Sermão

Filha passando sermão em mãe é, no mínimo, constrangedor. Bastante, aliás. Um mero olhar de revesgueio, incriminador do tipo “como você é capaz de fazer uma coisa destas? como você pode não saber” já basta. Incomoda. Mas, não tem jeito. Quando adotei o MAC como meu computador pessoal, sabia que criaria com minha filha uma dependência digital. Podemos agradecer eu não ter desenvolvido uma relação simbiótica com ela. São poucos os conhecidos (e técnicos em informática) que trabalham com o MAC.  Por isso, sempre que vem ao Brasil, uso e abuso de seus conhecimentos, prática e experiência. Como sempre tenho mil dúvidas, que ela jura já ter me explicado um zilhão de vezes ???? a empreitada é significativa, consome tempo e paciência. Além das atualizações que deixei de fazer, do disco rígido praticamente petrificado com a quantidade exorbitante de e-mails, fotos, mensagens e trocentas coisas duplicadas, sem serventia ou validade, e o MAC avisando: você não tem mais espaço … Como o receio (medo, pânico, talvez) de perder textos, fotos e informações preciosas ou de infectar o micro com vírus letais e devastadores é maior que qualquer outra complicação, acabo não fazendo nada. Na dúvida é melhor não fazer nada. Assim, informações e dados de 2012 ainda estavam no meu Gmail, lépidos e faceiros (lá estavam pessoas, cursos, compromissos, festas, passeios … saudades.) A condição – imposta por ela – para levarmos adiante sua assessoria em MAC este ano é eu dar uma geral no micro: deletar conteúdos dispensáveis, esvaziar lixeiras, organizar e selecionar fotos, textos, imagens e mensagens em pastas … No começo até é gostoso rever pessoas e reviver momentos, mas na medida que o tempo passa, e a quantidade de e-mails parece não diminuir, fotos e textos parecem brotar da mesa de trabalho, chega a hora de passar a foice: marcar o que for descartável e acionar a ação em massa. Chego a ter arrepios nesta hora. Imagino as preciosidades de que estou abrindo mão. O processo é o mesmo que arrumar e organizar gavetas e armários.

Tudo a ver com desapego.

Já minha filha consultora, diz que tudo não passa de uma senhora confusão e desorganização. E lá vem aquele olhar incriminador. Sinto-me a bagunceira do pedaço. A mais jurássica das mães, metida a blogueira e escritora. Sinto-me em débito com ela e com a modernidade.

Mais ou menos como quando vou ao dentista, meu irmão. É abrir a boca que o inquérito começa: você tem passado fio dental? E as escovinhas interdentais? Tá escovando os dentes quantas vezes por dia? Quanto tempo você leva pra escovar os dentes? E esta gengiva? E este sangramento? O olhar incriminador e os suspiros dele me afundam ainda mais na cadeira, começo a salivar feito uma morfética e o medo da broca turva as ideias. Pra mim, ir no dentista é duplamente odioso.

Tem horas que o barato sai bem caro. Brios e vergonha se escondem onde podem. Que seja atrás da maior cara de pau. Fazer o que! Ser parente, nestas horas, não ajuda muito. Acho até que atrapalha. Questões mal resolvidas da infância servem de palco para embates e duelos, que de um jeito ou de outro, são encaminhados. Uma sensação de desforra tinge o ar, oxigenando estranhamente o ambiente!!! Pelo menos, meu irmão não é sádico e sempre me anestesia quando preciso tratar algum dente. E, minha filha, depois de se convencer de que tudo não passa de falta de conhecimento e reconhecer o fato de eu ser de outra época e ter outros interesses, me ajuda pra caramba.

O problema é quando canso dos olhares enviesados e dos sermões. Quando deixo de vestir aquela cara de pau de desentendida , visto os brios e abandono de vez a vergonha. Nestas horas, adeus MAC, adeus dentista. Que se danem os dentes e meus avanços tecnológicos. Nestas horas, quando ao menos a razão assume o controle, marco com dentista estranho bem recomendado. Ai dele passar sermão como se fosse irmão mais velho. Sem chances de segunda consulta. Mais provável um terceiro dentista. Quanto ao MAC, adoro aqueles cursos individualizados em que o professor ensina sem fazer cara feia, dar piti ou olhar atravessado para as perguntas e dúvidas idiotas.

