A miudeza da rotina

Quase um mês e meio sem postar. Escrever até ando escrevendo. Na conta deste período, um curso relâmpago sobre Cartas/Bilhetes (Literatura Epistolar), Experimentação Poética, e agora, um Mergulho nas obras de Adélia Prado, Cora Coralina e Ana Martins Marques. Oficinas da Lume com a energia da professora Mellrenault. Uma temporada em SP, outra no RS. Muito barulho com duas obras grudadas à nossa casa. E, frio. Muito frio. A meta é a segunda dose da vacina, agora em 28 de agosto e aguardar a chegada da primavera. Nada de romance à vista, nem cerâmicas, nem pinturas, nem exposições. Tenho vivido os dias entre os livros, as raras caminhadas, o consultório, os cursos online. E à noite, as maratonas de Netflix. A miudeza da rotina em tempos de COVID19. Nada a reclamar. Tudo a agradecer. 

A quinzena

Os dias passam, e cada vez mais, o cansaço me alcança. As pernas doem, a coluna reclama, os braços recusam a carga. Se me perguntarem o que quero, eu quero é dormir. Olhar TV desanima: só notícia ruim (é a COVID19, é a política, a corrupção, a inescrupulosa humanidade que tanto maltrata a natureza, os animais e seus semelhantes). Só notícia ruim. 

Duas semanas atrás me embrenhei, impetuosamente, no meu refúgio no RS. Precisava de silêncio, paz, sossego, leitura, música clássica, silêncio, a cama. O silêncio. O silêncio. Basicamente o silêncio. Era tudo o que eu queria. Me joguei na cama assim que cheguei. E lá fiquei por dois dias. 

Devagar fiz contato com o mundo, via telefone convencional, que aliás, pretendo manter.  Ele dá a medida perfeita da distância necessária pra me manter inteira. Aos poucos, dei sinal de vida e me coloquei à disposição. E cá estou eu, descarrilada de novo. Ao dizer “queres que providencie algo por aqui?” desabei ladeira abaixo: contratei um pintor e aluguei minha casa.  Meu refúgio, meu Xangrilá. Não tinha como não descarrilar!!!! Nem sempre o melhor ou o pior é o que nos deixa mais felizes. Muitas vezes é necessário agir, mudar, seguir em frente, desapegar.

A casa estava à venda há um bom tempo. E por mim ficaria assim ainda por um bom tempo … mas, andava cansada até do meu refúgio. Por isso, quando apareceram dois interessados – Ricardo e Marlon – para alugar, com possibilidade de venda futura, decidimos arriscar. Optamos por Ricardo. Imagina a viagem que foi preparar a casa de 27 anos, pra render uns trocos, reduzir o trabalho e praticar o desapego. Uma correria insana entre discussões contra e a favor de “isso joga fora”, “vou levar pra casa da minha mãe”, “vou levar pra Floripa”, “melhor deixar na casa”. Foi um leva e traz, empacota, contrata caminhão, acomoda apegos … enfim, fiz a minha parte e retornei à Floripa. 

Neste meio tempo, um acidente horrível, com a explosão de um caminhão carregado de combustível, interditou a ponte e atrapalhou enormemente minha rotina e de toda a cidade; aproveitei a volta pra Floripa e adiantei o implante dentário; chegando em casa, a triste notícia de que um pit bul mordeu o rosto da filha de 2 anos da minha assistente doméstica, ambas internadas. Me joguei na cama de novo. Cansada, aflita e revoltada.

Passados dois dias da minha chegada, ainda não descarreguei o carro. Tenho lido e escrito pouco. Comi todos os doces que encontrei pela casa + o proibidíssimo amendoim torrado = ansiedade máxima. Me refugiei no jogo de paciência Spider Solitarie no computador e nas mídias sociais.

É sábado e a ideia de caminhar na praia, tomar sol e retomar a organização da casa não vai acontecer. Acordei cedo demais – com o barulho da bomba de rebaixamento do lençol freático da obra da casa do vizinho.

Preparei meu coquetel de “levantar defunto”: vitaminas e antidepressivo. Para os sintomas, remédios.

O resto, o tempo ajeita. Tenho aprendido a me dar tempo e respeitar meu tempo. 

O consultório vai bem e ele me faz muito bem.

Assim como eu, tudo tem seu tempo. 

Há de chegar a hora em que o viver será mais brando.

Viajar

Viajar é ótimo. É tudo de bom.

(tô chovendo no molhado. sei disso. todos conhecemos e usamos este clichê)

Viajar cansa. Estressa. Irrita.

