E 2021 começou

Pra variar, nem “Banquetes Intermináveis” nem “O poder do Agora”. Estes já estão naquela pilha dos livros iniciados e não finalizados. Instigada por uma amiga que disse não conseguir ler o escritor português, baixei o livro “Claraboia” de José Saramago e me pus a ler. Uma delícia de texto. Assim como foi ler “Caim”, também de Saramago. Uma delícia. O próximo cotado, do mesmo escritor, redescoberto na última organização da biblioteca é “A jangada de Pedra”. É com Saramago que inicio meu ano literário. (E, ops. Não é que eu já havia lido Claraboia em 2013? Bem que o enredo me soava familiar … mesmo assim, continua sendo bom.)

Pra variar, também não fiz listas de metas e providências, nem coloquei as cartas de Tarô – um hábito/ brincadeira antiga. Ainda tem tempo. Imagina que sequer preparei o scrap da capa da agenda de 2020. E 2021 começou. Sequer comprei agenda para este ano. A dúvida é: vou comprar? Com certeza. Que seja pra fazer listas + listas, anotações, textinhos, textões. O que realmente espero é preencher a agenda com compromissos e pacientes. 

A sensação de incompletude me fez iniciar o ano com o firme propósito de finalizar o que está iniciado: os crochês, as cerâmicas, os textos, as faxinas. Há muito a fazer, mas também pouco: algumas quirelas e pendências que precisam de um ponto final. Aos poucos me pego anotando um pequena providência aqui, um conserto acolá. O verão será assim: cheio de arremates e fechamentos. São pequenas listas produzidas a partir de outras listas, com alguns itens não ticados. A motivação é finalizar o infindado.  Infindável, talvez?

Como vivemos no país em que o ano começa após o Carnaval – mesmo que neste ano a festividade esteja cancelada, por conta da COVID19 – a ideia é só planejar 2021 após esta data. Até lá, vou finalizando o que foi iniciado; planejar e avaliar mentalmente projetos que zanzam há tempos, feito miríades de pirilampos, ideias e pensamentos. São projetos que exigem energia e determinação e um ano inteiro de experimentação e adequação.

Por ora, vou curtir Saramago, as maratonas na Netflix, o mar, os banhos de sol, e diariamente, dar cabo aos bocados de 2020. 

No calor do verão

Acordei com a chuva batendo na porta arrastando móveis e deixando cair as pratarias.

Alguns cristais se quebraram nesta visita matinal tão bem vinda.

É cedo ainda.

Fui recebê-la com café e wafel congelado. Tostado e amanteigado.

Que falta me fazem as manhãs geladas, cinzas e cheias de raios e trovões.

Voltei pra cama, com o café fumegante nas mãos, aquecida de saudades,

embrulhada de sobre-lençóis, abraçada em Mário Quintana.

Ligo o ar condicionado.

É verão ainda.

Pelo menos, chove lá fora.

Inquilinos

Mal e mal o sol dá pinta de verão e meus inquilinos lagartos aparecem nos fundos de casa como se donos fossem. Trepam na jabuticabeira e pitangueira e servem-se como quem hibernou o inverno todo. Entendo os Juquinhas e Chiquinhos que circulam de lá para cá, rastejando por detrás das plantas sempre de olho em algum ovo de algum desavisado passarinho. Observo a rapidez com que escapam das bicadas e revoadas de pais esbaforidos tentando salvar sua pequena prole revestida de ovo. Às vezes torço pelos lagartos; às vezes, pelos passarinhos. Verdade é, que no verão os lagartos se desentocam e andam abestalhadamente por todo Jurerê. Se a gente andar com calma e observar, verá um rabo aí, um bocão ali. Se a gente olhar distraído pode pensar que são mini-jacarés correndo e rebolando espalhafatosamente, jogando pernas e garras por todos os lados, pra chegar o quanto antes onde quer que eles queiram chegar. Cada vez menos, eles estão conseguindo chegar. Assim me parece. Estão morrendo atropelados. Apedrejados. Açoitados. Não sei bem como eles morrem. O que sei e vejo cada vez mais, são Juquinhas e Chiquinhos mortos, sendo devorados por urubus e outros carniceiros nos terrenos baldios ou meio fios das calçadas. Cada vez mais vejo menos lagartos ao meu redor e ao redor de todo bairro.