Custa bem mais caro, mas vale o esforço e sacrifício.

Operação Lava Jato

Como todo mundo, tenho acompanhado os desdobramentos da Operação Lava Jato. Talvez a maior diferença seja o fato de conhecer alguns dos executivos presos e suas famílias, bem como, algumas empreiteiras do esquema. Quem ouve ou lê as notícias fica indignado com a postura dos executivos e empreiteiras. Quando foi comentado que era assim que se fazia obra no Brasil, todos ficaram revoltados e caíram de pau no advogado que disse a mais horrenda verdade. É assim que se faz obra pública no Brasil??? Obras de Infra-Estrutura, pontes, estradas, hidrelétricas, portos, aeroportos, etcetcetcetc? O que sei é que a verdade é sim, horrenda. Não conheço nenhum meandro, esquema, nome ou sobrenome, cifras e porcentagens. Apenas convivi e ouvi comentários feitos por engenheiros e executivos das ditas empreiteiras do Grupo da Propina. O que sempre esteve presente nas conversas com esposas e famílias era o número de funcionários, a necessidade de contratos para evitar demissões, os desafios de engenharia, as metas a serem alcançadas. E tem assunto – sei disso – que não se fala ao vento, nem em reunião social, nem com a esposa e filhos, nem com a  namorada.

Quando penso nos amigos/conhecidos presos, penso nos filhos que vi crescer. Penso nas esposas que, assim como eu, acompanharam o marido e se embrenharam em matos e selvas de pedra, abandonaram famílias e projetos próprios. Assim como eu, elas investiram nas próprias famílias e casamentos. Investiram na carreira do marido, enquanto criavam os filhos e faziam o pé de meia. Cada uma teve sua parcela de contribuição e sacrifício, e viu o marido ascender profissionalmente, por mérito ou competência, sorte ou relacionamentos políticos próprios, e, cada um, chegou onde chegou: presidentes ou vices, diretores, superintendentes, muitos chegaram ao topo. Outros sucumbiram, desistiram ou seguiram caminhos alternativos: a pressão por resultados, o ritmo alucinante de turnos alternados, 24 horas por dia, 7 dias por semana, as greves, as invasões pelos Atingidos por Barragens, os MSTs da vida … A vida em obra não é fácil, nem para o profissional, nem para sua família. A obra absorve e suga a todos. Rapidamente, nós mulheres, percebemos que acompanhar o marido, não significa que ele estará por perto quando mais precisarmos. Provavelmente ele estará percorrendo o canteiro de obras nas tardes de sábado e manhãs de domingo, e quando a escola requerer a presenças dos pais, ele certamente estará envolvido em alguma reunião de final de turno ou de resultados, ou preso ao telefone, atendendo fornecedores ou superiores. Rapidamente nos tornamos independentes e autossuficientes. Caso contrário, o casamento ou a carreira acabam. Muitas vezes ouvi que a maior riqueza das empreiteiras é seu material humano: profissionais de gabarito e de carreira, nos mais diversos níveis e competências, que suam sangue por seus projetos e funcionários.  Por suas empresas.

Hoje, estas famílias – esposas, filhos e, porque não dizer, os próprios profissionais  – ficam embasbacados com as notícias estarrecedoras que escutam e lêem envolvendo amigos/conhecidos e a firma que aprenderam a amar. Eles sangraram para o bem comum de toda uma sociedade, ergueram obras que facilitarão a vida e alavancarão o crescimento do país, trabalharam por um salário suado e digno no final do mês. Muitos estão ressentidos, trocaram o orgulho pela vergonha. Sabiam que existiam conchavos e acertos, que a política cobrava um preço pelo progresso e pelo emprego. Sempre houve. Certamente, não imaginavam os números que faziam o sistema funcionar.

Para os profissionais que chegaram ao topo, e tiveram o azar de estar envolvidos com obras públicas, acredito que tenha chegado a hora de dar um basta neste sistema perverso e corrupto e dar nomes aos políticos envolvidos. Estavam errados? Estavam. Acredito que a sociedade deve sim, punir o sistema. Não apenas os executivos e empreiteiras que faziam a roda girar. Mas também quem aprimorou e aperfeiçoou a roda em benefício próprio. Está mais do que na hora de fazer a coisa certa.