O básico sobre a Caminhada de Santiago de Compostela

Peregrinos hard e light!
Peregrinos hard e light!

A idéia de fazer a Caminhada de Santiago de Compostela surgiu num almoço … num jantar … depois de alguns vinhos … e… tá explicado. O grupo cresceu, decresceu e no final fomos entre cinco casais de meia idade. Após meses de preparativos – principalmente de jantares e almoços para troca de dicas, comida e vinho – a grande aventura, enfim, chegou. Alguns se esmeraram mais e intensificaram as atividades para estar fisicamente preparados para o desafio. A compra de material adequado é fundamental: uma boa mochila e botas amaciadas e impermeáveis próprias para caminhadas, não podem faltar. E nem pense em ir com elas recém saídas da caixa. É bolha e o fim da caminhada, na certa; meias sem costuras, camisetas para absorver o suor e um par de bastão para caminhada, são opcionais, mas igualmente importantes. Nós compramos. Coloquei na minha mochila, tudo que pensei que fosse precisar, e embalei tudo em zips. Usei, pra variar, a metade do que levei. Remédios, (não esqueça dos remédios de uso habitual e inclua algum antiinflamatório para dor, levei o Celebra), kits com roupa (camiseta, calça confortável, meias e roupa íntima), blusão, bloco de anotações, ipod, cada qual, num zip diferente. Ou seja, tudo que vai dentro da mochila é bom que fique protegido. Se você pegar tanta chuva como nós é a única garantia de ter roupa seca no dia seguinte. E tenha uma muda de roupa, tipo calça e casaco impermeáveis. Óbvio que a quantidade de roupa depende de várias variáveis, mas jamais esqueça, da variável única de qualquer caminhada: é você quem carrega tudo nas próprias costas. Então, ou você racionaliza ao máximo suas necessidades ou faz a caminhada com equipe de apoio e maior mordomia, ou vai deixando bagagem pelo caminho, ou desiste, lesionado. Existem várias formas de fazer o Caminho de Santiago de Compostela: a pé, de bicicleta, a cavalo, dormindo em albergues ou hotéis cinco estrelas, grupos com equipe de apoio que aguardam com tenda montada, champagne, frutas e massagista à disposição, a pé com par de bastão de fibra de carbono ou o cajado típico de Compostela, caminhadas de um dia e/ou trecho, etcetcetc. É bom pesquisar e escolher o formato que mais combina com você e seu tempo disponível. Nosso grupo acabou se dividindo em dois: O grupo hard e o grupo light. O grupo hard – dois casais – saiu disposto a fazer toda a caminhada com mochila nas costas, à pé, sem auxílio de carro ou carona, saindo cedo, sem paradas habituais para almoço. O lema era a simplicidade e o sacrifício. O grupo light teve o apoio de um carro, que aliás levou nossas malas sobressalentes para a segunda parte da viagem – a Toscana, na Itália. Obrigada, grupo light! O que os guiou foi outro lema que não tenho como comentar. Nunca soubemos exatamente como foi a caminhada deles: sempre que o assunto vem à baila, um misto de risos e brincadeiras permeia o assunto. Mas no final, todos chegamos à Catedral de Santiago de Compostela, com as Credenciais do Peregrino carimbados, todos merecedores do Diploma de Peregrino, ou, Certificado Compostelano. Importa ter chegado feliz e realizado pela caminhada que cada um quis ou pode fazer. Como bem exprimiu uma placa pelo caminho: “De pouco serve chegar a Santiago se antes non viviches o camino”.(J.G.V. in memorian) O programa seguido foi totalmente planejado por nós. Depois de definir o tempo disponível para a caminhada e concordarmos que 20km a 30 km diários eram razoáveis de ser percorridos, nos debruçamos sobre o mapa e optamos por fazer o Camino Francês. Existem ainda outros sete caminhos: o Camino Primitivo, o do Norte, o Inglês, o de Fisterra-Muxia, de Punta del Marde Arousa y Rio Ulla, o Português e o de Via de la Plata. O caminho Francês começa no Cebreiro, passa por Triacastela, Sarriá, Portomarin, Palas del Rei, Melide, Arzua e finalmente, Santiago de Compostela.

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SP/Madri/Cebreiro/Triacastela