Há pouco, Viviane me disse que havia sangue no meio fio, em frente à casa. Fui ver. Desde cedo nenhum sinal do Lagartão, o papai de todos. Possivelmente foi morrer no terreno baldio ao lado de casa. Quero acreditar que não. Afinal, ele é o pai da família que vive debaixo da escada dos fundos de casa. Sempre gracioso tomando banho de sol de perfil. Assustador quando sobe no salto das patas e infla o corpo para parecer maior do que é. Sem medo de estar errada, Lagartão é lindo. Como um lagarto deve ser. Apesar dos sustos que ele já me deu, – como daquela vez em que entrei na cozinha e dei de cara com ele bisbilhotando próximo ao balcão – espero que tenha sido apenas um arranhão. Daqueles que só deixam cicatrizes. Tomara!!!! Gosto da família que vive sem pagar aluguel debaixo da escada dos fundos de casa. Eles pagam com a graça de ser quem são: lagartos. Feios e asquerosos. Mesmo assim, meus vizinhos de verão.

Tomara que Lagartão apareça. Também não tenho visto Lucinda. E os pequenos, Juquinha e Chiquinho, devem ter crescido e andam rebolando pelo bairro. Torço para que todos voltem. Já já o verão acaba e o inverno chega.

É quando fechamos a entrada da casa debaixo da escada. Por medida de segurança.

Morsas

A temporada está no olhar:

Morsas peludas e peladas,

brancas e rosadas espraiam-se na areia.

Olho-as com aquele olhar de quem entende:

o inverno foi frio e longo.

Vinhos, pastas e “fondues” aqueceram o corpo,

agasalharam a alma e saciaram o apetite por calor e amor.

E aí a primavera chegou, tá passando

e o verão acena sem meias verdades.

A verdade inteira é:

Dieta à vista.

Invadida

Quando a casa se enche de gente

– com suas necessidades e obviedades,

suas ladainhas e lamentações, sofrências e maledicências –

me esvazio de energia e sintonia,

engolida numa estranha mesmice desinteressante.

O olhar se perde na busca de algo que não vê,

não sabe o que é, nem o que quer.

Sabe apenas que não gostaria de estar onde está,

consumido e sugado,

neste espectro nebuloso, cheio das mais duras realidades.

Apeteceria mergulhar no vácuo do silêncio, em terra de ninguém,

onde o nada é a melhor companhia.

Porque tem gente que enche e preenche.

Se infla e se expande desvairadamente,

devorando solenemente o ar, consumindo a alma e todos os instantes.

Suspiro agoniada.

Me refugio em quatro paredes.

“Com licença, preciso descansar. Vou ler um pouco. Dar um cochilo.”

Puxo a descarga. Depois volto.

Preparo o jantar.

 

 

Estações

Gosto do verão, odeio o inverno? ou, odeio o verão, amo o inverno? O que seria de um se não existisse o outro? Não ouso imaginar tamanha insanidade. Aprendi a amar e odiar os dois do jeito que são. Os dois se encaixam e se completam como o doce e o salgado, o claro e o escuro, a noite e o dia … são perfeitos na sua incompletude. Primavera e Outono são unanimidades, meio termos, neutros. Fáceis de amar. Pra que comentar?

 

“1000 xs

… me esparramar frente ao fogo crepitante da lareira, vestindo luvas e cachecol, meia-calça, segunda pele, gola alta e “cashmere”. Definitivamente, o verão não é minha praia. Nem os vestidos frescos, tops e shorts rasgados são a minha cara. Eles até são bonitos e tem seu charme, mas o suor grudento, o calor abrasador e escaldante das ruas, casas e praias tórridas de gente, sol e verão, acabam gelando qualquer iniciativa. Pra mim, o verão é uma ode à preguiça e à procrastinação. (Devia era ter nascido mais acima da linha do Equador). As exceções à regra – felizmente elas existem e salvam o cansativo verão do inferno – são os chapeus, os amigos-ratos-de-praia e os “sauvignon blancs”. Divinos nos dias ensolarados e noites enluaradas.”

jurerê com jacinta