(e a gente finge que não sabe ou prefere esquecer certos detalhes:

porque tem sempre uma cama desconfortável, um amigo chato,

o pior lugar do avião, a roupa errada,

o café frio e fraco,

a comida trocada,

o tempero enjoado,

o programa de índio, enfim …

todos conhecemos este script inconfesso)

Pernas exaustas, exauridas e doloridas

Pés inchados, machucados e cheio de bolhas.

(um horror.

e quanta dor.

alguns míseros comentários.

porque na volta, tudo vira história

pra cortar e gargalhar)

Quem sabe um creminho de cânfora,

alguns travesseiros extras: pernas ao alto.

(e uma caixa inteirinha de Band Aid

+ a desculpa perfeita pra comprar um novo par de tênis.

Se for do tipo Sketch melhor ainda.

Eu recomendo.

Foi o que me salvou nesta nossa última aventura torturante)

Pra quem pensa que ser turista é fácil

não sabe o quanto o corpo padece.

pra ir e vir, de cá pra lá , de lá pra cá.

(a revista Caras, a National Geographic e tantas outras,

deveriam ser processadas:

comentam sobre mosquitos, subidas íngremes,

estradas empoeiradas e esburacadas,

pousadas e hotéis exóticos do tipo muquifo ¼ de estrela,

comidas e personagens imperdíveis,

dignos do mais amarelo dos sorrisos com os quatro caninos à mostra,

prontos pro ataque.

entre tantas outras extravagâncias,

nem sempre (ou quase nunca)

são do agrado daqueles que querem apenas passear,

conhecer lugares legais, comer bem.

Um simples e honesto programa de turista.)

Ombros e coluna também capengam.

Mochilas e bolsas carregadas de tudo,

amanhecem como passarinhos,

anoitecem feito elefantes.

(aconchegam celular, máquina fotográfica,

água, chicletes, grãos, biscoitos, balas,

chapéu, boné, documentos,

cadernos de anotações, mapas, folders, óculos de soldepertodelonge,

souvenirs, camisetas, lembrancinhas

+ tanta coisa que ninguém acredita que precisa, mas carrega.

Vai que precisa.

E mulher que se preza precisa estar prevenida e valer por duas!!!!

Se não for pra valer por duas,

que seja pra não se sentir pelada)

E a cabeça?

Perdida entre o fuso horário e o admirável mundo novo,

que o dia a dia, de hora em hora, impõe.

(haja neurônios pra lidar com a rotação da terra,

com sono de menos e comida demais,

com um inglês, sorry, can you speak slowly? aulas do yázigi?

tanta coisa pra ver e conhecer e comprar e experimentar .

tem sempre alguém chamando, apressando e fazendo confusão sobre

o que precisa e não precisa,

o que é bonito e o que é feio.

vamos ou não vamos? vai levar ou não?

enfim,

escolhas de manhã à noite + dúvidas, miseráveis de tão idiotas:

porque se arrepender por algo que fez ou deixou de fazer,

comprou ou deixou de comprar,

faz parte de viajar)

Mesmo assim (e apesar de tudo) reitero.

Viajar, sair da rotina e do lugar comum, é ótimo.

Voltar pra rotina do dia a dia, também é ótimo.

Acreditem.

Ir e vir é tão ótimo, mas tão ótimo, que consegue ser maravilhoso.

(mesmo que meu sonho de consumo nos próximos doze meses seja

deixar o esqueleto com a bunda em casa)

 

Insano

Roberto Carlos na novela das 8, Michael Jackson também.

Ritmos e sucessos antigos.

E eu aqui, matando meu tempo,

morto de tanta inutilidade.

Pra acompanhar, um crochê e paciência no computador.

No JN, crise politica, moral e econômica.

Vivo no vórtice dos dias insanos,

de trabalhos e rotina insana.

Vida de dona de casa dá esta sensação estranha e insana que entranha

De tempo morto e de inútil passatempo.

O tempo passa.

Passa tudo na mente insana de uma dona de casa insana.

Melhor voltar a trabalhar.

Outro tipo de insanidade.

Rotina

Coisa bem boa.

Café Melita + pão torrado com margarina Qualy (sim, meu café da manhã tem etiqueta e marca) + fruta.

E termina aí o conhecido do dia.

Casa nova, cidade nova, vida nova.

Tudo novo neste momento …

O único conhecido é o próprio momento.

Recomeço é rotina sem rotina.

É não saber o dia que amanhece dia a dia.

Aos poucos,

novas rotinas se instalam na nova casa, na nova cidade, na nova vida.

Almoço do dia? pizza com espumante.

Coisa bem boa – às vezes – esta falta de rotina.

Mas, sei que o recomeço só começa quando a rotina encontra seu lugar

no novo novo.