Eldorado Destruído

Éramos um jovem casal com uma filha de 4 anos. Estudantes universitários engolidos por estágios, trabalho, aulas, estudos, o serviço de uma casa, a educação de uma filha, a manutenção de um casamento cheio de sonhos, planos e projetos. E muito amor. Os tempos eram de vacas magras, muito trabalho e economia doméstica ao extremo.

Em meio a tudo isso, fui convencida a comprar uma chácara em Eldorado do Sul, próximo à Guaíba, do ladinho de Porto Alegre/RS, a meia hora de Chevette usado, em sociedade com uma tia-avó entendida em abelhas. Minha concordância tinha resquícios do sonho adolescente hippie de plantar, colher e alimentar minha filha com frutas, hortaliças e mel 100% orgânicos. Na hora de escolher o lote, o laguinho de desenho animado sinalizou onde fincaríamos nosso sonho, nosso suor e nossos finais de semana.

A primeira árvore plantada foi uma figueira, na entrada da chácara. Se tivesse sobrevivido teria hoje uns 34 anos e todo o esplendor das barbas-de-pau agasalhando uma imensa copa e longos galhos abraçando e sombreando o que seria hoje um refúgio de final de semana. Além da figueira, foram plantados mais de 30 tipos diferentes de árvores frutíferas, canteiros de hortaliças, temperos e chás e 36 caixas de abelhas. Minha responsabilidade eram os canteiros, que aos poucos, recebiam gérberas e rosas. Meu marido ficava com o trabalho pesado de cavar buracos e transportar caixas de abelhas. Nossa tia-avó recolhia tortas de cocô de vaca usadas como adubo orgânico. E nossa filha, além de esvoaçar os cabelos loiros correndo pra cima e pra baixo entre os canteiros, observava sorridente as rosinhas e gaitinhas da água do laguinho de desenho animado, expressando da forma mais alegre, nosso sonho de ter a nossa própria terra.

Até que um dia, recebemos a notícia de que nossa chácara havia sido invadida pelos “Colonos sem Terra” hoje MST.

Da noite para o dia, nosso sonho foi destruído por um trator. E tudo, absolutamente tudo, jogado no poço artesiano e enterrado com a terra que era a promessa de fartura na mesa de nossa casa. Nossa chácara foi arrasada para parecer terra improdutiva.

Chorei a tristeza do olhar do meu marido, o choro inconsolável de nossa tia-avó. Chorei minhas mãos calejadas pelo trato da terra, pela pele esturricada ao sol. Chorei pelos fins de semana acampada numa barraca, pela figueira despedaçada, pelos limoeiros, laranjeiras, bergamoteiras, bananeiras … pelos canteiros de cenouras e beterrabas … pelas abelhas perdidas voando sem casa, sem caixa, sem teto.

Chorei a maldade humana em destruir o trabalho, os sonhos e os projetos de tanta gente. As chácaras dos meus vizinhos também foram varridas pelo trator dos ditos “colonos sem terra”.

Quem ama e quer terra não a destrói.

Não arrasa o solo onde sonhos e planos são plantados.

Ao longo dos anos acompanhei outras invasões, e o descaso certo do então INCRA e de governos que fizeram da reforma agrária uma grande palhaçada nacional. Basta olhar o que aconteceu com tantas áreas produtivas tomadas à força, por puro interesse político. Sei que existem pessoas decentes que realmente precisam de terra e de ajuda governamental. Uma grande minoria. Infelizmente o projeto de Reforma Agrária perdeu seu foco, faliu e se tornou um movimento político, quase um exército vermelho, que faz mais mal do que bem ao nosso país. Favelas de lonas pretas e campos empobrecidos surgiram por toda a parte.

sem terra

São terras arrasadas, consumidas por gafanhotos humanos.

Dias atrás troquei mensagens via Facebook com a filha da nossa tia-avó, hoje com 91 anos. Disse-me que ela ainda tem esperança de reaver aquele pedaço de terra.

E porque não?

Fomos roubadas e saqueadas. Roubaram nossa terra. Destruíram nosso sonho de uma chácara em Eldorado do Sul, onde uma figueira nos receberia de braços abertos; onde colheríamos frutas do próprio pé; onde apreciaríamos o por do sol por trás daquele laguinho encantador.

Tão bom resgatar sonhos.

E, sentir que enquanto houver esperança, tudo pode acontecer …

Um comentário sobre “Eldorado Destruído

  1. Um olhar, um sentir de dentro, das entranhas e do coração, regada de harmonia, ao ver as plantas sorrirem, nos oferecem lágrimas de felicidade no rosto e dor de alegria no peito.
    Um olhar, um sentir de fora, das bandeiras e da política, regada de disputas, ao ver campear a injustiça, nos oferecem igualmente lágrimas, só que de tristeza rolando pelo rosto e dor sufocante apertada no peito…

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