelo menos, sei que sua filha se recuperou do trauma físico das mordidas do cachorro. Já os traumas emocionais ainda são uma incógnita. Nestes 15 dias tenho me superado nos afazeres de casa. Todo santo dia é insano.  Amanheço sem saber por onde começar. Onde quer que eu olhe tem algo a ser feito ou providenciado. Quando as pernas não aguentam meu fardo nem meu corpo, espicho o esqueleto e as levanto sobre uma pilha de almofadas. 

Aprendi a não desistir. 

O segredo é descansar e seguir em frente. 

Porque coisas boas e ruins acontecem a todos o tempo todo.

Texto de 28/03/21

Muito além do inverno – Isabel Allende

Da autora li vários livros: O caderno de Maya, Afrodite, Paula, Zorro, O amante japonês e A casa dos Espíritos. Isabel Allende é com certeza uma das minhas escritoras favoritas. “Muito além do inverno” aborda o tema da imigração ilegal. O relato da travessia e a permanência ilegal de Evelyn, uma guatemalteca, nos USA se mescla com um assassinato e as vidas entrecruzadas de Richard e Lucia. A questão da morte e das perdas dos personagens está presente em toda a narrativa. “Muito além do inverno” é um texto pesado, triste e penoso.

Selecionei este parágrafo que conta um pouco da crença de Evelyn e seu povo da América Central, sobre os rituais necessários para fazer a passagem da vida para a morte.

“Com muita dificuldade, tropeçando nas palavras, Evelyn conseguiu dizer que ao menos seus irmãos Gregorio e Andrés haviam sido enterrados com a devida reverência, embora poucos vizinhos tenham comparecido ao velório, por temor da quadrilha. Na casa de sua avó, haviam acendido velas e queimado ervas aromáticas, cantaram, choraram, brindaram com rum por eles, enterraram-nos com algumas das suas coisas para que não lhes faltasse na outra vida, e haviam sido rezadas missas por eles durante nove dias, como é o costume, porque nove são os meses que a criança passa no ventre da mãe antes de nascer e nove são os dias que o finado demora para renascer no céu. O túmulo de seus irmãos estava em terra consagrada, onde sua avó ia deixar flores aos domingos e levar-lhes comida no Dia de Finados. (p. 200)

A vida segue em frente

Segue mesmo. E por mais que tentemos resgatar algo que ficou pra trás, resgatamos apenas pedaços de um todo que já não existe mais. Esse algo completo, esse todo, faz parte do passado. Compreendi enfim, que é lá que deve ficar. Qualquer resgate será sempre parcial. A completude daquilo que vivemos no passado, só é completo lá. No passado. Decidi seguir em frente e só olhar pra trás por precaução. Não quero ser atropelada por lembranças perdidas num outro tempo. Decidi viver o aqui e o agora, atenta ao que a vida apresenta. Tem coisa boa? Tem. Tem coisa ruim? Também tem. Sou eu quem escolho. Aqui e agora é meu presente. Sou eu que escolho gostar ou não gostar. Decidi que gostar ajuda a superar o passado, o presente e o futuro, e seguir em frente.