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Saímos de São Paulo/Brasil em 30.04.10, sexta-feira à noite, uniformizados com as camisetas de aventura, todos alegres e festivos. Chegamos em Madri/Espanha, na tarde de sábado. Alguns foram passear, outros preferiram descansar. À noite, show de flamenco no Café de Chinitas. Às 10:30h da manhã seguinte, saímos em ônibus executivo, rumo a Pedrafita do Cebreiro, 6 horas de viagem e muitas paradas pelo caminho. Durante o trajeto, as montanhas nevadas no horizonte e alguns peregrinos caminhando, sinalizavam que nossa própria jornada estava por começar. Chegamos na vila celta e pétrea de O Cebreiro, a 1300 m de altitude, no final da tarde de domingo e nos hospedamos na Meson Carolo, uma casa de pedra de 1000 anos, transformada em pousada. O lugar é encantador. Diz a lenda que na Igrejinha de Santa Maria do Cebreiro ocorreu o milagre da transformação da carne e sangue vinculado ao Santo Graal. Foi neste singelo santuário que carimbamos pela primeira vez nossa Credencial do Peregrino, que pode ser obtida no Brasil, na Associação dos Amigos do Caminho de Santiago ou nas igrejas pelo caminho. Foram 32 carimbadas entre O Cebreiro e Santiago de Compostela. Dizem que para receber o Certificado Compostelano é necessário percorrer o mínimo de 100km. Do jeito que for. Na manhã fria e chuvosa de segunda-feira, um café da manhã modesto com pão e manteiga e uma oração à Virgem Maria, pedindo proteção e bênçãos, dão início a nossa jornada física e espiritual. Com previsão de neve, compramos gorros, luvas e proteção para o rosto, numa lojinha da vila. O trecho de O Cebreiro a Triacastela é de 23 Km, numa descida íngreme e pedregosa. Quem tem problema nos joelhos, sofre com o impacto e a frenagem constante na maior parte do percurso. Como disse a companheira Márcia – integrante do grupo light – “Se parar eu penso. Se pensar, eu paro.” Bem isso. E andamos, andamos e andamos, abaixo de chuva, neve, frio e sol, pelos campos floridos de amarelo e lilás. De tempo em tempo, uma parada pra beber, comer, apreciar a paisagem, descansar e se inspirar nos numerosos peregrinos, arrastando-se à nossa frente. Na mochila convém levar, além de água, barrinhas de cereal, chocolates e frutas, que podem ser compradas em pequenas quantidades, diariamente, durante a caminhada. Nada pesado e volumoso. Com os dias, a coluna o lembrará. Primeiro dia doído, banho numa banheira quente e  depois, cama. Optamos por ficar em boas pousadas e hotéis e declinamos dos albergues. Concluímos que os sacrifícios diários mereciam uma boa noite de sono e recuperação. Ou seja, quarto e banheiro individual, com cama fofa e banheira quente. Devemos agradecer ao outro grupo que se incumbiu de fazer algumas reservas pelo caminho. Obrigada grupo light!

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Buen Camino

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Fiz um trecho da Caminhada de Santiago de Compostela em 2010. Foram 200 Km em sete dias. Um grupo de amigos – cinco casais – desafiaram o frio, a neve e os próprios limites do corpo. Depois de todo sacrifício e êxtase da chegada, uma pequena reflexão daqueles dias memoráveis.

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Reflexão Compostelana: Soube da Caminhada de Santiago de Compostela, quando li “O Diário de um Mago” de Paulo Coelho, há trocentos anos atrás. A primeira vez que li, me apaixonei pela aventura mística e espiritual dos protagonistas. Quando decidimos fazer a peregrinação, vibrei e me imaginei tendo vários insights e revelações. Minha própria jornada espiritual. Alguns perguntavam qual seria meu objetivo com a caminhada. Sinceramente, estava apenas curiosa. Minha única certeza era a de que eu caminharia no meu ritmo e no meu tempo. Não queria nem me lesionar, nem fazer da caminhada um suplício. Desde o primeiro dia, saía com o grupo, e aos poucos, ia ficando para trás. Ao sair, a única informação necessária era saber aonde os encontraria no final do dia. E assim foi. Não me machuquei e fiz da caminhada, uma meditação diária.

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Contemplava a natureza, ouvia o canto dos pássaros (cotovias?), apreciava as flores, reconhecia meus próprios limites físicos e observava o que os outros faziam com os seus, procurava entender motivações e interesses de cada um, rezava, fotografava, conversava.

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Percebia que alguns queriam chegar na frente, outros não queriam ficar para trás. Alguns buscavam o desafio físico, outros apenas acompanhar ou rezar. Alguns apenas passaram pela estrada, focados que estavam no destino final. Cada um fez, do seu jeito, a sua própria jornada e se expressou por completo. Cada um foi com objetivos próprios e foi respeitado em sua busca e caminhada. Esta é uma revelação fácil de perceber e difícil de entender. É preciso respeitar seu semelhante em sua própria jornada, sempre.

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A caminhada revela como somos. Companheira inseparável, nossa mochila, mostra o peso que carregamos em nossas vidas. Carregamos mais do que podemos? Somos capazes de jogar fora o que não mais nos serve? Pedimos à outro que a leve por nós? Todas as noites era um alívio retirar a mochila das costas e jogá-la na cama. Assim como era angustiante recolocá-la todas as manhãs, e seguir em frente. Neste meio tempo, entre o retirar e o recolocar da mochila, o desequilíbrio e a leveza do corpo. O peso e a própria mochila acabam se incorporando e abraçando nosso corpo. E, por mais pesada que esteja, ela orienta, dá suporte e conduz. Ela traduz nossos valores, princípios e escolhas.

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As coisas úteis, fúteis, necessárias, desnecessárias e imprescindíveis que escolhemos para nossas vidas. Do que não posso (?) abrir mão? O que é realmente essencial? Quanto a mim, concluí que carrego mais do que preciso e posso. Eu sempre soube disso. Carrego minhas escolhas e não as abandono, por mais pesadas e dolorosas que sejam, mesmo que adoeça: minha bursite crônica do ombro, minhas ansiedades, enxaquecas e labirintites ocasionais são prova disso. Assim sou eu. Teimosa, talvez. Persistente, com certeza. Preciso aprender a desistir e abandonar o que é fútil e inútil, aquilo que não agrega, nem me satisfaz mais. Outra revelação do Caminho. 

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